🔒Quem ganha com as derrotas?

Nos últimos anos o debate sobre o ‘tanking‘ foi intenso na NBA. Embora perder de propósito para ser favorecido no Draft seja algo comum na história da liga, ninguém havia feito isso de maneira tão descarada, anunciada e PACIENTE quanto o atual Philadelphia 76ers. Foram anos e anos entre as piores campanhas da NBA, sem fazer nenhum esforço por melhora imediata e até trocando jogadores que eram jovens e pareciam promissores como Jrue Holiday (que tinha acabado de fazer seu primeiro All-Star Game) e Michael Carter-Williams (logo após ele ter sido eleito Novato do Ano) por escolhas de Draft.

A ideia da reconstrução não era pegar jovens? Então por que trocar jovens por FUTUROS jovens? E o plano do Sixers era tão a longo prazo que eles até se deram ao luxo de selecionar atletas com lesões sérias como Nerlens Noel e Joel Embiid, esperando pacientemente a recuperação deles por mais de anos. A impressão era que a liga tinha um time a menos.

Foi exagerado, alvo de críticas e fez a direção da NBA se mexer para estudar mudanças de regras que impedissem isso. A vergonha de ver a imprensa discutindo o “processo” do Sixers ao invés de BASQUETE DE VERDADE fez Adam Silver chamar todos os times da liga para rever os planos. No fim das contas, porém, a poeira baixou: as mudanças de regras foram menores (uma pequena alteração na porcentagem de chance do pior time ficar com a 1ª escolha do Draft) e decidiu-se só esperar. Se alguém incomodar de novo a gente pensa no assunto.

O resultado do plano maluco nós estamos vendo agora: o Sixers, de uma hora para a outra, é o QUARTO MELHOR time do Leste, brigando jogo a jogo com o poderoso Cleveland Cavaliers pela terceira posição na conferência. Joel Embiid já é uma estrela dominante, Ben Simmons parece a próxima encarnação de Magic Johnson e eles ainda podem esperar Markelle Fultz embalar para formar um elenco dos sonhos para a próxima década. A pergunta que não quer calar é: por que não estamos vendo mais times seguindo esse plano? Como ninguém ainda contratou Sam Hinkie, o General Manager que fez todo o plano do “processo” do Sixers e que pulou do barco pouco antes depois de colher os frutos? De toda a montanha de times que parece querer perder de propósito, algum plano é a longo prazo?

Tanking2

Meu palpite é que quatro fatores estão impedindo isso e mostrando que as regras da NBA, embora possam mudar, não estão quebradas:

Constrangimento

Perder é chato. Não precisa ser atleta profissional para sentir isso, basta jogar uma partida de Mario Kart com seu primo ou um jogo de tabuleiro com aquele amigo que gosta de contar vantagem. Não só o pessoal que chega na NBA é competitivo, mas isso é A VIDA deles. Imagina você acordar cedo, viajar, treinar, correr, suar, estudar, investir e só ver derrota atrás de derrota em longos 82 jogos na temporada regular, por mais de dois anos NO MÍNIMO. E não estou falando só dos jogadores, isso vale para treinador, sua comissão, funcionários e torcedores. Que ânimo você tem para trabalhar quando você sabe que o time não planeja grande coisa para os próximos anos? Uma coisa é aceitar ficar em último porque você vive um processo temporário de transição e renovação, outra é ver esse processo ser retardado de propósito por anos a fio.

Embora o Sixers seja um caso de sucesso hoje, não foi sem traumas. O Sam Hinkie contou com o aval dos donos da franquia para executar seu plano, mas eventualmente começou a sentir pressão, ganhou a sombra de Bryan Colangelo na direção do time e acabou pedindo demissão. No meio do caminho ainda vimos Joel Embiid entrar em confronto com o time por querer jogar mais, Jahill Okafor insatisfeito por não ter espaço e atletas novos sofrendo por não ter lideranças veteranas no elenco. Não é porque deu certo que foi sem risco.


