🔒[Clube do Livro] Como o ex-árbitro Tim Donaghy conspirou para fraudar jogos da NBA – Parte 2

Clube do Livro de volta para os assinantes, desta vez com a segunda e última parte da nossa tradução da extensa reportagem da ESPN publicada em 2019 sobre as fraudes cometidas por Tim Donaghy, ex-árbitro da NBA. Para ler a primeira parte da tradução, basta clicar aqui.

Não deixe de ler as duas partes da reportagem e nos mandar comentários e perguntas para a gravação do podcast especial sobre o caso. Boa leitura!


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Como o ex-árbitro Tim Donaghy conspirou para fraudar jogos da NBA (parte 2)

por Scott Eden (com tradução de Danilo Silvestre)


Ato 4: …Tem que descer

Phil Scala vinha investigando o crime organizado na cidade de New York por quase 30 anos quando seu grupo recebeu uma denúncia. Cada uma das famosas Cinco Famílias da cidade – os Genovese, os Lucchese, os Bonanno, os Colombo e os Gambino – possuem uma unidade do FBI dedicada a elas em tempo integral, e Scala era o chefe da unidade focada nos Gambinos. Instalados num escritório anônimo em Kew Gardens, no Queens, Scala e seus agentes passaram anos recrutando uma rede de informantes de dentro da gangue.

E então, Scala me contou que um dos informantes de seu time havia feito uma denúncia nova, deliciosa demais para ser ignorada. Um árbitro da NBA, de acordo com o informante, estava “no bolso” de um pessoal do submundo das apostas esportivas. O informante não sabia de nenhum nome, e as pessoas com o árbitro no bolso não pareciam ser membros da família Gambino. Mas essa informação crucial sobre apostas – qual dos lados envolvidos num jogo o árbitro favoreceria – havia se infiltrado no mercado ilegal de apostas. Para ser mais específico, um grupo de capangas dos Gambino na região de Canarsie, no Brooklyn, havia sacado a fórmula e estava supostamente, pelo que o informante havia escutado, ganhando milhões nos jogos desse árbitro. Apostas esportivas ilegais não eram um dos focos de Scala. Mas acabar com um dos núcleos de renda da Máfia era.

Scala atingiu a idade obrigatória para se aposentar no FBI em 2008 e se tornou um detetive particular com escritório em Long Island. Mas guardou as anotações que fez nas investigações dos seus casos no FBI, incluindo o caso de Donaghy. Há pouco tempo atrás, ele pegou suas anotações, deu uma lida e me contou delas por telefone. (Quando perguntei se poderia ver as anotações pessoalmente, ele gargalhou. “Ahn, não.”) Ele contou que sua antiga unidade recebeu a denúncia inicial do árbitro-no-bolso em outubro de 2006 – quase dois meses antes de Battista ter se casado com Donaghy.

O time de Scala colocou as mãos na massa. Registros telefônicos de apostadores conhecidos por terem contato com a família Gambino foram obtidos e analisados, com números de telefone sendo rastreados até se tornarem nomes. Segundo Scala me disse, “É como imaginar uma teia de aranha – pode não ser diretamente, mas a um ou dois fios de distância você encontra um nome. … E então, numa tarde qualquer, o agente do caso veio ao meu escritório. E disse, ‘Achamos o cara. Achamos o árbitro’.” Seu nome era Tim Donaghy.


Em abril de 2007, alguns dias depois de Battista dar entrada em seu tratamento para abuso de drogas, os agentes especiais do FBI Paul Harris e Gerard Conrad bateram pela primeira vez na porta de Battista. Os dois sabiam de tudo que ele havia feito, lhe disseram; iria pegar 20 anos. Melhor cooperar. “Advogado”, Battista respondeu.

Pouco antes de começar seu tratamento, segundo Martino e documentos do processo, Battista havia entregado as rédeas da operação para Rino Ruggieri. Ruggieri deveria manter o mesmo papel que Battista tinha – ser um “mover” e gerenciar o fundo. (Ruggieri não respondeu aos nossos pedidos de entrevista). Mas rapidamente, segundo Martino, Rino descobriu do que se tratava o acordo de Battista com Donaghy. Ele e os outros Animais que estavam imitando as apostas não estavam muito felizes. Naquele ponto, as margens de pontos necessárias para uma vitória variavam drasticamente. O boca a boca sobre Donaghy já havia infiltrado o mercado de apostas, com imitadores imitando imitadores. Battista “estava arruinando algo que era totalmente discreto, que ninguém conhecia”, disse um dos Animais. “Ele começou a apostar com todo mundo e mudar as margens loucamente. E, tipo: pra que você faria algo assim?”

