🔒Bloco de Notas: Grizzlies, Doncic e Lamar Stevens

Aqui no Bola Presa temos uma sorte enorme: assistir às partidas da NBA é parte da nossa profissão. Mas às vezes, no meio de tantos jogos, noite após noite, fica difícil de lembrar algumas das impressões, dúvidas ou constatações que tivemos durante uma partida. Comecei, então, a fazer anotações: um bloco de notas em que escrevo qualquer coisa que tenha me chamado atenção ao longo de um jogo. Essas anotações muitas vezes acabam enriquecendo as conversas do podcast, inspirando pesquisas posteriores ou virando textos maiores. No entanto, desde que a pandemia começou, passei a ter muita dificuldade de produzir os textos grandes tão característicos do Bola Presa e com isso muitas das minhas anotações acabaram sendo desperdiçadas: viraram textos interrompidos, rascunhos descartados ou abordavam times e jogadores que não fizeram parte das gravações de podcast. Resolvi, então, que minhas anotações passarão agora a ser abertas para os assinantes do Bola Presa. Exponho aqui meu bloco de notas pessoal, com todas as anotações expandidas para pequenos parágrafos. Ainda me guardo o direito de transformar qualquer uma dessas anotações em algo maior, tanto em texto quanto em podcast, mas elas estarão sempre aqui em primeira mão, semanalmente – e se não virarem nada posterior, ao menos estarão aqui para apontar que tipo de coisa tem merecido atenção e quais dúvidas e pesquisas andam guiando meu interesse. Espero que essa entrada no meu Bloco de Notas seja divertida, ainda que um tanto desconexa – os assuntos são bem variados e dependem sempre dos jogos vistos na última semana. Boa leitura e até semana que vem!


Não é segredo nenhum que o segundanista Desmond Bane está tendo uma excelente temporada pelo Memphis Grizzlies. Foi alçado a titular, tem médias de mais de 17 pontos por jogo (20 pontos por jogo na última semana) e virou um dos principais defensores do time. Mas eu não estava pronto para uma comparação que a equipe de transmissão de Memphis repete em todos os jogos: segundo eles, Desmond Bane é uma cópia exata do Klay Thompson. A comparação entre um jogador razoavelmente desconhecido em seu segundo ano da NBA e uma estrela consagrada recheada de recordes históricos parece ridícula, mas resolvi dar uma chance para esse delírio e algumas semelhanças são realmente impressionantes. Primeiro, o físico: ambos tem praticamente a mesma altura (1,96m para Bane, 1,98m para Klay) e 98 quilos, além de uma estrutura bem semelhante. Em seguida, e mais assustador, o aproveitamento nas bolas de três pontos: os dois jogadores nunca acertaram menos de 40% de suas bolas no perímetro ao longo de uma temporada, e possuem um volume de arremessos praticamente idêntico se compararmos apenas as duas primeiras temporadas de Klay Thompson. Para ser mais preciso, Desmond Bane arremessa com mais frequência, e com melhor aproveitamento, do que Klay arremessava nesse mesmo ponto da sua carreira ou nessa mesma idade. É claro que a função dos narradores de Grizzlies é SE EMPOLGAR, e que a comparação com Klay Thompson tem apenas a intenção de mostrar que Bane é um defensor de elite que consegue ter um alto aproveitamento nas bolas de três pontos. Mas ainda assim, é extremamente animador quando um jogador tem um começo de carreira comparável com alguma grande estrela – especialmente se esse jovem jogador foi escolhido na TRIGÉSIMA posição do draft e adquirido pelo Grizzlies em troca de duas escolhas de segunda rodada futuras.