Só existe um campeão

Mesmo quando um time faz tudo certo, isso não significa que ele será campeão. O Los Angeles Clippers é meu exemplo recente favorito: o dono racista foi embora, chegou um cara sedento por investir na estrutura do clube, contrataram um técnico que já foi campeão, encheram o time de All-Stars e foram para os Playoffs por uns cinco anos seguidos. O time era bom, MUITO BOM, mas simplesmente não foi o bastante.

Existe ainda outro exemplo melhor ainda, o San Antonio Spurs. O time de Gregg Popovich tem estrutura, o melhor técnico da Terra, ótimo esquema tático, profissionalismo, qualidade e muito talento. Há DUAS DÉCADAS eles vão para os Playoffs todo ano e ganham 50 partidos ao menos numa temporada. Qual foi o resultado disso? CINCO títulos. É muito? Sim, mas ao mesmo tempo mostra como é difícil: você monta a franquia perfeita, disputa o campeonato todo santo ano, tem um dos melhores jogadores de todos os tempos no elenco e mesmo assim você precisa de 4 derrotas doloridas nos Playoffs até conseguir arrancar um campeonato.

O que isso tem a ver com tanking? Bom, no campeonato do mundo bizarro também só pode haver um campeão. Por mais que você faça um plano ótimo para perder, outro time pode fazer um melhor ainda. Veja o próprio Sixers, que por anos ralou para maximizar suas chances de ter a primeira escolha do Draft e mesmo assim só a conseguiu uma vez, no ano em que pegaram Ben Simmons. Até no ano passado, quando selecionaram Markelle Fultz, eles tinham a 3ª escolha e precisaram trocar e sacrificar ativos para subir duas posições.

Não é fácil ficar no topo. Olha como está SELVAGEM a briga neste ano:

Tank

O Atlanta Hawks se planejou para ter um ano horrível e ser o pior time da NBA, mas aí veio o Memphis Grizzlies, que nem queria ser um time ruim e só está nessa situação porque um monte de coisa deu errado, e já está na frente deles na briga pela pior campanha. E o Orlando Magic, que há anos é um dos piores times da liga mas nunca O PIOR? O Chicago Bulls era outro que tinha o “Plano Luka Doncic” e viu tudo ir água abaixo quando Zach LaVine, Kris Dunn e cia. deram um pouquinho mais certo que o planejado. Os jogadores não entram em quadra para perder, é claro, e o sonho da primeira escolha pode virar a realidade da NONA escolha.

Esse é o fator mais curioso da estratégia do tanking: quando ela parece muito sedutora, ela se torna óbvia e, logo, uma estratégia imediatamente RUIM. Perder de propósito só é bom quando só poucos times estão fazendo isso! Se essa quantidade absurda de times que parecem “tankar” neste ano é reflexo do sucesso do tanking, o plano será automaticamente um fracasso para a maioria deles em pouco tempo.


Ainda é preciso sorte

Imaginem que o joelho de Joel Embiid, por maldade dos deuses do basquete, não aguentasse a vida NBA. Ou que o pivô fosse selecionado antes naquele Draft de 2014, pelo Cavs ou pelo Bucks, deixando o Sixers com quem sobrasse entre Andrew Wiggins e Jabari Parker. Bastaria isso para que o time já não estivesse nem um pouco perto do nível em que está neste momento. É sorte e não há como evitar.

O Danilo, no seu novo podcast sobre jogos de tabuleiro, fala sobre alguns tipos de jogos onde você pode traçar uma estratégia, fazer planos e se preparar para o futuro do melhor jeito possível, mas que mesmo assim pode vir a qualquer momento uma FORÇA MAIOR (uma carta sorteada, um dado teimoso) para que tudo exploda pelos ares. O trabalho de um General Manager é assim. O tanking é uma estratégia que AUMENTA A PROBABILIDADE do time ter a primeira escolha do Draft, mas não a garante. Tudo é decido por um cruel sorteio com bolinhas de pingue-pongue!!! Pensa bem, anos de planejamento executado por profissionais renomados e pagos com salários milionários são decididos por uma máquina de bingo sorteando bolinhas.

