Foram 7 meses fora das quadras com uma lesão severa no quadril e a polêmica decisão de evitar uma cirurgia. Sua última partida foi nas Finais da Conferência Leste por um Boston Celtics que hoje parece de uma realidade muito distante, já que o time foi remodelado para além do reconhecível. Desde sua troca para o Cleveland Cavaliers, não chegou a jogar uma única partida sequer. E ainda assim, Isaiah Thomas continuou a ser uma das figuras mais comentadas dessa temporada. Antes de conseguir estrear pelo Cavs, relegado ao banco de reservas em roupas civis pelas primeiras 36 partidas, já havia se tornado uma presença constante em qualquer análise da equipe. Ao invés de analisarmos o que estava ali em quadra – especialmente quando o que estava ali, no primeiro mês de temporada, não agradava nem um pouco – preferimos analisar uma AUSÊNCIA, a figura invisível de alguém que não jogou, porque ali se encontrava um potencial desconhecido. Enquanto muitos times em queda-livre se agarram à ideia do draft da NBA, aquele lugar em que o potencial é sempre infinito, o Cavs podia se agarrar à ideia de Isaiah Thomas simplesmente porque, por não ter jogado, seu potencial também é ilimitado.
Não precisamos de nenhum estraga-prazeres para avisar que esse tipo de relação com o que NÃO ESTÁ LÁ é uma receita clássica para a frustração e o fracasso. Quantos anos o Chicago Bulls gastou sonhando e se preparando para o retorno de Derrick Rose e com isso perdendo as chances reais de lidar com o elenco verdadeiramente especial que tinha? A tentação é enorme e é fácil entender o motivo de várias equipes caírem nesse embustre – times como o Los Angeles Lakers têm sempre a possibilidade de abrir mão de seus elencos atuais em nome de um SONHO de contratar estrelas de potencial ilimitado num futuro que, talvez, nunca se concretize. Depositar as chances de título do Cavs num jogador que não estreou, que talvez não se encaixe no elenco ou no esquema tático, que estará fora de ritmo e que talvez não esteja sequer em condições físicas ideias é completamente maluco. É uma daquelas sábias lições de calendário brega de parede: quem espera um ideal no futuro não percebe que já tinha algo bom o bastante em mãos, só precisava de um ajuste.
Na verdade, o caso do Cavs não é tão extremo. O time melhorou muitíssimo ao longo da temporada, Dwyane Wade encontrou um papel sólido na equipe, LeBron James está provavelmente jogando o melhor basquete da carreira e ao invés de estar fora da zona de classificação para os Playoffs, nesse segundo o time detém a terceira colocação na Conferência Leste, pouco atrás do segundo colocado, o Toronto Raptors. Está muito longe de ser uma situação ruim e muitos times arrancariam um olho para estar nessa posição da tabela. Mas é que as expectativas com o Cavs são muito diferentes: não apenas qualquer time com LeBron James deveria estar pensando em ganhar um título imediatamente, como também há o eterno fantasma de um LeBron que pode desistir da equipe ao final dessa temporada, quando seu contrato expira, se o sucesso do time não lhe parecer adequado. A questão muda então de figura: deixa de ser sobre se o time está jogando bem o suficiente para se manter entre os melhores da tabela e passa a ser sobre se o time tem chances reais de vencer a elite do Oeste, personificada no Golden State Warriors. Nesse momento, ao ver o Cavs jogar, a resposta para essa questão infelizmente é apenas uma: não.
O que vimos nas últimas partidas é que o Cavs arrumou muito de seus principais problemas, mas que a evolução da equipe atingiu seu limite. O time voltou a habitar a elite dos arremessadores de três pontos da NBA, uma das características fundamentais do Cavs que foi campeão apenas uma temporada atrás, mas não mostra sinais de que será capaz de se tornar a equipe versátil que precisa. Alguns jogadores – especialmente Jae Crowder – não encontram lugar no time e LeBron não possui o suporte necessário para que possa machucar os adversários de outras e mais eficientes maneiras, tendo que ao invés disso assumir demais o controle da bola e um papel monotemático de pontuador principal. Se a torcida está tão preocupada e tão focada em Isaiah Thomas é porque o TETO desse time é cada vez mais visível – e não parece, definitivamente, ser alto o bastante.
