Dez segundos para o final do Jogo 1, Pacers perdendo em Cleveland por apenas um ponto mas com a posse de bola. Quem deve tentar o arremesso decisivo? Certamente Paul George, cestinha da equipe, naquele momento com 29 pontos, 5 rebotes e 7 assistências na partida. Por que, então, quem tentou a bola decisiva foi CJ Miles, reserva da equipe, com apenas 5 pontos na partida, num arremesso desequilibrado que deixou Paul George visivelmente frustrado? A resposta simples seria culpabilizar CJ Miles e sua vontade individual de decidir a partida, mas a verdade é que a última jogada foi simplesmente um resumo da defesa que Paul George recebeu do Cavs ao longo do jogo inteiro – uma defesa que o forçou a passar a bola para CJ Miles sem qualquer chance de recebê-la de volta. Vamos dar uma olhada nesse arremesso fatídico:
Arremesso final do Jogo 1
Vejam que assim que Paul George recebe a bola próximo à lateral, Tristan Thompson ameaça dobrar a marcação mas desiste, voltando para o fundo da quadra. Paul George fica marcado então apenas por JR Smith, seu defensor “oficial” ao longo dessa série. Agora prestem atenção em LeBron James: ele começa a olhar para trás para se certificar de que Richard Jefferson vai pegar o jogador que LeBron deveria marcar, enquanto Richard Jefferson começa a trocar sua marcação apontando com os dedos para outro jogador pegar o atacante que era sua responsabilidade. Tristan Thompson começa a pressionar rumo à zona morta, de modo que Kyrie Irving pega o jogador que Richard Jefferson deixou para trás. Por um ou dois segundos, Tristan Thompson está marcando dois jogadores: um na zona morta, com o braço esquerdo, e um quase no garrafão, com o braço direito e Irving na cobertura.
Toda essa bagunça apenas para LeBron James poder abandonar seu homem SEM NENHUM PUDOR e dobrar em Paul George no meio da quadra, ainda em cima do logo, uma área que facilita para o adversário passar a bola. Mas vejam a situação de Paul George: todos os jogadores que ele pode acionar com um passe estão razoavelmente marcados e, com pouco mais de 5 segundos no relógio, ele se vê forçado a dar o passe mais seguro, que é um passe para o lado rumo a CJ Miles – aquele que estava sendo marcado por Richard Jefferson. Enquanto isso, LeBron e JR Smith continuam em Paul George por cerca de um segundo, até que JR Smith vai marcar o lado oposto da bola no perímetro e LeBron continua grudado em Paul George, tentando manter o corpo entre ele e CJ Miles. Esse passe nunca poderia fazer o caminho de volta, de modo que Miles dá um arremesso contestado por Richard Jefferson e perde o jogo.
O mais impressionante é que essa jogada é mero repeteco da jogada que aconteceu poucos segundos antes. O Pacers tinha a posse de bola final, também perdendo por apenas um ponto, a 20 segundos do final. Tentou uma jogada quase idêntica que ao invés de terminar num arremesso contestado, terminou numa falta no chão de Richard Jefferson em CJ Miles, de modo que o Pacers cobrou uma lateral que resultou na jogada decisiva. Vale a pena olhar também essa jogada anterior para ver como ela é uma versão espelhada da que veio em seguida:
A jogada imediatamente anterior ao arremesso final de CJ Miles
Com a lateral sendo cobrada do lado oposto da quadra, Paul George recebe novamente sob marcação de JR Smith, LeBron abandona seu homem, Richard Jefferson faz a cobertura e aciona Kyrie Irving (que dessa vez se atrapalha um tanto com Tristan Thompson), LeBron chega para dobrar em Paul George e a estrela do Pacers passa para o lado para CJ Miles, que com tempo no cronômetro tenta colocar a bola no chão e acaba tomando uma trombada de Richard Jefferson, que chega atrasado.
Vejam que ao contrário da jogada que definiu a partida, nessa o Cavs fez um monte de coisas erradas: Kyrie Irving deixa Jeff Teague livre na zona morta mesmo com Tritan Thompson tentando EMPURRÁ-LO rumo ao posicionamento certo; LeBron James escorrega na tentativa de marcar Paul George porque chega quando o adversário já está em movimento; e Richard Jefferson chega atrasado e comete uma falta besta em CJ Miles. O ideal talvez fosse Paul George ter continuado a infiltração e trombado com LeBron, mas é compreensível sempre que um jogador prefere acionar outros companheiros numa marcação dupla, ainda que o passe mais esperto fosse para Teague no canto da quadra.
