Jogando em Boston, primeira partida com quatro novos companheiros de equipe (Jordan Clarkson, Larry Nance Jr., Rodney Hood e George Hill), LeBron James parecia eufórico. A situação parecia verdadeiramente adversa: um ginásio abarrotado de torcedores rivais, numa noite comemorativa em homenagem à aposentadoria da camisa de Paul Pierce, em rede nacional, enfrentando o primeiro colocado da Conferência Leste e melhor defesa da NBA, duelando com seu agora desafeto Kyrie Irving e tendo que encarar tudo isso com um elenco completamente remodelado que não teve uma chance sequer de treinar antes da partida. Quem em sã consciência estaria confortável em enfrentar o Celtics nessas circunstâncias? E ainda assim LeBron James era todo sorrisos, todo abraços, todo empolgação.
Não lhe faltam motivos. Não é apenas que LeBron é um dos raros jogadores da história da NBA que conseguiriam sair de uma partida dessa com 24 pontos, 8 rebotes, 10 assistências e um saldo de 23 pontos numa vitória esmagadora de 22 pontos de vantagem. É também que nenhum outro jogador jamais passaria pela excitação de ter um elenco inteiro transformado apenas para aumentar suas chances imediatas de título. No fundo, LeBron James sente-se empolgado por experimentar uma situação que nenhum outro jogador jamais sonhou em experimentar, uma oportunidade que nenhum outro sequer almeja. Qual outro time IMPLODIU no meio de uma temporada não para o futuro, mas para transformar por completo as chances presentes?
Ter LeBron James num time é algo completamente único que acaba criando situações tão inéditas que não sabemos exatamente como interpretá-las. O principal motivo é que LeBron talvez seja o único jogador que seria verdadeiramente dominante em qualquer esquema tático, em qualquer posição, em qualquer circunstância. Pensemos em como James Harden era um jogador unidimensional, tido como incapaz de incluir seus companheiros e principalmente de defender qualquer adversário. No esquema de Mike D’Antoni, Harden não apenas se tornou um dos líderes da NBA em assistências como também se estabeleceu como um defensor sólido, entre os 10 melhores ladrões de bola da temporada. Foi no Warriors que Kevin Durant se consagrou como um defensor de elite, entre os 5 melhores em tocos da temporada. Foi com Brad Stevens que tantos jogadores tiveram seus pontos fortes ampliados e suas falhas escondidas rumo às temporadas de suas vidas. Mas LeBron James se encaixa em absolutamente qualquer coisa que você imaginar, sem exceção, tanto no ataque quanto na defesa.
Isso em parte é uma maldição – não há um estilo específico óbvio a seguir ao se contratar LeBron James, nem um estilo evidente de jogadores para cercá-lo – mas cria também oportunidades que nenhum outro time da NBA pode almejar. O Cleveland Cavaliers era o líder da Conferência Leste na temporada 2015-16 mas parecia não estar jogando o melhor basquete possível sob comando do técnico David Blatt. Nenhum time nessa situação poderia se dar ao luxo de demitir um técnico no meio da temporada, implementar um novo esquema tático e alterar, mesmo que minimamente, o papel de sua estrela em quadra. Mas com LeBron James essa opção torna-se possível: o técnico foi demitido, LeBron segurou as pontas sozinho até o time se adequar, mudanças táticas ocorreram aos poucos e o Cavs foi campeão naquela mesma temporada, o primeiro título de sua história.
A sensação é de caos, de falta de planejamento, de improviso, parece que a diretoria vai decidindo as coisas na hora, enquanto acontecem. Parece puro amadorismo e desespero. Se qualquer outra franquia fizesse isso, diríamos que ela é comandada por gorilas vendados que sorteiam decisões numa roleta (como é o caso do Orlando Magic). Mas e se no caso do Cavs isso não for amadorismo e sim um luxo, uma decisão inteligente que não sabemos julgar simplesmente porque as outras equipes não possuem LeBron James para garantir a POSSIBILIDADE dessa decisão? Se percebem um erro, os outros times da NBA precisam sentar, planejar e tentar arrumar o equívoco no futuro, muitos deles implodindo e começando de novo nesse processo. As mudanças tendem a ser graduais justamente para evitar uma penosa transição que pode demolir a equipe, condená-la a uma reconstrução e alienar a base de fãs. Mas quando o Cavs percebe um erro – trocar por Isaiah Thomas foi, inegavelmente, um grande equívoco que não percebemos há poucos meses atrás – não precisa programar a transição para o futuro. Ninguém em sã consciência tem LeBron James no elenco e pensa “puxa, esse ano não vai dar pra ganhar, vamos pensar no que vamos fazer para os próximos 3 anos”; sua versatilidade e dominância permitem que o time faça mudanças instantaneamente e já mire automaticamente o título. Não há nunca um tempo morto de espera.