Por via das dúvidas, Ruggieri decidiu encerrar a coisa toda antes que fosse tarde. A última partida, Martino relembra, foi uma derrota.

O esforço para esconder tudo foi em vão. Um júri popular foi convocado ainda em fevereiro, segundo os documentos do FBI, e no dia 30 de maio Tommy Martino deu seu depoimento em frente ao júri. Horas depois ele ligou para Donaghy para lhe contar. Em seu livro de memórias, Donaghy escreve que estava na primeira tacada em seu clube de golfe em Sarasota com seu taco de longa distância nas mãos quando atendeu à ligação de Martino. Seu corpo ficou dormente. Achou que estivesse tendo um ataque cardíaco. “A única preocupação que eu tive”, ele escreve, “foi salvar meu próprio pescoço, coitado e egoísta”. Já no dia 15 de junho Donaghy sentaria nos escritórios do Ministério Público da Zona Leste de New York, no centro do Brooklyn, entregando nomes e dando seu depoimento.


Seis dias depois, 21 de junho, Scala, Harris e o chefe deles, o Agente Especial no Comando, Kevin Hallinan, viajaram aos escritórios da NBA no centro de Manhattan e se sentaram com o comissário da NBA, David Stern, e três outros executivos da liga: o comissário adjunto Adam Silver, e o presidente e vice-presidente de segurança Joel Litvin e Bernie Tolbert, esse último um ex-agente do FBI. Os agentes informaram Stern que tomaram conhecimento de que um dos árbitros veteranos da NBA, Tom Donaghy, vinha apostando nos seus próprios jogos e dando informação privilegiada para um círculo de apostas, cobrando uma taxa. Os agentes federais não mencionaram fraude nos jogos. Para Scala, Stern parecia mais incomodado com o fato de que os membros da segurança interna da NBA não haviam descoberto os delitos de Donaghy antes do FBI. O comissário prometeu cooperação total por parte da liga.

Hoje, Scala considera aquela reunião um erro. “Se você me perguntar se eu faria diferente hoje, a resposta é sim. Eu não teria ido inteirar Stern”, Scala me disse. (Em nome da NBA, Stern recusou nosso pedido de entrevistas para essa matéria). Nas múltiplas conversas de Donaghy com os agentes federais nas semanas seguintes, ele começou a dedurar pessoas e fazer acusações sobre outros árbitros – outros árbitros que podiam ser corruptos. Então o FBI preparou um plano. “Nos preparamos para fazer algumas investigações por baixo dos panos para atestar a história de Donaghy”, Scala conta. Pra ser exato, eles colocariam uma escuta em Donaghy para que ele fizesse os outros árbitros acusados de corrupção incriminarem a si mesmos.

Um mês depois do encontro com Stern, no entanto, o jornal New York Post divulgou a investigação do FBI na primeira página. “Nossos planos foram destruídos pelo fato de que alguém vazou a informação”, Scala lamenta. “Não gosto de chorar sobre o leite derramado, mas se a matéria do New York Post não tivesse saído, Donaghy teria usado uma escuta, e não sei até onde isso teria ido. As coisas poderiam ter sido diferentes. Simples assim.”

Scala, na época, estava revoltado. Ele até entrou em contato com Murray Weiss, o repórter do New York Post que escreveu a matéria, para tentar descobrir a fonte do vazamento. Mas Weiss, um jornalista vaterano, protegeu sua fonte. “Ele me disse ‘Não posso te contar. Veio de cima’.”, Scala relembra. (Quando entrei em contato com Weiss, que agora trabalha como produtor no programa “48 horas” da rede CBS News, ele afirmou não se lembrar dessa conversa.) Scala não diz se acredita que a NBA vazou a história. Mas Warren Flagg, um investigador particular que já foi agente do FBI e trabalhou ao lado do advogado de Donaghy no caso, diz abertamente. “Alguém da NBA avisou a imprensa para parar a investigação, na minha opinião. Para encerrar com tudo.”