Talvez por isso o técnico Tyronn Lue e o próprio Isaiah Thomas tenham tentado tão ativamente diminuir as expectativas para a estreia do armador na noite de terça-feira contra o Blazers. Para começar, escolheram a estreia na terça para fugir de um embate com o Boston Celtics na quarta-feira, o que traria ao seu primeiro jogo da temporada uma carga adicional de drama e cobrança, já que Thomas não gostou nada de ter sido trocado e quer muito mostrar que o Celtics tomou a decisão errada. Além disso, estipularam um limite de minutos por jogo – cerca de 20 por partida – e o compromisso de que Isaiah não participará de jogos em dias consecutivos, o que imediatamente o retira da partida-chave contra o Celtics, adiando seu retorno às quadras de Boston para o mês que vem. Mas a diminuição de expectativa não vem apenas das restrições práticas, vem também nos discursos. Tyronn Lue disse que não faria mudanças drásticas no esquema tático, apenas colocando-o em quadra e vendo o que funciona e o que não funciona. Isaiah repetiu à exaustão que, por melhor que esteja fisicamente, está completamente fora de ritmo; chegou a dizer que passar tanto tempo fora das quadras fez ele “perder seus poderes”. Admitiu que antes da estreia se sentiu como um novato, enferrujado, passou a noite anterior sem dormir. O recado é simples: seu retorno não melhora imediatamente o Cavs. Ao menos ainda não.
Mas assim que ele pisou em quadra, a torcida do Cavs fez isso aqui:
He's back!@isaiahthomas finally takes the floor as a member of the @cavs! #WelcomeBackIT pic.twitter.com/1GseoWkaM4
— NBA TV (@NBATV) January 3, 2018
A torcida sabe que Isaiah passou por uma situação difícil, que a troca foi doída, que a reabilitação é dura, que ele é um guerreiro tentando deixar todas as dificuldades para trás, mas não podemos esquecer que ele NUNCA JOGOU PELO CAVS – os gritos e os aplausos são PELO FUTURO, pelo que ele PODE fazer, pelo que ele pode representar em 6 meses.
Mas a partida começou e assim que entrou em quadra vindo do banco, Isaiah começou a mostrar sinais daquele futuro IMEDIATAMENTE. Foram 17 pontos em 19 minutos, e quando deixou a partida em definitivo havia acabado de participar de uma sequência de 11 pontos a zero que liquidou com o jogo no quarto período. Para a torcida, a promessa JÁ SE REALIZOU. Mas nos cabe agora, com a poeira abaixando, tentar ver o que dessa partida inaugural REALMENTE pode nos dizer sobre o futuro do Cavs, a melhora possível e se o teto limite realmente subiu com sua volta.
A adição mais óbvia que Isaiah Thomas traz ao time é sua capacidade de arremessar após um corta-luz simples, de frente para a cesta. Para um time que precisa TANTO de arremessos de três pontos e que muitas vezes tem dificuldade de envolver J.R. Smith, Kyle Korver e até Kevin Love no perímetro, ter um jogador capaz de dar um arremesso de três com qualidade tão cedo no cronômetro é algo fenomenal e, mais importante, libera LeBron de ter que ser esse jogador que arremessa de três pontos em transição quando sabemos que ele é muito melhor cortando para a cesta. A jogada abaixo mostra bem como Isaiah é eficiente nessa situação:
Nessa jogada em particular Isaiah faz isso com os reservas em quadra, justamente uma situação em que o Cavs perde poder de fogo e sofre para encontrar maneiras de utilizar o poder de fogo que possui no perímetro. Duas ou três dessas jogadas em sequência é suficiente para que a marcação dobre e então os outros jogadores sejam acionados em situações ideias de arremesso, algo de que esse elenco tanto precisa.
