Quando chegou em Cleveland, o veterano Kyle Korver admitiu estar inteiramente chocado com a atenção que LeBron James dedicava à academia. Com ambos na décima quarta temporada de suas carreiras, seria completamente compreensível se apenas colhessem os frutos dos anos de trabalho e de suas posições já estabelecidas na elite da NBA. Ao contrário, Korver disse que LeBron levantava pesos duas vezes por dia mesmo sem nenhuma orientação da comissão técnica a respeito. Mais assustador ainda: segundo relatos de Korver, após uma partida de 33 pontos e 10 rebotes em que jogou 38 minutos, LeBron foi o primeiro a estar na academia na manhã seguinte, cuidando de seu condicionamento numa máquina conhecida como “Versa Climber”.
Finished the workout on the Versa Climber! #StriveForGreatness http://t.co/1dyo3QpD
— LeBron James (@KingJames) September 12, 2012
A obsessão de James pelo “Versa Climber” é famosa. Trata-se de um equipamento que simula uma escalada, usando braços e pernas, e que está entre os mais eficientes aparelhos para exercícios cardiovasculares. Sob sua influência, o aparelho foi colocado na rotina de exercícios de toda a equipe, para desespero de alguns:
O próprio LeBron já comentou que o aparelho faz parte de sua rigorosa rotina de treinos na offseason, durante suas férias anuais das quadras, e é um dos motivos para que ele esteja sempre no auge de sua forma física.
Essa dedicação aos treinos e à preparação física mesmo com tantos anos de NBA nas costas e com anéis amontoando-se nos dedos nos lembra imediatamente Kobe Bryant, cuja dedicação ao trabalho extra-quadra atingia níveis que flertavam com o patológico. A obsessão de Kobe, no entanto, era muito mais famosa e vocal. É por isso que Kyle Korver se surpreendeu com a rotina e a dedicação de LeBron: nos faltam histórias sobre seu trabalho, ainda que nos sobrem evidências de que seu condicionamento e poder físico só melhoram mesmo já tendo deixado seus 30 anos para trás.
Os números são assustadores: LeBron James jogou 37.8 minutos por jogo nessa temporada, mais do que nas 3 temporadas anteriores. Nesses Playoffs até aqui, são 42.3 minutos por jogo, sexta maior marca em suas 12 passagens pela pós-temporada. Mas esses não são os únicos indícios de que o esforço de LeBron James está valendo a pena. Insatisfeito com seu aproveitamento em lances livres e nas bolas de longa distância, LeBron se aproveitou da presença de Kyle Korver na equipe – um dos melhores arremessadores de toda a NBA – para trabalhar nesses aspectos e implementar seu jogo.
Segundo Korver, aconteceu normalmente: os jogadores do Cavs analisam vídeos juntos, analisam a mecânica de arremesso uns dos outros e eventualmente LeBron simplesmente pediu dicas de como poderia melhorar. As instruções foram de abandonar os movimentos desnecessários, que “comiam” energia valiosa e alteravam a constância da rota da bola, além de deixar os pés paralelos ao invés de arremessar a bola vinda do quadril, o que lhe dá uma rotação involuntária:
Vale lembrar que LeBron James tem uma média de aproveitamento nos lances livres ao longo de sua carreira de 74%, bastante razoável. Sua mecânica nunca foi confiável mas também nunca causou muita preocupação, com temporadas em que atingiu 78% de aproveitamento. No entanto, nessa temporada LeBron acertou apenas 67% de seus lances livres – se pensarmos que a média da Liga foi de 77.2%, a MAIOR DE TODOS OS TEMPOS, LeBron está regredindo nesse fundamento justamente quando a NBA inteira está melhor nele do que nunca.
Ainda assim, estar abaixo da média da NBA não foi suficiente, por exemplo, para que Shaquille O’Neal aceitasse a ajuda de diversos técnicos de lance livre, que sugeriram desde uma mudança sutil em sua mecânica até a lendariamente engraçada mecânica da lavadeira. Aceitar a ajuda de Korver diz muito sobre a vontade de LeBron James de evoluir seu jogo, portanto. Durante sua passagem pelo Heat já havia ficado evidente que uma melhora na mecânica dos arremessos de três pontos, outro de seus pontos fracos, era essencial para que o espaçamento da equipe funcionasse e LeBron trabalhou nesse sentido. Seus três últimos anos em Miami foram os melhores de sua carreira no perímetro até então, chegando até mesmo a converter 40.6% dos seus arremessos de três pontos durante a temporada 2012-13. Era evidente que, quando necessário, LeBron sabia melhorar seu jogo. Mas de volta a Cleveland a coisa voltou a desandar. Na temporada 2014-15, LeBron foi eliminado pelo Warriors nas Finais da NBA acertando apenas 27% dos arremessos de fora do garrafão contra um adversário decidido a lhe entregar de lambuja qualquer bola de longa distância.
