A temporada passada, a 2017-18, viu os times arremessarem em média 29 bolas de três pontos por jogo. O Houston Rockets, líder nesse quesito, arremessou mais de 42 bolas de três em média por partida, num total de 3470 tentativas do perímetro durante a temporada regular. Embora estejamos falando de um time firmemente encampado em um “extremo”, quase uma caricatura, o que temos aqui é a tendência mais forte do basquete moderno. Os motivos, já cansamos de listar por aqui: bolas de três são arremessos menos contestados (especialmente em velocidade ou em transição), abrem espaço para a cesta (permitindo pontos mais fáceis no garrafão) e geram um ponto a cada posse de bola com míseros 33% de aproveitamento (quando para conseguir o mesmo resultado com bolas de dois pontos é necessário altíssimos 50% de aproveitamento, muito mais difícil de se conseguir). Não é à toa que o modelo de bolas do perímetro passou a ser gradativamente implementado em toda a NBA, com times em total reconstrução como Nets e Hawks tentando “imitar” o estilo de jogo do campeão Warriors como maneira de se jogar o basquete “certo” mesmo ainda tendo os jogadores “errados”. Mas será que todos os times estão dispostos a embarcar nessa tendência?
Na temporada atual, a 2018-19, o número geral de bolas de três pontos AUMENTOU: agora cada equipe arremessa praticamente 32 bolas do perímetro por jogo, 3 a mais do que na temporada passada. Se mantiver a média, o Rockets vai superar com muita folga o recorde de bolas de três pontos tentadas quando a temporada regular chegar ao fim. Ajustando os números pelo ritmo de cada time (ou seja, vendo os arremessos a cada 100 posses de bola), o Milwaukee Bucks, dono da melhor campanha da NBA, é o segundo colocado apenas atrás do Rockets nas bolas de três pontos, fundamentais para a guinada da equipe rumo ao sucesso. Times jovens em ascensão na temporada também estão entre os que mais arremessam de longe: Nets, Mavericks e Hawks figuram entre os 6 primeiros, mostrando que a molecada está tentando seguir o modelo de quem está no topo da tabela. O Warriors, talvez o mais bem-sucedido entusiasta das bolas de três, é apenas o décimo time que mais tenta essas bolas – já comentamos aqui sobre como eles estão cada vez mais fora daquele esteriótipo que a maior parte dos torcedores imagina na cabeça sobre eles, ainda que estejam no terço de cima da lista.
No começo da temporada, escrevemos por aqui sobre como um time em particular desafiava essa tendência dos arremessos de longa distância: o San Antonio Spurs parecia resistir à supremacia do perímetro, tentando se ater a uma longa tradição do técnico Gregg Popovich em favorecer a precisão ao invés do volume. Na época nos questionamos se esse “experimento” do Spurs em dar prioridade às bolas de dois pontos (inclusive as bolas mais longas de dois, aquelas que as estatísticas mostram ser o pior tipo de arremesso) daria resultado e, principalmente, se ele influenciaria outros times a tentar novos modelos. Agora, embora a temporada ainda não tenha terminado e a classificação não esteja matematicamente garantida, já é possível dizer que o modelo foi razoavelmente bem sucedido e que, embora não tenha necessariamente influenciado outras equipes, o Spurs já não está mais sozinho em sua resistência. Existem outros times que também estão fora da música atual que a NBA está cantando em uníssono.
Os últimos três colocados em arremessos de três pontos por jogo até aqui são Los Angeles Clippers, San Antonio Spurs e Indiana Pacers. As três equipes estão na casa dos 25 arremessos de três por partida, VINTE a menos do que tenta o Rockets, ONZE a menos do que tenta o Bucks. Mas o que mais impressiona é quantos arremessos de três esses times dão em comparação com seus arremessos de dois pontos: apenas 28% ou 29% de todas as bolas tentadas por Spurs, Clippers e Pacers são do perímetro. Como comparação, o Rockets tenta 51% das suas bolas de trás da linha de três pontos, ou seja, MAIS DA METADE. O Warriors, muito mais comedido, tenta 38% das suas bolas de longe – ainda assim muito mais do que os três últimos colocados da lista.
Mas não é apenas isso que Spurs, Clippers e Pacers possuem em comum: também os une o sucesso considerável na temporada mesmo com elencos limitados dos quais se esperava MUITO MENOS. O Pacers está lutando por mando de quadra nos Playoffs mesmo com um elenco “arrumadinho-porém-ordinário” que perdeu sua única estrela, Victor Oladipo, para uma lesão que o tirou de toda a temporada. O Spurs também perdeu seu armador principal, Dejounte Murray, após uma ruptura de ligamento num jogo de pré-temporada – além, claro, da ausência de Kawhi Leonard e a necessidade de se adaptar à chegada de DeMar DeRozan em seu lugar – mas ainda assim estará na pós-temporada. O Clippers, por sua vez, entrou em modo de reconstrução total após trocar Chris Paul, Blake Griffin e Tobias Harris, recebeu apenas jogadores secundários para compor elenco, e está em uma fase excelente também brigando por mando de quadra nos Playoffs. Os três times nesse momento somam mais ou menos o mesmo número de vitórias (Pacers e Clippers tem 45, enquanto o Spurs soma 43), sinal de que o rendimento de suas abordagens foi razoavelmente parecido. E se dissemos que times jovens estavam embarcando na onda de Rockets e Bucks, figurando no topo da lista de arremessos de três pontos por partida, vale dizer que Bulls, Suns e Kings, times que cheiram a talco, figuram lá na parte de baixo. Ainda que talvez não seja proposital – nessas franquias parece que NADA É – pelo menos nos mostra que arremessar muitas bolas de três não foi um fundamento imposto como filosofia desde o começo da carreira desses times em reconstrução. Na pior das hipóteses, nos mostra que o perímetro não é uma preocupação para eles – assim como Spurs, Clippers e Pacers que não se NEGAM a arremessar de longe, apenas não dão nenhuma prioridade para essas bolas.
