Quando o fim de semana do All-Star Game começar, teremos as diversões de sempre: campeonato de enterradas, disputa de arremessos de três pontos, os melhores novatos, os principais jogadores da NBA envolvidos em uma partida que funciona como vitrine para os fãs de todo o mundo. São dois dias de brincadeira, de festa, de diversão. Mas nos bastidores, a NBA tentará resolver uma de suas questões mais sérias e urgentes: a relação entre jogadores e árbitros, que parece ter piorado significativamente durante a primeira metade da atual temporada.
A situação não é boa há tempos, mas tornou-se explicita com a atual leva de estrelas sendo expulsas no meio das partidas. É comum ver faltas técnicas sendo marcadas sempre para os mesmos jogadores, aqueles que tem uma fama de não possuírem bom comportamento em quadra, ou então aqueles que são uma espécie de “porta-voz” do resto da equipe, centralizando todas as reclamações de arbitragem. Ver DeMarcus Cousins ser expulso tornou-se algo extremamente comum durante sua passagem por Sacramento, por exemplo. Mas nessa temporada, as expulsões começaram a atingir jogadores inesperados, sem um histórico de comportamento inadequado: Kevin Durant somava apenas uma expulsão em suas 10 primeiras temporadas de NBA e já foi expulso 4 vezes na temporada até aqui, por exemplo. Além dele, vimos expulsões de LeBron James, Anthony Davis, Russell Westbrook e Stephen Curry, todos com histórico muito bom com os árbitros. O técnico Doc Rivers, que sempre foi cabeça quente mas raramente recebia qualquer falta técnica, também foi expulso sem muita cerimônia.
O que está circulando por aí é que técnicos e diretores de todas as franquias passaram a avisar seus jogadores que os árbitros estão “mirando nos grandes figurões”, tentando expulsar estrelas para “transmitir uma mensagem”. Kevin Durant certamente comprou esse discurso. Abaixo está uma de suas expulsões após levar a segunda falta técnica:
Na coletiva de imprensa, Durant afirmou que “o que o árbitro fez era como se ele quisesse me prejudicar pessoalmente”. Após ser punido com a marcação de uma carregada de bola, Durant tentou discutir com o árbitro, afirmou que a marcação estava errada e disse que, a partir daí, o árbitro resolveu prejudicá-lo em qualquer oportunidade, até expulsá-lo.
Draymond Green estava tão convencido de que os árbitros miraram em Durant com um propósito que afirmou: “Está ruim. Está horrível. Está realmente ruim. Não sei por que está assim. Mas acho isso ridículo. Está arruinando com o jogo. Deveria ser uma das prioridades, se não a maior delas, resolver isso. Deveriam trazer uma nova leva de árbitros, uma leva toda nova. Muitas questões pessoais acontecendo. Muito eu contra você acontecendo.” Foi multado pela NBA em 25 mil dólares pela crítica à arbitragem, mas fez ecoar uma sensação generalizada entre os jogadores. Não muito antes, Carmelo Anthony havia respondido a uma expulsão de Russell Westbrook com a frase “pra mim chega desses árbitros”, quase um ultimato.
Mas afinal, se os árbitros estão mirando em jogadores para passar uma “mensagem”, qual seria seu conteúdo? Aparentemente trata-se de uma insatisfação antiga e cada vez mais forte com a falta de apoio que a arbitragem recebe da própria NBA. A sensação, segundo o conselheiro geral da Associação dos Árbitros, Lee Seham, é de que a NBA não dá punições ou multas adequadas ao desrespeito que sofrem dos jogadores em quadra. Imagino que a situação também seja exponenciada pelos “Relatórios dos dois últimos minutos”, um relatório que a NBA libera constantemente coletando os erros de arbitragem que acometem todas as partidas durante os dois minutos finais de jogo. O relatório, que tem caráter pedagógico, ajuda a criar um clima de que a NBA só sabe apontar os erros, e faz com que os jogadores se sintam cada vez mais legitimados a reclamar e questionar sem que os árbitros tenham apoio para se proteger e punir esses jogadores.
A Associação dos Árbitros diz que nunca a arbitragem foi tão questionada e que nunca os jogadores foram tão afrontosos a qualquer tipo de marcação. A reclamação parece adequada ao nosso momento histórico, em que dezenas de câmeras mostram todos os ângulos possíveis, em que o YouTube deu a qualquer leigo acesso a uma visão sobre-humana, e que os próprios jogadores olham para os telões dos ginásios no exato instante em que uma marcação ocorre. Vivemos uma época em que realmente precisamos nos questionar sobre a capacidade de seres humanos apitarem um jogo a contento de nossos sentidos AMPLIADOS pelo close, o replay e a alta definição. O conjunto de regras da NBA não pode ser uma verdade absoluta, platônica, completamente desligada do mundo físico – ela precisa ser APLICÁVEL no mundo, precisa ser discernível por olhos humanos na altura da quadra, sem nenhum recurso que não seja o puro corpo humano. Simplesmente não é possível cumprir as regras como elas são IMAGINADAS, apenas nos resta cumprir as regras como elas são possíveis para esse conjunto de corpos que joga basquete. É quando saímos do nível do corpóreo, discutindo a abstração das regras com o auxílio de um replay em alta-definição que parece mais real do que a realidade, que começamos a colocar uma carga de expectativa inalcançável não apenas para os árbitros, mas também para o esporte.