Mas talvez o melhor da partida de estreia de Isaiah Thomas pelo Cavs não esteja no que ele consegue fazer sozinho, mas em como ele reabilita OUTROS JOGADORES, porque é isso que EXPANDE o potencial da equipe. Jae Crowder, que tem sido uma enorme decepção no Cavs porque não encontrou seu papel, pareceu de volta aos seus tempos de Celtics na jogada abaixo:
Crowder sabe EXATAMENTE o que fazer, correndo em transição só para fazer o corta-luz, tem sua movimentação recompensada, está sendo marcado pelo jogador errado e ao invés de ter que dar um arremesso de três pontos, algo com o qual ele está tendo dificuldades enormes nessa temporada, pode bater para dentro com o benefício de ser mais ágil do que seu defensor. Esse pick-and-pop é tudo de que Crowder precisa para ter opções, lendo a defesa, ao invés de ter que sempre dar um arremesso final com os pés parados. Ele precisa receber a bola com tempo no cronômetro, participar efetivamente da jogada, e Isaiah Thomas permitiu isso a ele assim que entrou em quadra, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Não foi só Crowder quem se beneficiou do armador. Dwyane Wade, obrigado a liderar o grupo de reservas com jogadas individuais de mano-a-mano, conseguiu jogar sem a bola nas mãos – como faz quando LeBron está em quadra – e receber um passe preciso quando cortou meticulosamente para a cesta:
Foi com Wade e Isaiah em quadra que o Cavs fez uma sequência de 11 pontos consecutivos, levando um jogo que estava empatado no quarto período para aquilo que se tornou uma vitória fácil, com direito a fundo de banco matando os minutos finais do jogo. Ninguém corta para a cesta sem a bola tão bem quanto Wade, mas com os reservas ele é obrigado a abrir mão disso; com Isaiah, ele pode alternar esses cortes com suas chances usuais de mano-a-mano.
Por fim, temos aqui um outro jogador que se beneficiou de ter Isaiah Thomas em quadra: LeBron James. Prestem atenção na jogada abaixo:
A jogada deu ERRADO, era para LeBron sair livre do corta-luz de Kevin Love para receber um passe do J.R. Smith, mas a defesa do Blazers dobrou em LeBron (e talvez a gente precise comentar que, de onde eu estou vendo, Kevin Love faz alguns dos piores corta-luzes da NBA). Mas Isaiah Thomas é acionado quando a jogada quebra, sendo a opção natural para RESETAR o ataque ao invés de LeBron James. E aí tudo que Isaiah Thomas precisa fazer é acionar LeBron, que manteve posição, para uma jogada de costas para a cesta.
Se insistimos há anos que LeBron James precisa ser o pivô desse Cavs em alguns momentos da partida porque isso daria uma versatilidade insana para o time – inclusive na defesa, algo que certamente abordaremos em posts futuros – precisamos admitir que isso é difícil de acontecer por longos períodos de tempo quando o time depende tanto da armação de LeBron e, mais do que nunca, de suas bolas de três pontos. Pois em 19 minutos de jogo, Isaiah nos permitiu SONHAR com um cenário diferente: não ter que depender de LeBron para improvisar nas jogadas quebradas (e olha que não faltam jogadas do Cavs que quebram no meio, por um motivo ou por outro), não ter que depender dele exclusivamente no perímetro e, portanto, LIBERAR LeBron James para jogar de costas para a cesta ou cortando para o aro.
O Cavs atual tem chances de título? Pouquíssimas. O Cavs em que Isaiah Thomas faz mais de 20 pontos por jogo? Certamente um pouco mais. Mas o Cavs em que Jae Crowder é envolvido, Dwyane Wade pode jogar sem a bola nas mãos quando lidera os reservas e LeBron pode jogar dentro do garrafão com liberdade é certamente um time de teto altíssimo que pode, finalmente, sonhar ativamente com um novo anel de campeão. O Cavs precisa que Isaiah Thomas seja um armador que controla a bola e aciona companheiros logo no começo do cronômetro de arremesso, mais do que o pontuador que tanto se esperava. Ainda é cedo para saber se isso vai de fato acontecer, se vai se consolidar, e até se o físico de Isaiah Thomas vai dar conta do trabalho. Mas saímos oficialmente do território das esperanças desesperadas e entramos no território esclarecido do que pode, DE FATO, acontecer. Espiamos um pouco o futuro nesses 19 minutos de basquete e precisamos admitir: a torcida do Cavs fez bem em aplaudir de pé.