Weiss contraria a hipótese; ele me disse que seu informante não tinha qualquer relação com a NBA “até onde eu sabia.” Mas o repórter criminal de longa data afirma que em algum ponto falou com alguém “envolvido com Stern e com a NBA naquela época.” Essa pessoa queria fazer uma advertência ao tom crítico da reportagem de Weiss. “Fui avisado”, Weiss me contou, “de que se eu escorregasse, Stern faria tudo que pudesse para acabar comigo. Me disseram: ‘Eles são o tipo de gente que faz tudo que pode para proteger a si mesmos e ao jogo.”


Segundo Scala, a escuta cancelada deixou várias hipóteses dos agentes federais sem resposta. Entre elas: Quem ganhava dinheiro pra valer? Quem, além de Donaghy, Battista e Martino, estava envolvido?

Existem pistas e indícios. Uma nota de rodapé no livro “Gaming the Game” aponta alguém levando para casa mais de 200 milhões de dólares. Alguns especialistas em apostas esportivas – dois “movers” aposentados que trabalhavam no submundo e um apostador profissional que passou a vida apostando na NBA – concordam que os mercados globais tiveram liquidez suficiente em 2007 para um apostador bem informado chegar a ganhar até 100 milhões de dólares.

Além disso, temos Scala, que me disse ter ouvido de seus informantes que apostadores “podiam ter chegado a ganhar mais de 100 milhões de dólares” nos jogos de Donaghy. Talvez esse seja o motivo dos homens que formaram aquele fundo de investimento vago e desordenado, os caras que tinham “o ingresso”, terem, por todos esses anos, permanecido nas sombras. Eles eram os apostadores e agentes de apostas mais próximos de Battista. Estavam entre seus clientes que mais pagavam corretagem e eram os mais confiáveis. Quer Battista tenha explicitamente avisado seus clientes do acordo com Donaghy, quer não, o dinheiro deles foi usado apenas para fazer um tipo muito específico de apostas: jogos apitados por Tim Donaghy. Eram eles que ganhavam dinheiro de verdade no esquema de Donaghy.

E agora eles podem ser identificados.

Um deles era um homem de apelido Tigre. Em 2003, em Curaçau, quando os Animais fizeram aquela dedução inicial e passaram a imitar as apostas de Donaghy e Concannon, Tigre era o líder do escritório de apostas dos Animais. “Tigre era o cérebro por trás do grupo”, afirma um apostador que conhecia todos eles. “De jeito nenhum Battista deixou de contar tudo para o Tigre”, outro me informou. “Tigre era seu chefe”. Além disso, eles também eram cunhados; as mulheres com quem casaram eram irmãs. Segundo os relatos, Tony “Tigre” Rufo não é mais um apostador. Ao longo da última década, construiu uma companhia que se tornou uma das maiores franquias do Planeta Fitness dos Estados Unidos, com mais de 30 localidades e direitos exclusivos às regiões de Philadelphia e Chicago. (Rufo se recusou a comentar essa matéria). Um dos parceiros de negócio de Rufo nas academias é seu parceiro dos Animais, Rino Holdings. A entidade que gerencia e controla as academias está registrada em nome de Rino Holdings, e de acordo com os artigos de incorporação, foi formada em Delaware County em fevereiro de 2008.

Outro que lucrou com Donaghy foi um agente de apostas completamente viciado em apostar, famoso em New York e no sul da Flórida, que às vezes recebia o apelido de Popeye por conta dos seus antebraços desproporcionais. Ele era um homem, como se diz por aí, conectado; um homem de cuja janela aberta de seu quarto de hotel foi pendurada uma pessoa que tinha uma dívida com um dos membros da criminosa família Bonanno; um homem cujos clientes incluíam celebridades de Hollywood; um homem que, lá em junho de 2006, havia sentado com Battista nos assentos VIP do Citizens Bank Park para um jogo interligas entre os Phillies e os Yankees. Foi lá que ele disse ao Popeye que, quando chegasse a temporada 2006-07 da NBA, Battista teria que aumentar o tamanho de algumas das suas apostas na NBA. Seriam apostas quase sempre vencedoras, então Popeye poderia ficar à vontade para negociá-las – e para copiá-las também. Popeye, que não era bobo nem nada, fez a pergunta óbvia: Quem aponta os favoritos nesses jogos? E Battista, surpreendentemente, talvez só por burrice, lhe contou a verdade. Tem esse árbitro da NBA chamado Tom Donaghy… Os olhos de Popeye se arregalaram. Popeye, que morreu de uma doença cardíaca em 2014 aos 61 anos de idade, nasceu em Manhattan e cresceu em Greenwich, Connecticut, mas permaneceu afastado da maior parte de sua família por quase toda sua vida. O nome verdadeiro de Popeye era Taylor Breton, e ele era o tataraneto de Marcus Goldman, o fundador, em 1869, do grupo financeiro internacional Goldman Sachs.