Outra coisa que me fascina no Memphis Grizzlies é que, apesar de terem uma estrela na armação – Ja Morant, claro -, o armador passa relativamente pouco tempo com a bola nas mãos. Fui conferir se os números também confirmavam essa minha sensação e é fato: o “usage rate”, que mede a quantidade de posses de bola que são decididas por um jogador (com arremessos ou passes), coloca Ja Morant apenas como o nono jogador mais usado da NBA, bem atrás de colegas de armação como Luka Doncic (líder disparado) e Trae Young (terceiro colocado). É por isso que o ataque do Grizzlies, mesmo que às vezes seja um pouco truncado, parece muito mais versátil do que os ataques de Mavs e Hawks, por exemplo, algo que será ainda mais útil quando os Playoffs começarem. Estou bem convencido de que esse Grizzlies vai chegar pelo menos nas Semi-Finais de Conferência.


Desmond Bane não é a única boa notícia em Memphis. O Grizzlies já está em quarto lugar na Conferência Oeste depois de ser o time que mais venceu jogos no mês de dezembro: foram 12 vitórias em 16 partidas. Ando tão obcecado com essa sequência do Grizzlies que acabei assistindo à maior parte desses jogos e mesmo assim nunca deixo de me impressionar com o nível de ESFORÇO desse time. Acho horrível quando analistas esportivos tentam explicar alguma coisa com palavras genéricas como “esforço” ao invés de levar em consideração as escolhas táticas de um time, mas o Grizzlies chegou num ponto em que o esforço foi alçado à CONDIÇÃO DE TÁTICA. Eles são os líderes em rebotes ofensivos da temporada com bastante folga, um dos pouquíssimos times que na NBA moderna abre mão da defesa de transição para tentar recuperar rebotes e ganhar novas posses de bola ofensivas. Às vezes o Grizzlies chega a invadir o garrafão com quatro jogadores em busca de um rebote, com um único defensor solitário voltando para a defesa para interromper – quase sempre com faltas – um possível contra-ataque adversário. Essa bizarrice é tão eficiente que o Grizzlies agora é o décimo melhor time num quesito estranho: porcentagem de vezes em que o time adversário consegue pontuar numa jogada de contra-ataque. Mas é claro que isso só é sustentável porque o número de rebotes ofensivos é muito alto, o que limita os contra-ataques adversários diretamente. Fora esse esforço pelos rebotes, o Grizzlies lidera a NBA em outros números associados ao suor do corpo: desvios de bola (quando um passe ou drible é tocado pela defesa, sem necessariamente virar um roubo ou um desperdício) e recuperações de bola solta (quando a bola não está em posse de ninguém, aqueles momentos em que os jogadores se atiram no chão pra tentar recuperar a bola e tudo parece boliche). É mais do que um time que “quer mais do que o rival”: as escolhas táticas do técnico Taylor Jenkins exigem esse nível de comprometimento e esforço físico, com uma defesa agressiva e que só volta para o próprio garrafão em último caso depois de tentar manter a própria posse de bola viva.


O curioso é que o Grizzlies ser um time “de esforço” não é nada recente: essa identidade vem desde 2011, quando o time adotou como mantra o “grit and grind” (que em versão tupiniquim seria algo como “triturar e moer”). Dez anos depois, não sobrou ninguém no elenco, nem jogadores, nem técnicos. Como o terceiro time mais jovem da NBA, é possível que vários jogadores do atual Grizzlies sequer se LEMBREM de gente como Tony Allen e Zach Randolph, símbolos da antiga máquina de moer carne. Mas a torcida se lembra – afinal, ela lotava ginásios mesmo quando o time era ruim, simplesmente porque se identificava com a ideia de esforço acima do talento – e consegue manter a mesma relação de apreço com o time mesmo uma década depois. Seria esse um caso de slogan que acaba ficando tão grande a ponto de influenciar, uma década depois, nas escolhas de jogadores, técnicos e até estilo de jogo? Será que nas entrevistas para escolher os membros do elenco, os responsáveis pelo Grizzlies já procuram por sinais de “esforço” que facilitem a associação com a torcida, ou será que é simplesmente coincidência?


