Não é novidade nenhuma que as mudanças de regras pelas quais a NBA passou na última década tornaram a vida dos pivôs mais difícil. Restrições aos toques na defesa de perímetro facilitaram a infiltração dos armadores que atacam constantemente os pivôs em movimento, enquanto o fim das restrições de marcação dupla e defesas por zona fizeram com que pivôs tenham mais dificuldade de jogar de costas para a cesta e até de receber a bola no garrafão. Essa forte ênfase no perímetro levou a uma super geração de armadores e alas, tornou o jogo mais rápido e dinâmico, consagrou a bola de três pontos e a bandeja na transição como as melhores jogadas do basquete, e fez com que uma nova geração de pivôs que jogam fora do garrafão – assunto de um dos nossos posts especiais – se tornassem cada vez mais populares, assim como os times sem alas de força ou os alas de força que arremessam de fora.
Mas é surpreendente que no meio dessa transformação da NBA, surjam ainda jogadores de garrafão que resistem aos novos tempos: pivôs fortes, defensivos, incapazes de arremessar de longa distância e que atacam a cesta. Contrariando aquilo que chamamos agora de “basquete moderno”, pivôs como Dwight Howard, Hassan Whiteside e DeAndre Jordan são um pesadelo para todos que os cercam: seus times precisam, para torná-los úteis, lutar contra todas as dificuldades que se acumularam contra os pivôs nos últimos anos, enquanto os times adversários não estão mais acostumados a enfrentá-los ou não se preocupam mais em ter as armas necessárias para contestá-los. Quando Shaquille O’Neal dominava completamente a NBA no começo dos anos 2000, todo time tinha um pivô grandão para tentar atrapalhá-lo e novos pivôs físicos eram escolhidos todos os anos no draft em posições ridiculamente altas para seus níveis de talento apenas porque eram altos o suficiente. Todo time estava disposto a usar uma escolha de draft para apostar num pivô com um mínimo de potencial, como foi o caso do nosso Rafael “Baby” Araújo em 2004, escolhido na oitava posição sem nunca ter mostrado um minuto de basquete que justificasse esse investimento. Hoje em dia essas apostas em pivôs no draft são raríssimas e os elencos não se preocupam em ter que encontrar alguém para contestar pivôs muito físicos. Depois que ficou comprovado que defesas por zona e marcações duplas de jogadores nanicos são o suficiente para anular a enorme maioria dos pivôs da Liga, não vale mais a pena contratar um qualquer só para ocupar espaço no garrafão. Por isso, naqueles momentos em que DeAndre Jordan parece um jogador dominante que controla inteiramente o garrafão, os adversários não possuem ninguém para tacar em cima dele – motivo principal de tantas equipes escolherem o “hack-a-Jordan”, a famigerada estratégia de descer a lenha no DeAndre Jordan para se aproveitar da defasagem cultural que os pivôs têm com lances livres. Até por conta disso, o problema principal está em tornar DeAndre Jordan um jogador dominante – ou simplesmente relevante – dentro de regras e esquemas táticos que prejudicam enormemente sua performance.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Às vezes pivôs tem dificuldade de saber o que é a bola e o que não é”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Dwight.jpg[/image]
Por mais que eu tenha minhas eternas críticas ao Dwight Howard, por exemplo, acredito inteiramente que caso ele tivesse nascido uma década antes e portanto jogado no fim dos anos 90 ou começo dos anos 2000, ele teria sido uma força da natureza imparável. Claro que ele nunca teria a habilidade de Hakeem Olajuwon ou mesmo a de Shaquille O’Neal, mas seu físico, explosão e velocidade seriam suficientes para torná-lo imparável no ataque e um defensor fantástico numa NBA que forçava o jogo um-contra-um. Dwight, coitado, deu azar de nascer em outros tempos, num momento em que suas melhores atuações na carreira eram apenas como isca num Orlando Magic que jogava com quatro jogadores abertos no perímetro que não passavam a bola para seu pivô por longos períodos de jogo. No Rockets de agora, um dos papais do tal “basquete moderno”, até hoje não se sabe exatamente o que fazer com Dwight Howard em quadra. Seus ganchinhos contestados no garrafão são, estatisticamente, um arremesso pior do que bolas de três pontos; colocar a bola nas mãos do Dwight causa enorme comoção da defesa no garrafão e o pivô não é rápido ou habilidoso o suficiente para fazer a bola girar em busca de um arremessador livre. No fim das contas, Dwight acaba apenas finalizando um par de pontes-aéreas por jogo que qualquer outro jogador poderia ter finalizado, e seu papel na defesa acaba sendo como bloqueador na cobertura, expondo suas dificuldades de proteger o aro e suas dificuldades quando os pivôs adversários simplesmente saem para fora do garrafão. Volta e meia o físico do Dwight Howard sozinho apresenta desafios que os outros times não sabem defender, mas são momentos isolados num Rockets que abandonou a ideia de ter um pivô como protagonista de sua movimentação ofensiva. A eles, basta que o pivô seja sólido, competente e secundário.