Outra figura chave era Joseph “Joe Vito” Mastronardo, um grande agente de apostas ilegais que era quem mais cuidava das coisas de Battista. Casado com a filha do poderoso prefeito da Philadelphia, Frank Rizzo, que esteve no cargo nos anos 70, Mastronardo era bem conectado. Tinha vários negócios lucrativos relacionados com apostas. Ele mantinha uma espécie de banco fantasma para a indústria global de apostas ilegais. Por esse motivo, tinha um monte de dinheiro vivo à mão. (Na última vez em que foi preso, a polícia cavou seu quintal e encontrou pedaços de canos de PVC enterrados. Dentro dos canos estava mais de um milhão de dólares). Para auxiliar na execução das apostas dos seus clientes, Battista precisava de Joe Vito. É por isso que, de acordo com alguém que conhecia os dois, Battista não teve outra escolha a não ser informar Mastronardo da situação com Donaghy, contar para Joe Vito que esse árbitro estava escolhendo favoritos dentro dos seus próprios jogos e, provavelmente, usando seu apito para ajudar a aposta a vencer. Joe Vito não pode falar sobre isso hoje em dia; foi preso em 2012 aos 63 anos de idade por agenciar apostas ilegais, um outro caso federal não relacionado. Em 2015, Mastronardo teve um derrame e morreu na prisão.

Outro que fez muito dinheiro – de acordo com pessoas conhecedoras do ocorrido – foi um homem chamado Spiros Athanas. Nascido na Grécia em 1960, agente de apostas de rua em Boston nos anos 80, Athanas mudou para a Jamaica no final dos anos 90, quando se transformou num apostador afiado e agente de apostas em nível global. De acordo com várias fontes, Battista começou a enviar apostas para Athanas em 2005. Em algum momento, segundo uma pessoa próxima da situação, Battista teve que contar para Athanas, um apostador pesado na NBA, que Battista acreditava ter uma vantagem lucrativa; uma outra pessoa que conhecia o grupo de Athanas uma década atrás me disse que Athanas apostou mais pesadamente nos jogos de Donaghy durante a temporada 2006-07 do que nos outros jogos da NBA. Um advogado de Athanas escreveu para a ESPN que Athanas nunca “recebeu informações de que Tom Donaghy… estava fazendo apostas nos jogos em que ele mesmo apitava”, e portanto nunca fez qualquer aposta baseada no conhecimento desse esquema. Em 2013, Athanas foi acusado como parte de um caso federal de apostas esportivas que não tinha qualquer relação com Donaghy. Ele pagou uma multa de 5 milhões de dólares, concordou com três anos em liberdade condicional e hoje vive na região dos lagos de New Hampshire, numa casa com vista para os gelados lagos azuis e, para além deles, os massivos contornos das White Mountains.


Ato 5: O que está escondido…

Numa manhã do começo de julho, em 2007, Ronnie Nunn dormia num quarto de hotel em Las Vegas quando seu celular tocou e o despertou. Nunn, então diretor de árbitros da NBA, estava na cidade para os jogos de “summer league” que ocorrem anualmente nos cassinos, e onde candidatos a árbitros, vindos de ligas menores, são avaliados para uma possível promoção para o Show. Com a cabeça ainda nublada de sono, Nunn conseguia ouvir a voz de seu chefe, Joel Litvin, então presidente da NBA, fazendo perguntas sobre Tim Donaghy. O tom de Litvin era de urgência. Será que Nunn tinha ouvido alguma coisa sobre Donaghy ter pedido demissão? E sobre os “problemas” de Donaghy com apostas – sobre o que ele tinha feito? Agora sentado com as costas eretas, Nunn respondeu “não” para todas as questões. Litvin então o inteirou das piores partes e lhe contou que havia uma investigação em andamento, lhe instruindo a não dizer nada sobre isso para ninguém. E então desligou.

