🔒Ser um líder

Um dos grandes favoritos da NBA na temporada, o Boston Celtics amargou nessa última semana uma sequência de 3 derrotas para times que estão longe de compor a elite da Conferência Leste: Heat, Magic e Nets. Contra o Heat, a primeira derrota da sequência, tivemos Marcus Morris e Jaylen Brown tendo que ser separados em um tempo técnico após um empurrão. Contra o Magic, o segundo tropeço, tivemos Kyrie Irving batendo boca com Gordon Hayward no meio da quadra quando a jogada final da partida não saiu da maneira desejada e o Celtics foi incapaz de empatar o jogo no arremesso final. Contra o Nets, a equipe de Boston chegou a ficar 27 pontos atrás no placar durante o quarto período. As fissuras do Celtics tem se tornado cada vez mais evidentes, a tensão é palpável e tanto torcedores quanto imprensa se mostram incapazes de compreender a incapacidade do time de cumprir as expectativas após se reforçar para a temporada atual. Em meio a esse caos, após a derrota para o Orlando Magic, Kyrie Irving resolveu falar com a imprensa e responsabilizar os “jogadores mais novos” do time, que “não sabem o que é necessário para ganhar um título”. Jaylen Brown, um desses jovens jogadores do elenco, respondeu dizendo que Kyrie não deveria estar “apontando dedos” nesse momento. Irving se desculpou imediatamente, afirmando que não abordará mais essas questões publicamente, mas o que o armador do Celtics estava fazendo não era um mero “apontar dedos” – o que ele fez foi, acreditem, SER UM LÍDER.

“Na temporada passada não existiam expectativas, nós não tínhamos nada a perder”, disse Irving para a imprensa. “Todo mundo jogou de maneira fácil e livre. Todo mundo ultrapassou o que se esperada deles. Esse ano? Temos expectativas altíssimas. Os jogadores, os técnicos, todo mundo”, afirmou. E apesar de dizer que os jogadores mais jovens “não sabem o que é necessário”, Irving assumiu a responsabilidade: “Temos que ser melhores, eu tenho que ser melhor. Temos que ganhar esses jogos fora de casa, e isso é minha responsabilidade como líder. Preciso ser um líder melhor e ajudar a nos colocar numa situação melhor”.

Ser um time jovem, sem grandes expectativas ou cobranças, é uma situação muito diferente de entrar em quadra com chances de título sobre as costas. Para vencer todos os dias quando há um alvo enorme em sua testa, quando todos os times querem vencê-lo e quando todas as suas falhas foram expostas durante longos Playoffs na era do vídeo e da internet, é necessário fazer uma série de sacrifícios. Isso significa se sacrificar para ser capaz de fazer MAIS (treinar mais, estudar mais, se dedicar mais), mas também se sacrificar para fazer MENOS: abrir mão de arremessos, de jogadas, de minutos. O exemplo de Jayson Tatum é claro: como novato num Celtics desfalcado e sem expectativas, o jogador dava 10 arremessos por jogo, acertando incríveis 47% de suas bolas e 43% de seus arremessos de três pontos. Na temporada atual, já mais amadurecido, Tatum quer AINDA MAIS protagonismo: está arremessando 3 bolas a mais por jogo mesmo que seu aproveitamento tenha caído (45% nos arremessos, 37% nas bolas de três pontos), que as defesas estejam se amontoando nele, e que o time tenha agora mais peças, mais veteranos e mais estrelas com as quais contar.

A jogada que tirou Kyrie Irving do sério contra o Magic mostra bem essa questão. O técnico Brad Stevens desenhou uma jogada aberta, com múltiplos desfechos possíveis, e Gordon Hayward optou por acionar Jayson Tatum para um arremesso contestado em movimento – mesmo que Taytum já tivesse dado 15 arremessos na partida, acertando apenas 6. Para Irving, a decisão correta teria sido acionar o veterano Al Horford na linha de três pontos, para um arremesso ou um passe rápido, talvez até mesmo para Tatum, mas preferencialmente para um Irving em movimento, que havia pontuado ou sofrido faltas em todas as suas finalizações no quarto período.