O que compromete nossa percepção dos pivôs, além de times que não têm mais interesse algum em encaixá-los adequadamente no esquema tático, é a comparação inconsciente que fazemos com os pivôs do passado. Depois de tanto tempo vendo pivôs serem peças decisivas na conquista de campeonatos, é difícil não olhar com desdém para um Dwight Howard que é terceira ou quarta força ofensiva de um elenco atual. Primeira escolha do draft de 2005, esperamos por muitos anos que Andrew Bogut fosse uma força imparável e vê-lo ganhar um título em papel tão secundário no Warriors da temporada passada é um tanto brochante. Mas talvez seja simplesmente questão de entendermos que, nos novos tempos, Bogut resiste em seu corpo de “pivô clássico” cumprindo as funções que podem lhe caber – no caso, sendo uma âncora defensiva e liderando toda a NBA em porcentagem de aproveitamento dos seus adversário debaixo do aro. Seu talento na defesa é o que lhe cabe e o que eventualmente incomoda alguns adversários – quando não é o caso, ele simplesmente senta no banco e está tudo bem, ninguém deveria chorar pela estrela que nunca foi. Talvez Shaquille O’Neal também passasse mais tempo no banco de reservas se em seu tempo tivesse que enfrentar armadores ultra-velozes arremessando bolas de três pontos. Caso continuemos incapazes de adequar nossas expectativas às condições reais do basquete a que assistimos, todos os talentosos pivôs da nossa geração parecerão uns fracassados, enquanto deveríamos estar aplaudindo o simples fato de que vários deles ainda são tão bons que conseguem TER UM TRABALHO, resistindo às exigências e picuinhas dos times modernos.
Caso importante para pensarmos nos pivôs de hoje em dia é Hassan Whiteside. Em 2010, foi draftado apenas na segunda rodada na escolha 33 – cinco anos antes, aquele draft cocô do “Baby”, certamente teria sido escolhido entre os cinco primeiros (talvez três primeiros!) jogadores. Com o interesse por pivôs em baixa, quase nenhum time em 2010 topou a aposta em mais um jogador alto e forte que poderia não se tornar grandes coisas, especialmente um que tinha fama de ser egocêntrico e super difícil de ser treinado. Praticamente ignorado em sua passagem inicial pela NBA, Whiteside acabou tendo que jogar na China, no Líbano e na D-League, a Liga de Desenvolvimento da NBA. Quando recebeu uma chance num Heat devastado por lesões, surpreendeu todo mundo. Depois de um double-double antes da metade de sua primeira temporada com o Heat, o técnico Spoelstra começou a acreditar que ele seria importante para a equipe e o pivô deslanchou, com outros 21 double-doubles nos 37 jogos restantes, incluindo um triple-double COM TOCOS, daqueles que a gente não vê todo dia. Foram 2.6 tocos por jogo em meros 23.6 minutos por partida, com uma média INSANA de tocos em 9% dos arremessos dados ao seu redor, líder disparado na temporada. Para se ter uma ideia, a melhor temporada da história da NBA nesse quesito foi de Manute Bol em 1989, com tocos em 10.81% dos arremessos. Whiteside seria apenas um dos quatro jogadores da história a conseguir esse número se tivesse jogado mais partidas no início da temporada, de modo a ter jogos suficientes para se qualificar para o recorde.