Isso mostra que o Cavs continua cometendo erros defensivos, mas o PLANO DE JOGO é impecável. Esse plano não impediu Paul George de fazer 29 pontos no primeiro jogo e 32 pontos no segundo, mas força a estrela do Pacers a passar longos minutos sem participar da partida, sem tocar na bola, e a apressar seus arremessos muito mais do que gostaria.
Vejam no vídeo abaixo como o Cavs usa uma marcação semelhante à que vimos nos vídeos acima para impedir que Paul George sequer receba a bola no ataque:
Paul George tem a bola negada no ataque
No cantinho inferior direito vemos Paul George sem a bola sendo marcado por JR Smith, que está ativamente tentando impedir que ele corte rumo à cesta. Quando Paul George corta rumo à linha de três pontos, Jeff Teague faz um corta-luz para impedir JR Smith de continuar sua perseguição. Mas vejam que incrível: Kyrie Irving desencanou de Teague e ficou entre Paul George e a bola, impossibilitando o passe. JR Smith então se reposiciona, volta a marcar George e nesse ponto Teague já está isolado do outro lado da quadra com a bola em mãos. É impressionante como ele está tendo dificuldade de infiltrar em cima dos seus defensores, então ele se aproveita da marcação de Irving para jogar de costas para a cesta, e da dormida de Tristan Thompson e da indecisão de LeBron pra fazer um gancho simples.
É uma jogada “vitoriosa”, mas uma inteiramente desenhada para Paul George que terminou sem que a estrela tocasse na bola. Para evitar isso, o Pacers tentou colocar a bola nas mãos de George já na quadra defensiva, preferencialmente a partir de um rebote. Vejam o resultado no vídeo abaixo:
Paul George caminha da defesa com a bola e sofre marcação dupla
Nessa posse de bola, quem marca George é LeBron James. Assim que James toma um corta-luz, Tristan Thompson troca a marcação para se posicionar na frente de George até que LeBron volte por trás, fazendo um sanduíche. Paul George perde a janela de um segundo para passar a bola para Kevin Seraphin, porque JR Smith corre para baixo da cesta para defender o pivô com Richard Jefferson vindo cobrir Thaddeous Young. Paul George está então sob forte marcação dupla esganado num canto da quadra e faz a coisa certa: passar a bola para seu companheiro livre. O problema é que ele é CJ Miles, o cara que Richard Jefferson teve que abandonar, lá do outro lado da quadra. Até a bola chegar lá (num passe longo, difícil e que não foi bem executado) Richard Jefferson já está em Miles, Tristan Thompson já rodou para defender o garrafão e o que sobra é passar para Jeff Teague, que Irving deixou com mais espaço do que deveria a jogada INTEIRA. Percebam também que ao primeiro sinal de que Teague terá ajuda de um corta-luz, dois jogadores do Cavs dobram nele e depois se reajustam. Resta ao armador do Pacers forçar uma infiltração, que se transforma num toco seguido de enterrada de LeBron no contra-ataque.
Olha essa mesma marcação dupla em Paul George acontecendo no vídeo abaixo DUAS VEZES na mesma jogada:
Marcação dupla em Paul George por duas vezes na mesma posse de bola
Primeiro Paul George finalmente consegue receber um passe (Tristan Thompson se atrasou), mas Thompson e JR Smith dobram a marcação imediatamente. Não há decisão fácil para George na hora de passar a bola: LeBron está marcando dois jogadores (um no garrafão, um na zona morta), mas ele é o MALDITO LEBRON, certamente conseguirá alcançar qualquer um dos dois jogadores e roubar a bola se o passe não for perfeito. A opção então é por Myles Turner, marcado pelo defensor mequetrefe Kevin Love. Turner erra o arremesso, mas George é mais forte e rápido que JR Smith e consegue um rebote de ataque. O que acontece então? Mais uma marcação dupla, dessa vez com JR Smith e Kevin Love (vejam como Love leva uns dois segundos pra perceber o que está acontecendo, mas segue o plano de jogo a tempo). De novo o jogador livre está do outro lado da quadra, na zona morta (dessa vez trata-se de Monta Ellis). George escolhe o passe mais fácil (que é sempre a pessoa marcada por Irving, que dá espaço demais!) mas Teague força uma bola de três que não dá nem aro. Desastre total.