Algumas semanas depois, quatro dias após a matéria do New York Post bombar, David Stern deu sua primeira coletiva de imprensa. Sua mensagem foi clara: Donaghy havia feito tudo por si próprio. Tinha agido sozinho. Era um caso de apostas, sim, mas era quase certo que não se tratava de fraude nos jogos. “Na verdade”, Stern garantiu para a imprensa presente, “quando se trata de sua performance em quadra, ele está no topo da lista de eficiência.”

A conclusão de Stern de que Donaghy não fraudou os jogos foi validada pela investigação federal. Donaghy, em agosto de 2007, e Martino, em abril de 2008, confessaram sua culpa em duas acusações: conspiração para cometer fraude eletrônica e conspiração para transmitir informações referentes a apostas. Battista aceitou um acordo, admitindo sua culpa em abril de 2008 apenas na acusação de transmitir informações referentes a apostas. Martino pegou um ano e Donaghy e Battista pegaram 15 meses cada de prisão em presídios federais. Mas embora Donaghy tenha admitido que fez apostas nos próprios jogos no acordo com o tribunal, não admitiu ter fraudado as partidas.

Mais ou menos na mesma época em que a conferência de imprensa de Stern, a NBA também contratou uma investigação, a ser liderada por Larry Pedowitz, um dos sócios de uma empresa de advocacia de elite de New York, a Watchell, Lipton, Rosen & Katz. Com um time composto por quatro jovens advogados, Pedowitz levou pouco mais de um ano para conduzir a investigação e registrar suas descobertas num relatório de 133 páginas. (Pedowitz, que se aposentou de sua firma, não respondeu aos nossos pedidos por comentários. David Anders, um advogado que ajudou Pedowitz na investigação, também se recusou a comentar). Seu trabalho era auditar todo o programa de arbitragem da NBA em busca de corrupção, mas ele também tinha um objetivo mais específico: descobrir se Donaghy tinha de fato fraudado jogos. E, se ele tinha, qual foi seu método.

Para responder a essas questões, Pedowitz convocou um grupo de funcionários de operações da NBA para assistir aos jogos em que Donaghy trabalhou durante a temporada 2006-07 – mas o relatório resultante não explicou inteiramente o número limitado de jogos que eles decidiram revisar. O FBI descobriu que Donaghy havia apostado em cerca de 40 de seus próprios jogos com Concannon durante todas as três temporadas entre 2004 e 2006. A partir de informações fornecidas por Tommy Martino, dentre outros, existem motivos para suspeitar que Donaghy apostou dinheiro na imensa maioria dos seus jogos durante a fatídica temporada 2006-07, do seu início até o dia 11 de abril – 65 jogos ao todo. Ainda assim, os jogos revisados pelo grupo de funcionários da NBA reunidos por Pedowitz foram 17.

Para isso, Pedowitz seguiu o exemplo dos investigadores federais, que analisaram vídeos dos jogos de Donaghy – recrutando o próprio Nunn para revisar 8 desses jogos – a partir da confissão de Donaghy para os agentes federais de que havia apostado em apenas 16 dos seus próprios jogos na temporada final de sua carreira. (Os agentes federais nunca disseram quais foram esses 16 jogos, então Pedowitz teve que deduzir a partir dos documentos do tribunal e dos pedidos do FBI por vídeos das partidas, de modo que acabou com um grupo de 17 jogos possíveis).

Os funcionários da NBA “examinaram cada jogada e determinaram se, na visão deles, as marcações de Donaghy (ou a ausência de marcações) estavam corretas”. De acordo com o relatório, apenas um desses 17 jogos, um Pistons contra Nets em 16 de dezembro de 2006, “levantou suspeitas de que as marcações de Donaghy e erros substanciais poderiam ter o objetivo de favorecer o time de Detroit (que bateu a margem de pontos necessária).” Nesse jogo, o segundo após o casamento com Battista, Donaghy apitou cinco faltas seguidas contra o time de New Jersey no quarto período quando a margem de pontos estava em risco. Apenas um jogo com coisas potencialmente estranhas dentro de um conjunto de 17 não era nem de longe o suficiente para acusar o árbitro do que quer que fosse.

