No Jogo 1 dessas Finais da NBA, Stephen Curry – atual MVP e recém-recordista de bolas de três pontos numa série de 7 jogos – saiu de quadra com apenas 11 pontos marcados, acertando míseros 4 arremessos em suas 15 tentativas. Isso mostra, para além do simplismo de “um dia ruim” do jogador, uma defesa muito bem executada para contê-lo. Ao mesmo tempo em que o plano tático conseguiu limitar a atuação de Stephen Curry – e de Klay Thompson, que só anotou 9 pontos em 4 de 12 arremessos – tivemos também uma série de erros defensivos do Cavs que comprometeram a equipe em momentos cruciais, especialmente no terceiro período quando a equipe de Cleveland conquistou momentaneamente a liderança.
Antes do Jogo 2, é importante então analisar – com vídeos de exemplo – aquilo que o Cavs fez corretamente para parar Stephen Curry, e como essas escolhas corretas acabaram gerando erros defensivos em outros lugares da quadra. Basicamente isso acontece porque defender Curry não é sobre colocar um jogador para ficar na sua frente desde o início da jogada, mas sim criar maneiras de que o melhor defensor disponível esteja na frente de Curry quando a jogada chegar AO FIM, no momento do arremesso derradeiro. Isso fica mais óbvio quando vemos o modo que o Warriors sempre dava um jeito de terminar suas jogadas com Steven Adams, um defensor limitadíssimo no perímetro, tendo que marcar o arremesso de Stephen Curry. Vejamos o exemplo abaixo, ainda da série entre Warriors e Thunder:
O marcador original de Stephen Curry é Russell Westbrook, mas a jogada já começa com um corta-luz de Draymond Green que faz com que Kevin Durant tenha que assumir a marcação enquanto Westbrook acompanha Green cortando para a cesta. Enquanto isso, Festus Ezeli faz um novo corta-luz e força Steven Adams a marcar Curry. Nessa situação, o atual MVP sente-se tranquilo para dar um passo para o lado e arremessar sem dificuldades.
Colocar Westbrook ou Durant em Curry no começo da jogada não significa nada se o Warriors só precisa de um simples corta-luz para escolher o defensor que restará na frente do Curry antes do arremesso. Por isso, o Cavs teve que criar uma movimentação defensiva em que o marcador ideal – no caso, LeBron James – termine em Curry após cada corta-luz ou então lute ATRAVÉS do corta-luz para encontrar Curry do outro lado, sem dar tempo ou espaço para que Curry arremesse nesse processo.
Vamos analisar esse esquema do Cavs começando por uma jogada em que Curry passa na mão de 3 defensores diferentes, mas acaba com o melhor deles, LeBron James, para atrapalhar o arremesso:
Curry está sendo marcado por Kyrie Irving, alguém que no mundo ideal Curry só precisa isolar do outro lado da quadra e arremessar por cima. Mas assim que Curry corta para a cesta, Irving desiste dele e passa a marcação para JR Smith. Quando ele atinge o lado pretendido da quadra, JR Smith abandona Curry e deixa LeBron na marcação, que bloqueia com o corpo a possibilidade de que o armador do Warriors receba um passe. Isso força Draymond Green a infiltrar, mas não sem antes LeBron se aproveitar da sua envergadura para dar uma atrapalhada na passada de Green, que faz uma péssima bandeja. Aqui vemos não apenas LeBron se mostrar um excelente defensor, mas também Irving e JR Smith se entendendo perfeitamente na defesa, sabendo abrir mão da marcação nos momentos adequados para não deixar os outros jogadores do Warriors livres.
Na jogada abaixo, a mesma coisa acontece, mas dessa vez envolvendo Irving, Kevin Love e por fim LeBron James:
Andre Iguodala faz um corta-luz para deixar Curry no mano-a-mano com Kevin Love, mas Love mantém sua defesa agressiva na bola, tentando roubos, encurtando a distância e não se importando de ser batido, desde que seja com um drible, não com um arremesso. Curry abre mão da bola e então corre para a zona morta, onde Love terá que persegui-lo e, chegando um segundo atrasado, receberá um arremesso na cara. Mas vejam como no meio do caminho LeBron James assume a marcação de Curry e ainda tem tempo de INDICAR PARA ONDE O LOVE DEVE IR, que é a marcação de Harrison Barnes no perímetro. Draymond Green faz a escolha errada ao insistir com Curry (tentar Barnes seria bem melhor, por conta da hesitação de Love) e por isso o armador é perfeitamente marcado por LeBron. O arremesso que Curry é obrigado a dar é péssimo, muitíssimo contestado e LeBron ainda tira o corpo da frente para não arriscar cometer uma falta. Impecável.
Mas como nem tudo foi perfeito, assista novamente ao vídeo acima para analisar os erros do rebote. Kyrie Irving ESQUECEU que tinha que marcar Andre Iguodala na bola, enquanto JR Smith sabe-se lá porque resolve por um segundo ir marcar Ian Smith no perímetro sem nenhuma necessidade já que o arremesso já está no ar. Entre os dois, Iguodala pega o rebote e dá uma enterrada fácil. Foi um trabalho defensivo muito bom que terminou muito mal por uma falha quando a bola já havia sido arremessada.