Sob a influência de Kyle Korver, somada ao tradicional rigor de LeBron nos treinamentos, a mecânica de King James nos arremessos começou a mudar. A única ressalva é que, para desespero do técnico Tyronn Lue, isso aconteceu próximo ao fim da temporada, com os Playoffs prestes a começar. Quem já tentou mudar uma mecânica de arremesso sabe que é um processo longo e árduo, já que você passa a questionar seus próprios movimentos e ajustá-los, de modo que cada arremesso acaba saindo de um jeito diferente. Fazer essas alterações no momento mais importante de uma temporada não parece a coisa mais PRUDENTE a se fazer, mas LeBron estava decidido a usar as duas primeiras rodadas para EXPERIMENTAR.
Arremessando bolas de três pontos sem tirá-las do bolso e ajustando melhor os ombros, LeBron passou pelo Pacers na primeira rodada dos Playoffs acertando incríveis 45% dos seus arremessos de três pontos – muito, muito acima da média de 35.8% que a NBA teve coletivamente nessa temporada. Mas os lances livres sofreram muito com as mudanças, com LeBron acertando apenas 57% de suas tentativas, pior marca da carreira. Tyronn Lue chegou a questionar seu jogador publicamente sobre a LOUCURA que era estar reformando uma mecânica durante uma série importante.
Mas os frutos vieram rapidamente: contra o Raptors, LeBron James terminou a série acertando incríveis 83.3% dos seus lances livres, além de 48% de suas bolas de três pontos. São os melhores números que LeBron já teve ao longo de uma série de pós-temporada. Como se não bastasse, o jogador assumiu estar usando as partidas contra o Raptors para treinar arremessos com sua MÃO ESQUERDA, parte de um exercício de redescoberta de suas próprias mecânicas. Dá pra ver ele tentando floaters com a mão trocada no vídeo abaixo:
Curioso é que esse exercício pessoal de entender seu arremesso passa por compreender o motivo dele próprio jogar como destro na NBA sendo que na vida normal LeBron é e sempre foi CANHOTO. Segundo James, a prioridade na mão direita talvez tenha vindo como influência de seus jogadores favoritos, que eram todos destros, e acabou criando uma mecânica com a qual ele nunca esteve plenamente confortável. Achar sua mão esquerda de volta talvez seja parte de um movimento em que LeBron está finalmente se tornando ELE MESMO, aquele momento em que, em plena maturidade, descobrimos quem realmente somos em meio a tantos mecanicismos e repetições da vida adulta.
Na primeira partida contra o Celtics nessas Finais de Conferência, LeBron não entrou num bom ritmo com seus arremessos de longa distância, priorizando bandejas finalizadas com a MÃO ESQUERDA, sofrendo muitas faltas e convertendo 82% dos seus lances livres no processo. Apesar do susto inicial com os números da série contra o Pacers, LeBron James está aprendendo e aprendendo rápido. Está alcançando uma forma cada vez mais pura de arremesso, cada vez mais despida das frivolidades e adereços, e cada vez mais pessoal, cada vez mais ELE PRÓPRIO.
Com 14 temporadas nas costas e finalmente com um anel de campeão em Cleveland, LeBron não está mais no momento de decidir qual jogador ele quer ser. Trata-se agora de polir o jogador que ele JÁ É, permitir que suas capacidades já estabelecidas se livrem de todas as bobagens, das mecânicas desnecessárias, das imposições da mídia – que tanto queriam que ele fosse Michael Jordan – e das influências há muito esquecidas. É o famoso “torna-te aquilo que és” e, contra muito daquilo que imaginávamos, LeBron James é também canhoto, e também um arremessador espetacular. Descobrimos todos os dias novas habilidades e novas facetas que aparentemente sempre estiveram aí, ofuscadas por todo o resto. Mas agora, conscientes delas, é difícil imaginar o que seria capaz de pará-lo. LeBron James confortável consigo mesmo é uma visão que os adversários esperam nunca ter que encontrar pela frente.