E assim, no final das contas, com relação à questão das fraudes de Donaghy, Pedowitz manteve as descobertas do Ministério Público – que não o acusou desse crime. “A partir das nossas revisões, e com as informações que temos disponíveis, não fomos capazes de contradizer a conclusão do governo.”
Mas Scala, o agente do FBI que se dedicou ao caso, tem suas dúvidas. “Donaghy diz que nunca entregou um jogo”, Scala conta. “Mas quer saber? Isso nunca colou com a gente.” De acordo com Scala, a posição dele e do FBI sempre foi de que o acordo de Donaghy com Concannon e com Battista “manchou” de maneira inegável sua capacidade de apitar, mesmo que apenas inconscientemente. (Esse conceito foi parar até mesmo no próprio relatório de Pedowitz.) Scala se lembra de que ele e Donaghy ficaram nesse assunto por muito tempo. “Eu disse pra ele, ‘Escuta, não vá me dizer que você tem qualquer capacidade de tomar decisões independentes num computador imparcial dentro da sua cabeça, porque não tem como uma merda dessa acontecer. Todas aquelas decisões subjetivas que você tem que tomar, Tim? Por estar apostando no jogo, seu julgamento vira farofa – e você entrega o jogo.”

Ainda assim, Scala conta, o FBI eventualmente teve que simplesmente deixar pra lá. Tirando uma confissão explícita, como seria possível provar que Donaghy fraudou jogos, afinal? E o que mais a gente deveria querer? A carreira do cara estava acabada e sua vida em ruínas. Conseguiram encerrar um dos esquemas de lucro dos Gambino. Que eram uma organização criminosa que lidava com assassinatos e violência. Tinham que voltar a cuidar disso. O trabalho dos agentes federais, nesse caso, estava encerrado.


Não foi apenas Donaghy que tentou convencer o FBI que não havia fraudado jogos. A NBA tentou também. Toda vez que os agentes especiais de Scala entrevistavam executivos da NBA para o caso, ouviam o mesmo refrão: “Eles nos diziam, ‘Não dá pra fraudar um jogo na NBA. É impossível.’”, nos conta Scala. Um sem número de observadores dedicados – supervisores dos árbitros, técnicos, jogadores, donos de times, mídia, fãs – seriam os primeiros a reclamar se vissem algo muito esquisito, argumentou a NBA. Mas como Scala tão bem colocou, “Quando alguém te diz que algo é impossível, você sabe que eles estão falando merda, porque nada é impossível. Mas esse era o discurso da empresa.”

Basicamente, mostrar que Donaghy fraudou jogos poderia sugerir que é mais fácil apostadores manipularem jogos do que qualquer liga esportiva gostaria de admitir. Teorias da conspiração sobre árbitros corruptos persistem na liga há décadas. Justamente por isso a NBA é particularmente cautelosa com qualquer indício de fraude. Ainda que isso tenha criado uma parceria estranha, Donaghy ter negado qualquer culpa referente a fraude nos jogos acabou sendo, no fim das contas, um presente para a NBA.

Depois de Donaghy, a NBA colocou em vigor uma série de novas medidas criadas para detectar já no nascimento quaisquer esquemas de fraude em jogos. Entre elas, um sistema computadorizado robusto para monitorar as marcações de falta dos árbitros; análise ampliada das flutuações nos mercados de aposta que pudessem indicar apostas suspeitas; contratação de funcionários com experiência em legislação, segurança e análise de dados; e até mesmo contato com nomes de dentro da indústria de apostas esportivas que poderiam avisar de rumores de alguma possível corrupção.

Mas quando o escândalo veio à tona, a NBA inteira se uniu. Lamell McMorris atuava como negociador principal do sindicato dos árbitros durante as negociações coletivas com a liga que ocorrem de tempos em tempos. “David Stern e eu nunca interagimos muito, e quando interagimos não foi de forma positiva”, McMorris me contou. “Mas Donaghy mudou nossa relação. Era tudo ou nada, junto, para todos nós.”