Na temporada Al Horford está acertando 51% de seus arremessos, mas ainda assim arremessa menos do que Jayson Tatum (45% de aproveitamento) e Jaylen Brown (44%). Mesmo vindo do banco, jogando apenas 22 minutos por partida e acertando patéticos 37% dos seus arremessos, Terry Rozier dá mais de 8 arremessos por partida, pouca coisa menos do que Al Horford. Irving, mesmo acertando quase 50% dos seus arremessos (um dos melhores aproveitamentos entre os cestinhas da temporada) e sendo o décimo sexto em pontos por jogo, arremessa menos do que todos os jogadores nas 15 posições acima dele na lista (com exceção de Antetokounmpo, que não é deste planeta). Enquanto Rozier distribui tijoladas, na prática Irving arremessa menos do que todos os outros grandes pontuadores, incluindo Damian Lillard, CJ McCollum, Stephen Curry, Klay Thompson, Kevin Durant, Bradley Beal, Joel Embiid, DeMar DeRozan, Donovan Mitchell, Paul George, o “novo” Russell Westbrook e até Zach LaVine. Não se trata aqui de pregar um maior protagonismo de Kyrie Irving, mas de entender que o protagonismo das “jovens estrelas” no elenco do Celtics muitas vezes não se justifica ou não encontra um correlato nas demais equipes da NBA.

Nos anos 90 e no começo dos anos 2000, havia uma ampla discussão sobre a dificuldade de se ter três estrelas em um time, dada que “a bola é uma só”. A junção de Kevin Garnett, Ray Allen e Paul Pierce no Celtics em 2007 foi recebida com comentários de que “vai faltar bola para tanta estrela” – e isso porque Rajon Rondo, titular naquele grupo, sequer havia começado seu momento de estrelato. O agrupamento de LeBron James, Dwyane Wade e Chris Bosh no Miami Heat em 2010 causou ainda mais comoção, com toda imprensa “aflita” para saber como estrelas tão dominantes em seus times de origem seriam capazes de compartilhar a bola, o protagonismo e as jogadas. O sucesso das duas equipes, somado aos títulos do Warriors com Stephen Curry, Klay Thompson e Kevin Durant, e do Cavs de LeBron, Irving e Love, arrancaram completamente do imaginário popular esse “medo de se ter estrelas demais”. Hoje só se fala sobre acrescentar talento, sem nunca cogitar o que é necessário para fazer essa mistura funcionar.

Vimos nos últimos anos inúmeras cenas de um LeBron James frustrado discutindo com seus colegas como se isso fosse um sinal de que ele é mimado, não como sinal de que esse tipo de liderança é essencial para um time ser candidato a um título. Vimos Chris Bosh e Kevin Love caírem de produção enquanto ganhavam anéis como sinal de que não estavam sendo bem utilizados, não como sinal de que concessões precisam ser feitas para que um time campeão possa chegar ao topo. Curiosamente, é só agora que Kyrie Irving está na situação de ter que liderar um time com altas expectativas que ele finalmente compreendeu o que é que LeBron James estava fazendo em Cleveland.


“Tive que telefonar pro LeBron e pedir desculpas por ter sido aquele jovem jogador que queria tudo de mão beijada”, admitiu Kyrie Irving após a atual sequência de derrotas. “Eu já fui o novato com 22 anos que queria tudo, vindo de um ano em que fui All-Star e de repente essa maldita presença do LeBron está voltando e eu preciso ajustar meu jogo a ele. Eu levei isso para o pessoal, mas no fim das contas ele apenas queria o melhor. Ele tem um legado a deixar, e uma janela para aproveitar.”

Kobe Bryant já deu depoimentos nesse sentido, de ser uma jovem estrela em ascensão incapaz de lidar com as cobranças, as reclamações e as sugestões dos jogadores mais velhos. Kobe queria ser a estrela, e só quando o time abriu mão de Shaquille O’Neal para mantê-lo foi que ele percebeu que para vencer precisava do apoio, da confiança e dos pequenos sacrifícios dos jogadores mais novos que queriam provar que eram geniais imediatamente. Kobe aprendeu na marra a ser um líder, conquistar a confiança treinando mais do que todos os outros, ensinando para a molecada o caminho das pedras, às vezes arremessando todas as bolas, às vezes envolvendo seus companheiros, e, segundo ele próprio, “descobrindo o que cada jogador queria conquistar individualmente e então descobrir como fazer isso se realizar dentro da estrutura coletiva de um time”. Pau Gasol tomou infinitas broncas, ouviu muita merda na orelha, mas ele e Kobe são grandes amigos – as críticas sempre vieram como algo necessário de alguém que sabe como vencer, que sabe como se sacrificar, e que é capaz de empurrar todos rumo à grandeza. Michael Jordan também já afirmou coisas semelhantes, que seu processo para se tornar um líder foi o processo de “tornar os outros jogadores melhores”, uma tarefa que segundo eles acontece através de cobranças, críticas e uma obsessão inabalável pela perfeição.