Entendo que parte disso se dá porque LeBron James assina contratos a conta-gotas, contratos muito curtos que não permitem que seus times se programem a longo prazo, tendo sempre que pensar um ano de cada vez. Mas mesmo que o Cleveland Cavaliers tivesse garantia de que LeBron estará por lá pelos próximos 10 anos, que diferença isso faria? Que sentido haveria em pensar num título para daqui a 2 ou 3 anos quando LeBron garante na base do puro talento que alterações sejam aplicadas imediatamente e que nenhum ano jamais seja perdido e nenhuma possibilidade de título seja adiada?
O que proponho é que o Cleveland Cavaliers não seja encarado como um time descontrolado que faz mudanças aleatórias sem planejamento apenas para agradar seu “reizinho” LeBron James, mas sim que aprendamos a enxergá-lo como o time que se ADAPTA MAIS RÁPIDO na NBA, o único time que consegue fazer mudanças profundas de estrutura em tempo real e ainda disputar um título, e que por conta disso pode EXPERIMENTAR, trocar e ousar de uma maneira que muitos outros times adorariam, mas não conseguiriam executar.
É justamente essa possibilidade que o Cavs de LeBron James tem e as outras equipes não que acaba dando a LeBron a fama de “mimado”. Muitas estrelas percebem falhas em seus times mas sabem que elas só serão solucionadas num futuro hipotético – uma troca de técnico que tende a colocar uma temporada inteira a perder, uma contratação pontual, uma troca de difícil execução que, com sorte, não atrapalhe muito as bases já estabelecidas da equipe. Exigências e reclamações são então discutidas nos bastidores de maneira comedida, com os jogadores sabendo que construir um time campeão leva tempo e planejamento. Muitos assinam contratos sabendo que comporão equipes que estão ainda a alguns anos de disputar um título e aguardam pacientemente o processo, outros esperam ansiosos a chance de encerrar seus contratos e migrar para times que finalmente completaram seus processos de reconstrução e estão almejando títulos.
LeBron James, por outro lado, permite por si só chances de título e consequentemente permite que mudanças drásticas sejam feitas sem perdas muito significativas de qualidade – mesmo esse Cavs DESASTROSO dessa temporada, em que todas as trocas e contratações deram errado, está lá tranquilão na terceira colocação do Leste. Então LeBron não tem nenhum motivo para “aguardar pacientemente”, esperar um processo, aguardar um par de anos, sentar até o fim do contrato. Ele pode dar carta branca para a diretoria fazer as experiências mais malucas de troca, contratações polêmicas e mudanças de técnico. Algumas dessas cagadas não são facilmente consertáveis, como o contrato gordo de Tristan Thompson, por exemplo, que nenhum outro time aceitou na janela de trocas. Mas normalmente não há nada que o Cavs não possa desfazer em tempo real. Por isso, faz todo sentido que LeBron James aponte quaisquer defeitos que encontre no time e peça ajuda, reforços ou contratações. O fato de que seus pedidos são ouvidos se dá em parte porque o Cavs tem medo de perdê-lo, mas em parte porque LeBron aguentará o tranco dessas mudanças enquanto o time sofre para incorporar os recém-chegados ou para se adequar às peças que perde. Medo nunca é uma ferramenta forte o suficiente; LeBron tem sua voz ouvida porque conseguiu levar um time ao título mesmo tendo que lidar com tantas mudanças estruturais bem no meio de uma temporada. Será que conseguimos SONHAR com outro time que não esse Cavs de LeBron sendo capaz de ganhar um título numa temporada com tantas modificações táticas e de elenco?