Quando o FBI começou a entrevistar os colegas de arbitragem de Donaghy, os agentes, segundo Scala, acabaram falando com talvez 10 deles. De acordo com os arquivos das investigações do FBI, obtidas no nosso pedido via Ato de Liberdade de Informação, alguns árbitros precisaram receber intimações para que aceitassem falar com os agentes federais. As anotações dos agentes durante essas entrevistas possuem uma repetição digna de mantra: “Lembra de ficar ‘em choque’ quando ficou sabendo de Donaghy… não falou desse assunto com outros árbitros”… “Descreveu sua reação inicial como ‘surpresa’ e ‘choque’, e afirmou que não discutiu o assunto com outros árbitros”… “Descreveu Donaghy como um árbitro muito preciso que errava poucas marcações”… “Não ouviu outros árbitros falando sobre Tim Donaghy… achava que ele era um bom árbitro.”

Até hoje, o que parece ser algo como uma lei do silêncio auto-imposta sobre o caso de Donaghy permanece, mesmo entre os árbitros que não trabalham mais para a liga. Falar sobre Donaghy com mais de uma dúzia deles hoje em dia dá a entender que o silêncio deles tem mais a ver com o fato de que odeiam o cara. Nenhum deles segue dizendo que Donaghy “era um bom árbitro”.

“Não quis mexer com isso há 10 anos atrás, e não vou mexer com isso agora… Nem adianta lançar a isca porque não vai tirar nada de mim”… “Me recuso a comentar sobre ele. Me recuso a falar sobre ele”… “Ninguém quer falar sobre isso. Ou mesmo dar pra ele qualquer tipo de palco. A coisa toda é desprezível”… “Acho que já se escreveu o bastante sobre Tim Donaghy.”

Nem todo árbitro aposentado é reticente. Há, pelo menos, Ed T. Rush, ex-diretor de árbitros da NBA, nascido na Philadelphia e, por 32 anos, um árbitro no último degrau, tendo começado em 1966. Quando Donaghy estava suando nas ligas menores no começo dos anos 90, Rush tomou para si a responsabilidade de ser um mentor para esse jovem que também era da Philadelphia. O sangue da arbitragem corre nas veias da Philadelphia. “Seu pai é um homem incrível”, Rush, agora aposentado, nos conta hoje em dia. “Todos nós tínhamos a expectativa de que Tim se tornaria muito, muito bom. E ele poderia ter sido.”

Depois do escândalo, Rush esteve entre os funcionários a quem Pedowitz pediu para revisar o conjunto de jogos de Donaghy em busca de evidência de fraude. Rush se lembra de assistir a talvez 10 desses jogos. O que ele viu? Quando perguntei, esperava que Rush respondesse mais ou menos como Nunn tinha me respondido: Nada fora do normal. Nada a se ver aqui. Siga em frente.

Mas em vez disso, ele me surpreendeu. “Eram várias marcações no jogo, feitas por ele, que não se encaixavam na partida”, ele afirma. “Era uma interpretação bem literal das regras.”

No começo dos anos 2000, Rush me explicou, a NBA passou por uma revisão geral das regras de arbitragem, mudanças que naturalmente levaram todos os membros da arbitragem da NBA a marcar um volume maior de faltas, ao menos inicialmente. Tudo isso aconteceu enquanto Rush era diretor dos árbitros, de 1998 a 2003. “E como acontece com tudo, quando se faz mudanças, inicialmente a gente exagera na resposta. É típico. E depois as pessoas se acostumam e acalmam.”

Mas Donaghy não se acalmou. Rush, como diretor dos árbitros, havia percebido mas não achou que era grande coisa na época. Foi só mais tarde, em 2007, depois de Donaghy ter sido exposto, que as faltas apitadas usando um rigor desproporcional pareceram mais sombrias. Assistindo aos jogos para Pedowitz, Rush percebeu a mesma tendência de apitar faltas “interpretadas ao pé da letra” em situações em que elas não faziam sentido – em que elas contrariavam o fluxo do jogo. Foi só nesse ponto em que Rush olhou para essas marcações com suspeita. Ainda assim, como Rush me explicou por telefone, eram apenas “tendências”, não um “alerta vermelho”, e a NBA e Pedowitz só estavam interessados nesses alertas vermelhos. “Eles estavam procurando algo realmente óbvio. Uma jogada que precisava ter sido apitada de um jeito e Donaghy apitou do jeito oposto. Era isso que estavam procurando. E isso eu não encontrei.”