Agora, tendo que assumir o papel de liderança num Celtics rachado, Irving finalmente entendeu. “Tudo que passei em Cleveland me fez pensar, como posso tirar o melhor desse grupo para que consigam o sucesso do ano passado e percebam o que é necessário para vencer um campeonato?”, questionou. Isso significa dar espaço para que as jovens estrelas brilhem, para que Tatum, Jaylen Brown e Terry Rozier cresçam, mas também lhes ensinar que é preciso fazer sacrifícios – de minutos, de arremessos, de tudo. Talvez o maior problema para o elenco atual do Celtics seja o fato de que seus maiores veteranos (especialmente Al Horford e Gordon Hayword) são notoriamente tranquilos, obedientes, facilmente “apagados” pelas personalidades mais vibrantes e barulhentas dos jovens talentos. Al Horford nunca vai brigar com ninguém por não ter recebido uma bola, Gordon Hayward nunca ficará visivelmente bravo por Tatum ter forçado um arremesso absurdo. Aos novatos do time cabe acreditar que eles são os melhores DO PLANETA, especialmente depois do sucesso que tiveram na temporada passada. Mas aos veteranos, cabe lembrar os novatos de que o caminho é LONGO, e que nem sempre aquilo que você considera um bom arremesso (ou um bom esforço, ou um bom treinamento) é suficiente. O Celtics que vemos agora simplesmente não é SUFICIENTE para ser campeão e sequer tem capacidade para bater na trave, mas a molecada não sabe, não faz nem ideia. Eles não perderam o bastante para saber das dores e da fragilidade de uma temporada lutando pelo título, em que qualquer derrota pode ser o começo do fim, e também não venceram o bastante para conhecer um caminho sem falhas, para saber qual é o grau de esforço perfeito que garante vitórias mas não te exaure as chances na pós-temporada. Se nenhum veterano topar esse papel de CHATÃO, de lembrar que as coisas são piores, mais difíceis e mais sofridas do que a juventude é capaz de perceber, então essa função terá que cair no colo de Kyrie Irving, aquele que já foi o pirralho deslumbrado e teve sua graça cortada pela sabedoria calejada de LeBron James.

Em suas falas para a imprensa nos últimos dias ficou evidente que, ainda que seja a contragosto, Irving sabe que ele é agora o líder dessa equipe e que essas responsabilidades estão em suas mãos. Seu discurso de criticar os jovens do grupo enquanto assume a responsabilidade pelas derrotas vai nessa direção: se os jovens não entendem, a culpa é DELE que não foi capaz de ganhar o respeito, a admiração e os ouvidos da nova geração. Não é à toa, portanto, que após as três derrotas seguidas, numa importante partida contra o Toronto Raptors (agora um dos favoritos para vencer a Conferência, à frente do Celtics), Kyrie Irving tenha feito uma daquelas partidas MENSAGENS: foram 19 arremessos, 58% de aproveitamento, 27 pontos e surreais DEZOITO ASSISTÊNCIAS, recorde absoluto da carreira do armador. O Celtics chegou a estar vencendo o jogo por 16 pontos, viu o Raptors liderar no último quarto mas fechou a partida com tranquilidade, com Irving controlando o ritmo do jogo e forçando NA UNHA uma maior participação de Al Horford e Gordon Hayward com passes que nunca havíamos visto em seu repertório. Saber alterar seu próprio jogo para melhor acomodar os outros SEM COM ISSO deixar de ser o fator mais importante do time é a marca dos líderes – é aquilo que o próprio Irving não foi capaz de fazer em seu tempo em Cleveland, e que ele não foi capaz de tolerar em LeBron James. Alguns anos depois, Irving está maduro o bastante para pedir desculpas para seu passado e para tentar guiar o futuro – se o Celtics chegar em algum lugar, terá que ser sob sua liderança.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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