A certeza da marcação dupla não apenas frustra Paul George, que toca pouco na bola, mas também leva a arremessos cada vez mais apressados por parte do jogador. Vejam um exemplo abaixo:
Paul George apressa seu arremesso por receio da marcação dupla
Nessa jogada George está sendo marcado por Iman Shumpert, está em posição pra receber a bola mas Kevin Love, atrasadíssimo e comicamente atrapalhado, começa a se aproximar para dobrar em George. Teague, que tem a bola em mãos, desiste do passe e gira a bola para o outro lado. Stephenson recomeça a jogada e Myles Turner vai fazer um corta-luz para ajudar Paul George a receber a bola. Quando o passe finalmente chega, Thompson leva pelo menos um segundo para perceber que isso aconteceu (ele está ocupado seguindo Turner e não nota o passe rápido). Assim que se toca, começa a correr pra cima de Paul George para seguir o plano da marcação dupla. George tenta então um arremesso ANTES QUE ISSO ACONTEÇA, tendo que apressar a bola mesmo com Shumpert colado nele. Claro que o arremesso não passa nem perto de entrar no aro.
Quando LeBron não está na quadra, no entanto, o Cavs tem bem mais dificuldade de manter o plano. A jogada abaixo é um bom exemplo:
Paul George infiltra e recebe falta de Kevin Love
Paul George recebe a bola marcado por Channing Frye porque JR Smith parou num corta-luz e não conseguiu dobrar a marcação já que Kevin Love estava longe demais para assumir a marcação de Myles Turner. George então está isolado, contra um único defensor, e não tem nenhuma dificuldade em deixá-lo pra trás. A dobra de marcação (que teria vindo bem rápido com LeBron) vem muito atrasada com Love, já com George em movimento, de modo que Kevin Love não tem outra opção a não ser parar na frente de George para cavar uma falta de ataque. A arbitragem marcou falta de Love, levando George para a linha de lances livres, mesmo que outros ângulos mostrem que na verdade foi Paul George quem cometeu a falta de ataque. Essa jogada se repetiu umas 3 vezes seguidas, com duas faltas cometidas por Love até que finalmente marcassem falta de ataque para Paul George, pouco antes de LeBron voltar à quadra.
Fica evidente que quando os jogadores respondem na velocidade adequada e fazem a marcação dupla sem medo, Paul George não tem nada a fazer que não seja forçar arremessos ou abrir mão da posse de bola. São os erros e as indecisões do Cavs que acabam abrindo espaço para George, situações em que o ala do Pacers é simplesmente mortal. Abaixo temos uma jogada impecável da estrela, auxiliada por duas más decisões defensivas da equipe de Cleveland:
Paul George se aproveita da indecisão de Irving e JR Smith na defesa
A jogada já começa com uma coisa incrível, que é Paul George fazendo um corta-luz em Irving mesmo que não tenha NADA ACONTECENDO! Como Irving continua insistindo ao invés de contorná-lo, quando a bola chega ao ataque George conseguiu garantir que Irving vai ser o seu marcador. Veja de novo o comecinho do vídeo porque vale a pena, Paul George é esperto demais com essa sacada! Quando ele se posiciona então pra receber a bola, JR Smith vem como um doido dobrar a marcação, está tudo lindo e maravilhoso para acontecer aquilo que vimos à exaustão até aqui, mas por algum motivo bizarro JR Smith DESISTE e volta para a zona morta. Aí Paul George deixa Irving pra trás como se fosse brincadeira de criança, Tristan Thompson chega atrasado na cobertura e a enterrada acontece.
Falta ao Irving jogo de cintura e a jogadores como JR Smith, Kevin Love e Tristan Thompson a capacidade de confiar inteiramente no esquema tático e responder a ele imediatamente, sem parar para pensar. Quando isso não acontece, Paul George é um dos pontuadores mais eficientes e imparáveis do basquete. Mas quando o Cavs consegue encaixar sua defesa e manter o plano tático, o jogo precisa ser decidido por Jeff Teague e CJ Miles, o sonho de qualquer adversário. Veremos se no Jogo 3 o Cavs consegue manter seu plano defensivo e qual será a solução de Paul George e seu Pacers para não serem engolidos vivos pela marcação dupla constante e bem executada.