Agora pense que um jogador de apenas 25 anos tenha tido esses números em sua primeira oportunidade real na NBA, e que mesmo com tanto talento nenhum time da Liga tenha lhe dado um emprego em anos. E que mesmo liderando a NBA em tocos por jogo nessa temporada, com quase 4 tocos por partida, Whiteside ainda encontre tantos detratores pela Liga que acham que suas atuações “são apenas uma fase” e que o Heat não deveria jogar com um pivô. Isso mostra quão difícil é adentrar a NBA hoje sendo um pivô clássico. E mesmo o Heat, que agora sabe que o talento do seu pivô é inegável, tem uma dificuldade brutal de encaixá-lo no plano de jogo. Whiteside é o terceiro jogador que mais contesta arremessos na NBA, o que significa que seus tocos vem às custas de que ele deixe seu posicionamento embaixo da cesta, comprometendo sua defesa do aro violentamente, algo totalmente diferente do que a defesa do Heat costumava fazer. Além disso, o Heat esteve em seu auge com LeBron James e pivô nenhum em quadra, com Chris Bosh na linha de três, e não possui muitas jogadas para envolver Whiteside. Isso naturalmente faz com que pivôs talentosos sejam ignorados, diminuídos ou simplesmente empurrados para fora da Liga – mas quando Whiteside salva jogos com seus tocos, ou quando sua explosão física é demais para um elenco mais baixo lidar, fica evidente o motivo de ainda valer a pena investir em pivôs de jogo mais tradicional: os adversários estão despreparados para isso. São pegos de surpresa.
Draymond Green é provavelmente o melhor pivô da NBA no momento, com seu jogo nada tradicional e sua defesa de garrafão baseada em sua velocidade lateral. Times se acostumaram com isso, enfrentam posicionamentos similares contra a maioria dos quintetos nanicos, e até os times mais altos possuem formações baixinhas alternativas que acabam jogando a maior parte dos minutos constantemente. Mas aí de repente você vai jogar em Utah e surge um pivô GIGANTESCO que força os adversários embaixo do aro a terem um aproveitamento de RIDÍCULOS 36% nos arremessos. Quando ele vai para o ataque, é fácil impedir que a bola chegue em suas mãos usando as rotações defensivas, marcações duplas e defesas por zona, mas eventualmente uma bola SOBRA no garrafão e ele simplesmente engole os adversários com rebotes ofensivos e enterradas indefensáveis. Estamos falando do – infelizmente contundido – Rudy Gobert, um dos melhores pivôs da NBA, um dos destaques da temporada até sua lesão, e um lembrete de que um pivô hoje altera os jogos de maneiras diferentes. Não veremos ele liderando a NBA em pontos – George Karl, técnico do Kings, disse isso recentemente quando falava do DeMarcus Cousins jogar sempre embaixo da cesta, explicando que as defesas modernas inviabilizam totalmente um ataque focado no jogo de garrafão de costas para a cesta porque dobram de surpresa toda vez que o pivô coloca a bola no chão. Mas veremos Rudy Gobert levar silenciosamente o Jazz para os playoffs, sem números nem pompa, assim como fez Tyson Chandler ao levar o Mavs a um campeonato, Bogut nas Finais da temporada passada e DeAndre Jordan no Clippers que finalmente é um time sério.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”DeAndre bate bola com o lado errado da mão”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/01/DeAndre.jpg[/image]
Com seu recorde de pontos na carreira acontecendo nessa atual temporada, DeAndre Jordan ainda nos mostra um novo caminho para que os pivôs sejam relevantes no ataque: movimentações constantes, cortes em direção à cesta, pick-and-roll, pontes-aéreas. O pivô que fica parado esperando a bola, ou que empurra seus adversários com as costas no mano-a-mano, é algo inviável. Cabe às equipes aprenderem a incorporar essas novas movimentações dos pivôs em seus esquemas táticos de modo a não perdê-los por completo. Se assim como Whiteside, DeAndre Jordan também escorregou no draft – foi a escolha 35 – por conta de questões de comportamento, hoje já vimos Mavs e Clippers se estapeando para ver quem ficaria com o pivô mesmo numa NBA dominada pelas formações diminutas. Alguns times já perceberam que é justamente por conta das formações diminutas que os pivôs são surpreendentes. Até mesmo um time já consagrado como o Spurs se mostrou disposto a dar uma chance para Boban Marjanovic, o pivô sérvio de 2,21 que em minutos limitadíssimos consegue criar encrencas com que os quintetos adversários não sabem lidar. É essa a resistência inesperada que pode ser a próxima mudança importante no modo de jogar na NBA nos próximos anos, uma reação viável às fragilidades que imitar o Warriors fazem surgir Liga adentro.