O Cavs da temporada atual perdeu uma das maiores estrelas da NBA, Kyrie Irving, e acaba de perder também a estrela que veio para substituí-lo, Isaiah Thomas. Em troca, recebeu uma série de jogadores medianos e jovens demais; o mais velho e consagrado deles, George Hill, sofreu para conseguir um contrato decente para essa temporada e não recebeu ofertas reais de nenhum time decente. Tente imaginar uma diretoria que teria CORAGEM de mandar uma estrela (ou a estrela que veio em troca de uma outra estrela) em troca de jogadores jovens e inexpressivos SEM ESTAR EM RECONSTRUÇÃO. Nesse quesito, a NBA é extremamente conservadora: estrelas viram estrelas ou escolhas de draft e pirralhos para um futuro longínquo, você não as troca por jogadores medianos e espera continuar disputando um título. Mas diz a lenda que o Cavs simplesmente avisou LeBron por telefone que “transformariam completamente o elenco”, ele respondeu com um “OK” e quatro novos nomes desembarcaram em Cleveland. Assim mesmo, sem medo de ter perdido valor, de abrir mão de estrelas, de comprometer o futuro. Basta olhar para LeBron em quadra para qualquer engravatado na diretoria ganhar subitamente uma coragem sobre-humana de tentar compor o melhor elenco possível, mesmo que ele pareça bizarro ou improvável.
Na segunda partida desse elenco reformulado, uma vitória brigada em cima do OKC Thunder, os recém-chegados Jordan Clarkson, Larry Nance Jr., Rodney Hood e George Hill jogaram todos entre 23 e 24 minutos; os “veteranos” de Cavs que sobreviveram à data limite para as trocas, Tristan Thompson e Jeff Green, jogaram 23 e 26 minutos, respectivamente. Esse elenco profundo em que todo mundo joga relativamente pouco por partida enquanto LeBron James joga quase 40 minutos parece fazer muito mais sentido do que tentar encaixar LeBron e Isaiah Thomas e não ter um banco minimamente sólido ou coeso. Mesmo sem treino, o time já parece melhor do que era antes – ou seja, melhor do que um terceiro colocado no Leste, o que não era pouco. LeBron segura as pontas para que todos os outros jogadores possam jogar poucos minutos por enquanto e ir se encaixando, encontrando seus papéis; ele facilita o trabalho, cria arremessos livres para os companheiros e faz tudo funcionar até conseguirem treinar e pensar no próximo passo.
Não consigo imaginar um jogador da NBA que fique mais frustrado com resultados medíocres do que LeBron. Sua linguagem corporal com o elenco anterior do Cavs era medonha, estava completamente desmotivado, soltando farpas para Isaiah Thomas em todas as oportunidades com a imprensa. Talvez justamente porque ele saiba que pode sempre almejar coisas melhores, situações melhores, a mão num título. Porque ele sabe que o time TEM PERMISSÃO PRA ARRISCAR – mais do que isso, tem a OBRIGAÇÃO de arriscar – e que portanto não pode se contentar com atuações banais, falhas gritantes ou jogadores desinteressados. Não o vejo querendo do seu jeito, mas o vejo constantemente querendo NOVOS JEITOS, mudanças radicais. LeBron James está jogando em outras regras, ele não está disputando jogos de basquete, ele está duelando com os GRANDES DA HISTÓRIA, está conversando com a eternidade, com o legado. Ele sabe que torna o Cavs imediatamente competitivo e que qualquer jogador que chegar no elenco tem mais chances de ser campeão ao seu lado do que o teria sozinho; consequentemente, não consegue tolerar que o time se contente com pouca coisa, que seja conservador, moderado, comedido, ou que tenha jogadores que não percebem que estão diante de possibilidades históricas de grandeza. Ter LeBron no elenco é encontrar diariamente um convite para o risco e a mudança. Se esse elenco atual não der certo ou entrar numa sequência negativa, troca-se o técnico Tyronn Lue, troca-se o estilo, trocam-se os titulares, troca-se tudo que for possível. O que fica é apenas LeBron James e a garantia de que todas as mudanças são possíveis quando ele está lá para segurar as pontas. O receio e a prudência não valem a pena se seu resultado direto é a mediocridade; para um time que tem LeBron James, apenas os títulos são aceitáveis.