E mesmo quando a bolinha cai do jeito certo, o próximo passo, o Draft, consiste em PREVER O FUTURO. É claro que existem muitas técnicas para se observar um jogador e estatísticas para analisar, treinos e entrevistar para fazer, mas mesmo assim é uma missão quase impossível. Estão aí todos os anos inúmeros exemplos para provar que o trabalho é difícil. Como metade da liga deixou Donovan Mitchell passar? Como quase todos os times tiveram a chance de selecionar Kyle Kuzma e não aproveitaram? E a lista vai e vai, todo santo ano, não importa o nível de investimento e estudo de cada franquia. O quanto vale a pena perder por anos a fio se a sorte pode decidir tudo?


Existem caminhos menos dolorosos

No fórum do site Cleaning the Glass surgiu uma discussão interessante sobre o tanking. Um torcedor do Orlando Magic (um sofredor ao longo desta década) analisou os finalistas de conferência dos últimos 15 anos para descobrir como cada time havia conseguido o seu melhor jogador. Foi via troca? Free Agency? Quem perdeu e conseguiu o cara na primeira escolha do Draft, afinal? A conclusão dele é que poucos times conseguiam fazer esse caminho inteiro: perder, draftar bem, conseguir SEGURAR o jogador, montar um time ao redor dele e então ir para essa fase aguda dos Playoffs.

Mas a resposta do Ben Falk, que comanda a página, foi nos moldes do que a gente falou acima sobre sucesso na NBA: é muito difícil para TODOS, em qualquer estratégia, e ainda tem a sorte brincando no meio. Vou dar uma de Inception e citar a citação dele, do livro “Success Equation”:

“Quando a sorte tem um papel importante em determinar as consequências de suas ações, você não deve estudar os casos de sucesso para aprender a estratégia usada. Você deve estudar as estratégias para descobrir com que consistência ela levou alguém ao sucesso”

O que isso quer dizer é que você não deve estudar só os campeões e procurar quem usou o tanking, você deve pesquisar todos os times que usaram o tanking e descobrir quantos foram longe. Só que como fazer isso? Como separar o tanking planejado, como o do Sixers, daquele que foi fruto de decisões que deram errado, como do Grizzlies, Magic e Knicks, por exemplo? E como julgar os times que conseguiram bons jogadores assim mas não viraram bons times, como o atual New Orleans Pelicans? O que não faltam são estudos sobre isso, mas as conclusões nunca são fortes o bastante para fazer com que todas os times adotem as mesmas diretrizes. Não há um consenso sobre a melhor forma de se montar um time vencendo na NBA.

Como não há consenso e como o tanking perde valor quando muitos o fazem, é natural que se busquem outros caminhos. Dá para tentar ser um time de meio de tabela e assim atrair Free Agents (Nuggets, Lakers), dá pra apostar que é capaz de achar bons jogadores fora do Top 10 do Draft (Jazz, Spurs) e dá pra ser mago de trocas (Celtics, Rockets). Em comum, todos estes planos têm o fato de serem muito menos doloroso, traumáticos e chatos que o tanking. Se não temos certeza de qual é a melhor opção, que tal não ser o último colocado e não passar vergonha? E se for pra ser O PIOR DE TODOS, que seja só por uma temporada, por favor!

No atual formato o tanking vai seguir existindo, mas nem com o sucesso do Sixers ele vai crescer o bastante para ameaçar a NBA. E algum time MUITO RUIM que acabar só com a DÉCIMA pior campanha vai aprender isso do pior jeito possível ao fim desta temporada.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.