A Diretora Executiva da Associação dos Jogadores, Michele Roberts, no entanto, afirma que não é disso que se trata a relação conturbada entre jogadores e juízes. Segundo ela, os jogadores reclamam de falta de consistência e de não serem ouvidos. Não é preciso que um árbitro apite da maneira ideal e impossível, mas ele deve apitar sempre DA MESMA MANEIRA, para que os jogadores entendam o que é esperado deles e se adequarem jogo a jogo da maneira mais rápida possível. Para fazer essa adaptação – entender o que será ou não considerado falta segundo a percepção de cada árbitro, por exemplo – é preciso CONVERSAR com os juízes, fazer perguntas, pedir esclarecimentos sobre sua percepção das regras. Para Michele Roberts, é aí que os árbitros falham: muitos deles não aceitam diálogos com os jogadores, sentem-se acuados e ameaçados, erguem as mãos em sinal de recusa, fecham-se em silêncio ou criam barreiras através de faltas e expulsões.
Quando Michele e Seham sentaram algumas semanas atrás, numa rara reunião entre a Associação dos Árbitros e a Associação dos Jogadores, Michele descobriu que esse comportamento que os jogadores tanto abominam era, na verdade, parte do treinamento dos árbitros – eles são encorajados a evitar conflitos e discussões e passaram a se “blindar” através da força das faltas técnicas. Mas os jogadores vão ficando progressivamente mais frustrados, forçando a todo custo explicações – que os árbitros, por sua vez, vão percebendo como um desrespeito cada vez maior e mais digno de punição. São jogadores que reclamam cada vez mais, e árbitros que são cada vez mais desmedidamente duros e autoritários. A combinação é tão desastrosa que rendeu a cena abaixo, em que um Shaun Livingston indignado entrou em uma DISPUTA DE CABEÇADAS com um árbitro impaciente, o que gerou uma suspensão para os dois:
É por isso que durante o All-Star Game, Michele e Seham sentarão mais uma vez para conversar, mas dessa vez acompanhados de três jogadores e de três árbitros. A reunião, a portas fechadas, será uma chance para que os dois lados externem suas frustrações e encontrem algum terreno comum com auxílio de um mediador. No fundo será como um desses conselheiros de casal que tentam salvar um casamento que não está dando certo.
Enquanto isso, tanto jogadores quanto a própria NBA já estão repensando como essa relação pode mudar. A NBA admitiu que a instrução para os árbitros de “evitar conflitos” ignora que os jogadores são humanos ultra-competitivos em situações de altíssimo estresse. Uma das prioridades do treinamento dos árbitros será permitir que os jogadores gesticulem, gritem, reclamem, soquem bolas para externar a frustração, separando esse tipo de “reação emocional” de um ataque aos árbitros, o que por sua vez não será permitido e terá punições mais severas. Além disso, a NBA também admitiu que está falhando na transmissão das políticas de arbitragem para os jogadores e os times – os “Relatórios dos dois últimos minutos”, ao invés de mostrar como a NBA é apitada, acaba servindo como um conjunto de erros e dando munição para que as equipes reclamem. As diretrizes para os árbitros (ou seja, a maneira HUMANA de aplicar as regras etéreas e impossíveis) serão comunicadas em reuniões regulares com as 30 equipes e os jogadores terão oportunidade de fazer perguntas e dar sugestões.
Mas os jogadores também precisam repensar o modo como se comunicam com os árbitros. Depois de ser expulso e se sentir “perseguido”, Durant deu uma entrevista coletiva criticando e diminuindo o responsável por suas faltas técnicas:
Kevin Durant on his ejection and officiating pic.twitter.com/uicljZ8luP
— Mark Medina (@MarkG_Medina) January 24, 2018
Mas no dia seguinte, sua postura já era outra: Durant disse que reviu as cenas e percebeu que ele estava sendo um “babaca” com o juiz, que sua postura corporal não foi adequada, e que ele pode fazer melhor do que isso:
Kevin Durant said he was a “diva” last night about complaining about the officiating pic.twitter.com/Mgb1okSVIi
— Mark Medina (@MarkG_Medina) January 24, 2018
Jogadores precisam diminuir suas expectativas do que um árbitro é capaz de acertar num jogo – e isso parte não apenas de um certo “desligamento” da ideia de uma arbitragem perfeita que os vídeos nos fazem parecer possível, mas também de uma boa comunicação da NBA e dos árbitros sobre o que será e não será marcado, o que é realista ou não de se esperar numa quadra. É uma questão de comunicação que, com sorte, mostrará aos jogadores que o que importa não são as regras puras, mas a consistência das regras aplicáveis. Além disso, é importante que os jogadores aprendam a se comunicar menos agressivamente com os árbitros – algo que depende de uma abertura de árbitros que os escutem quando eles precisarem de esclarecimentos e justificativas. Os árbitros precisam dar essa abertura e permitir que os jogadores sejam passionais, entender que não é uma questão pessoal ou um ataque à sua capacidade como indivíduos, mas também precisam ser respeitados em sua humanidade – o que significa, claro, entender que árbitros erram. Essa discussão sobre árbitros infalíveis em qualquer esporte é uma perda de tempo inacreditável e torna a profissão dos árbitros uma pressão constante que nunca tem qualquer possibilidade de vitória ou satisfação, apenas frustração e incapacidade de alcançar os patamares desejados. É o equivalente esportivo da garota que se olha no espelho querendo ser a modelo da revista – que, caso se olhasse no espelho, teria o mesmo desejo, já que a capa da revista é uma versão ideal, à base de Photoshop, inalcançável. Colocamos metas impossíveis e passamos a vida com aquele gosto amargo na boca de quem nunca é bom o bastante.
Com sorte, enquanto estivermos nos divertindo com o All-Star Game, o casamento necessário entre jogadores e árbitros perceberá que os dois lados são humanos, com falhas e emoções, e saberão melhor o que esperar uns dos outros. A consistência não está só nas regras, mas também nas expectativas. Humanos que somos, precisamos aprender a esperar que os outros também o sejam.
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