Falando em Luka Doncic, desde a temporada passada estou um pouco ressabiado com algumas escolhas que ele faz com a bola nas mãos. Minhas ressalvas começaram depois de fazer um vídeo para assinantes mostrando como Kristaps Porzingis não era incluído no ataque, e como isso passava por uma série de decisões questionáveis de Doncic. Depois dessa análise, nunca mais consegui ver o jogo do Doncic da mesma maneira e passei a desconfiar de que o excesso de repertório do armador às vezes acaba prejudicando seu jogo coletivo e até seu amadurecimento como criador de jogadas e líder do time. Sempre me lembro de uma anedota, de quando Kevin Durant chegou no Golden State Warriors: Steve Kerr disse que a maior dificuldade ao encaixar Durant no elenco era que ele entendesse as diferenças entre um bom arremesso e um excelente arremesso. Isso ocorre porque, na prática, todo arremesso que Durant tenta é sempre bom – ele consegue arremessar por cima de qualquer defensor, sempre com excelente aproveitamento de todos os lugares da quadra. Se Durant tiver a permissão para tentar todos os arremessos que achar bom, ele literalmente arremessará todas as vezes em que a bola tocar suas mãos, o que não é exatamente ideal – especialmente para um time como o Warriors, especialista em abrir mão de bons arremessos em nome de arremessos ainda melhores. Na época, Kerr admitiu que era difícil encontrar a medida certa, porque Durant passou a abrir mão de arremessos excelentes achando que poderia encontrar outros ainda melhores e começou a passar a bola em excesso. Relembro essa anedota porque acho que Doncic sofre do mesmo “problema”: ele consegue arremessar de qualquer ponto no perímetro com um passo para trás fabuloso, encontra diferentes ângulos para infiltração, arremessa girando sobre o próprio ombro na meia distância e tem um “floater” excepcional. Ou seja, não há situação em que ele não tenha um bom arremesso disponível, o que muitas vezes atrapalha sua motivação para encontrar arremessos excelentes – tanto para si quanto para seus companheiros. Acho bem sintomático que ele tente tantas bolas de três pontos que parecem “boas” mesmo tendo apenas 31% de aproveitamento nessa temporada. Ainda no campo anedótico, Kevin Durant eventualmente encontrou o caminho para os arremessos excelentes no Warriors. Não quer dizer nada, mas acho que nas condições certas, Doncic tem tudo para encontrar também. Quais seriam essas condições certas, entretanto? Depende do técnico? De mais talento no elenco?


Das coisas que a gente só descobre ao assistir às transmissões locais: os narradores do Cleveland Cavaliers sempre repetem que Lamar Stevens é “o líder emocional do time”. Como um jogador com 12 minutos por jogo e média de 3 pontos por partida pode ser líder de qualquer coisa? Fiquei tão curioso que fui atrás da trajetória de Stevens. Depois de 4 anos de basquete universitário – com uma última temporada encurtada pela Covid -, Lamar não foi sequer draftado pela NBA. Conseguiu na temporada passada um contrato two-way (que compartilha o jogador com um time da G-League e limita o número de jogos possíveis na NBA), acabou se mostrando um defensor versátil (o técnico J. B. Bickerstaff diz que Lamar “consegue defender literalmente todas as posições”) e ganhou algum espaço no elenco. Até que entrou nos segundos finais de um jogo contra o Hawks apenas porque o Cavs precisava de um defensor capaz de trocar de oponente em caso de corta-luz, e por ironia do destino acabou recebendo um passe de Collin Sexton (o que já é um milagre em si) na posse de bola final, que Lamar transformou na cesta da vitória. A partir dali virou um dos queridinhos no elenco, uma grande história de superação, uma das vozes mais ativas do vestiário e um especialista defensivo em que Bickerstaff confia para momentos cruciais – quando Lamar entrou só para defender Kawhi Leonard na temporada passada, inclusive, a vó dele ficou eufórica e mandou uma mensagem: “Nem acredito que você está marcando o Sr. Leonard. Vá em frente, você conseguiu”. Dependendo da trajetória pessoal de cada jogador, só entrar em quadra e marcar alguém já é uma vitória incrível – e pode ser o suficiente para tornar esse jogador uma inspiração para todo o elenco. Mas se acertar um arremesso decisivo, aí é melhor ainda.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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