No que diz respeito às bolas de longe, a única prioridade desses três times é o APROVEITAMENTO. O Spurs, como já é padrão para os times do Popovich, lidera a NBA em aproveitamento do perímetro na temporada, acertando praticamente 40% dessas bolas. O Clippers vem logo atrás, com quase 39% de aproveitamento, enquanto o Pacers está em quinto lugar na lista com 37%. Entre eles, dois casos curiosos: o Warriors, o time que melhor cria bolas de três pontos livres na NBA, e o Kings, que é simplesmente o time que as arremessa MAIS RÁPIDO no cronômetro. Ou seja, o que importa para esses times é acertar as bolas de três – e quaisquer outras bolas, de qualquer lugar da quadra, na verdade – ao invés de tentar vencer o jogo estatístico maximizando as tentativas.
“Eu só quero estar no Top 10 de melhores ataques”, disse o técnico Doc Rivers nas primeiras semanas da temporada. “O objetivo é pontuar, não como você pontua. E estamos pontuando. Tem jogos em que deveríamos ter arremessado mais bolas de três, mas tem jogos em que deveríamos ter feito mais bandejas. Se a gente chegar nos 12o pontos, não me importo se forem bolas de um ponto só. Só precisamos chegar nesse placar o mais rápido possível.”
Pois bem: o Clippers é justamente o décimo melhor ataque da temporada em pontos a cada 100 posses de bola (a medida que se usa tradicionalmente para definir os melhores ataques e defesas), mas o quinto time que mais marca pontos por jogo – um sinal de que eles tentam jogar rápido e pontuar da maneira mais veloz possível. Se esses pontos surgem das bolas de três pontos não é por definição, mas porque essas bolas de três em algum momento do jogo eram as bolas mais “fáceis” de se executar. De um jeito ou de outro, aos trancos e barrancos e em plena reconstrução forçada sem nenhuma de suas estrelas, Doc Rivers conseguiu cumprir o seu plano através de um basquete “fácil”, longe das execuções complexas de alguns times montados ao redor das bolas de três.
O arremesso da zona morta, aliás, é o arremesso de três pontos mais perto da cesta – ele deveria ser o mais fácil se não fosse pela estranha dificuldade psicológica de ser impossível ver a tabela quando se está no cantinho da quadra, o que tira o ponto de referência dos jogadores e exige um treinamento especializado para compensar essa questão. Esse treinamento, no entanto, é padrão entre os times que querem se aproveitar dos melhores lugares da quadra e um dos pilares do basquete praticado pelo técnico Gregg Popovich desde que ele chegou ao Spurs. Os três times da resistência são, não por acaso, os melhores nesse arremesso em particular: a ideia de que o arremesso deve ser fácil e o mais perto possível vale até mesmo para as bolas de longa distância. O Spurs, claro, é o líder disparado em aproveitamento da zona morta, com 48% de aproveitamento nessas bolas – melhor do que o aproveitamento de muito time em arremessos dentro do garrafão. O Clippers vem em segundo com 44% de aproveitamento e o Pacers em quarto com 43%. O único “intruso” nessa lista, praticamente empatado com o Pacers? O Warriors, que a gente por muito tempo achou que estava prezando pelo volume mas na verdade se importa com a qualidade.
O sucesso desses times nos indica que destoar do PADRÃO atual do basquete é perfeitamente viável, muito provavelmente porque compreendemos de maneira equivocada quais são os FUNDAMENTOS que acabaram criando esse padrão. O mote não é “bolas de três pontos”, mas sim BOLAS FÁCEIS. As bolas de três são consideravelmente mais fáceis do que o basquete que víamos sendo aplicado nos anos 90, mas existem maneiras diferentes de encontrar facilidades na quadra. Um exemplo: enquanto 83% das bolas de três pontos convertidas na NBA são fruto de uma assistência, no Rockets apenas 63% delas vem de um passe. Isso acontece porque James Harden recebe assistência para suas bolas de três em apenas 15% dos seus acertos – o jogador simplesmente percebeu que arremessar sem receber uma assistência, dando um passo para o lado, era MAIS FÁCIL. Essa facilidade, entretanto, não é REPRODUZÍVEL, não dá para simular esse modelo com um jogador qualquer de outra equipe. Modelos são se tornam tendência porque são copiáveis, facilmente implementáveis em equipes em formação ou reconstrução, de modo que esse aspecto do Rockets nunca se tornará tendência.
As bolas de três viraram tendência porque são uma facilidade mais fácil de se copiar e implementar do que toda a movimentação sem a bola do Warriors, por exemplo. Pega-se aquilo que é facilmente apreensível e aplicável; ignora-se aquilo que é difícil demais, mesmo que seja ESSENCIAL para o funcionamento do modelo. Os três times que se negam a seguir o modelo atual encontraram outros caminhos rumo às bolas fáceis: isso significa, para eles, arremessar da zona morta, criar bolas livres, ter altíssimo aproveitamento do perímetro, mas também pontuar da quadra inteira, onde houver espaço. Se esses times tiverem sucesso na pós-temporada e mostrarem que seus modelos são reproduzíveis, que são mais aplicáveis do que dar carta branca para a molecada arremessar de onde quiser, passaremos a ver uma nova tendência. O grupo dos dissonantes só tende a crescer e alguns times jovens já estão explorando esse caminho, preocupados que a música atual só favoreça os times que já estão vencendo e exclua todos os outros que estão tentando, em vão, acompanhá-los.