A jogada abaixo é mais simples: Irving é o marcador inicial de Curry, mas no corta-luz para comprar um pouco de espaço para o MVP, LeBron assume a marcação e leva Curry a dar um arremesso mais uma vez forçado com pouquíssima chance de cair:
Agora vejam o vídeo acima acompanhando apenas Kyrie Irving. É de MORRER DE RIR o Irving esquecendo o Harrison Barnes e OLHANDO PARA CIMA enquanto Barnes corre para o rebote ofensivo, atraindo a marcação de Kevin Love e permitindo a Andrew Bogut um rebote ofensivo seguido por uma bandeja fácil de tudo.
E quando LeBron chega em Curry antes do fim da jogada e o Warriors usa um corta-luz para tirá-lo de cima do armador? A jogada abaixo é um exemplo disso:
Quando a jogada começa, Irving deixa Curry para LeBron e passa a ter que defender Draymond Green. A partir daí, LeBron vai perseguir Curry NÃO IMPORTA O QUE ACONTEÇA, mesmo que tenha que ATRAVESSAR corta-luz atrás de corta-luz para isso. O primeiro é de Bogut, que LeBron tira de letra a tempo de impedir o passe para Curry no perímetro. O segundo TAMBÉM é de Bogut, para dar tempo de Curry chegar na zona morta do lado oposto da quadra. LeBron tromba e continua a corrida, mas Tristan Thompson se joga em cima de Curry sem necessidade nenhuma, cometendo a falta. Erro do pivô, especialmente porque LeBron estava a uma distância segura e não precisava de ajuda na marcação.
No vídeo abaixo, temos mais uma situação em que LeBron assume a marcação custe o que custar: fim do cronômetro, Curry sozinho no perímetro marcado por Richard Jefferson (porque Irving está voltando atrasado para a defesa, olha lá) e LeBron simplesmente manda Jefferson DAR O FORA DALI e ir marcar Harrison Barnes na zona morta:
Harrison Barnes fica sozinho por longos segundos nessa troca, mas isso é LeBron James sabendo ler bem o relógio do jogo, entendendo que o Warriors não tem qualquer motivo para dar um arremesso rápido, antes do estouro do cronômetro, já que isso daria ao Cavs uma chance extra de pontuar. Olha a tranquilidade com que ele troca a marcação, assume Curry, se desvencilha do corta-luz de Shaun Livingston como se tivesse sido incomodado por uma MOSCA, e tenta arremessar Draymond Green para longe antes de ser bloqueado no corta-luz final. Quando Curry arremessa, LeBron até já se recuperou, está com um braço em cima do Curry e Channing Frye veio na cobertura, garantindo um arremesso contestado.
Quer rir mais um pouco? Olha como o Irving, no vídeo acima, não sendo responsável pelo Curry, NÃO SABE PRA ONDE IR. Ele manda Channing Frye ir para lugar nenhum e assume a marcação de Draymond Green, aí perde o Green segundos depois e quando deveria passar a marcar Shaun Livingston, ele aponta para Richard Jefferson marcar Livingston – sendo que Jefferson já está marcando Barnes!
Enquanto a rotação defensiva funcionou muito bem em cima de Curry e os jogadores do Cavs souberam em geral quando persegui-lo e quando abandoná-lo, o problema foi que alguns defensores – especialmente Kyrie Irving – não souberam para onde voltar após passar a tocha da marcação do MVP. O exemplo mais óbvio – e mais horroroso – aconteceu no terceiro período, quando o Cavs tinha acabado de ficar um ponto à frente do placar.
Vejam no vídeo abaixo que Iman Shumpert está marcando Stephen Curry, que sai de um lado da quadra para o outro, passando de novo por dentro do garrafão. Quando ele passa ao lado de LeBron James, vimos que o plano de jogo do Cavs foi deixar a marcação nas mãos de LeBron, com os outros jogadores assumindo quem ele deixar livre. Mas olha que engraçado: Iman Shumpert, ao invés de voltar para marcar Draymond Green, continua perseguindo Curry. Agora temos LeBron e Shumpert em cima do mesmo jogador:
Para dar o toque de comédia da jogada, Iman Shumpert percebe que errou e tenta voltar desesperado – apenas para escorregar com tudo e cair de cara no chão enquanto Draymond Green enterra com facilidade. Esse tipo de erro bobo matou um plano fantástico para parar Stephen Curry. Quer dizer, Curry até foi parado – mérito de LeBron e do desenho tático que tornou a caça ao Curry uma corrida de revezamento olímpico – mas o resto do elenco do Warriors se aproveitou dessas falhas de comunicação para pontuar como nunca. Não foi à toa que o banco do Warriors fez 45 pontos na partida. O problema principal de ajustar isso para a próxima partida, que acontece na noite desse domingo, é que com raríssimas exceções não há tempo hábil de se comunicar dentro da quadra para mostrar quem deve assumir quem. É preciso uma confiança total no fato de que LeBron assumirá Curry nas horas certas, e um entrosamento impecável para cobrir as suas trocas, coisa que Irving especialmente deixa muito a desejar. Sem que isso aconteça, podemos esperar que o resto do Warriors continue se aproveitando da atenção depositada em Curry – que, por sua vez, precisará encontrar outras maneiras de ajudar a equipe, mesmo contestado por LeBron James, ou terá outras noites pouco memoráveis como essa.