No fim das contas, Rush não passou suas impressões para o pessoal do Pedowitz. Ele achou que as tendências apareciam nas estatísticas: o alto volume de marcações de Donaghy era bem perceptível; devia ser óbvio pra qualquer um. E assim nada disso foi parar no relatório final de Pedowitz.


Ato 6: … Pode ser encontrado

O que significa “fraudar” um jogo? E como, em seguida, seria possível descobrir evidências disso anos, até décadas, mais tarde? Os métodos de fraude são bem evidentes. Um jogador que participe de algo assim pode garantir que seu time não alcance a margem de pontos necessária, errando cestas de propósito para, por exemplo, diminuir o número de pontos da sua equipe. Um árbitro, por outro lado, pode adicionar pontos – apitando faltas que resultem em lances livres. E se um árbitro focar em um time específico para marcar faltas, ele pode forçar o placar da equipe oposta a ficar maior do que seria naturalmente.

Então por onde começar? Donaghy apitou 40 jogos entre seu casamento em 12 de dezembro de 2006 e 21 de março de 2007, que de acordo com uma das fontes é provavelmente o último jogo antes de Ruggieri tomar o controle do esquema. Começamos obtendo o histórico de transações para esses jogos e através deles determinamos quais times receberam mais apostas. Além disso, subidas ou quedas de preço muito acentuadas, ou até mesmo o momento de certas variações de preço, poderiam indicar as estratégias de transação de um consórcio de apostas. Apesar do desejo que tinham de fazer suas apostas secretamente, mesmo consórcios de apostas sofisticados quase sempre deixam rastros. Através deles, deduzimos qual lado Donaghy havia escolhido para que Battista apostasse.

Em seguida, pegamos vídeos de todos os 40 jogos e contratamos um pesquisador com extensa experiência em arbitragem para assistir a todos eles minuciosamente, anotando todas as faltas apitadas por Donaghy e por seus companheiros de arbitragem. (Dessas faltas, 2.6% não podiam ser objetivamente atribuídas a um árbitro específico e foram excluídas do estudo).

É normal, claro, que um árbitro apite mais faltas para um time do que para o outro. Quase sempre existe um desbalanceamento nas faltas. Mas examine esse desbalanceamento em comparação com o desbalanceamento financeiro descoberto no histórico do mercado de apostas – qual lado recebeu apostas mais pesadas – e então a comparação não é mais entre as faltas apitadas por Donaghy e o time que venceu o jogo. A comparação que importa é com o time que recebeu a maior quantia de dólares apostados.

Assim que completamos tudo isso, o que revelamos foi que as faltas apitadas por Donaghy favoreciam o time que recebeu mais apostas 70% das vezes. Mas também descobrimos que em 10 jogos durante essa sequência de 40 partidas, um time estava derrotando o outro de um modo tal que a margem necessária de pontos nunca esteve em questão. Um árbitro tentando manipular placares nessas situações provavelmente perceberia uma total incapacidade de mudar as coisas – ou uma falta de necessidade de mudá-las, se o placar estivesse ao seu favor. Então, tirando esses jogos com diferenças de placar muito elásticas da análise, o que finalmente encontramos foi isso: Donaghy favoreceu o time que atraiu mais dinheiro nas apostas em 23 dos 30 jogos com placares competitivos, ou 77% do tempo. Em quatro jogos, ele apitou de forma neutra, metade para cada time. O número das vezes em que Tim Donaghy acabou favorecendo o time que atraiu menos dinheiro nas apostas? Três.

Em outras palavras, o histórico de Donaghy apitando faltas que favoreceram suas apostas foi de 23-3-4.

Quando assumimos que não deveria haver qualquer correlação entre apostas e as faltas apitadas por um árbitro, as chances de uma disparidade desse tamanho ocorrer deveriam ser mínimas. E são. Quando apresentamos os dados, estatísticos da ESPN analisaram os dados e revelaram: as chances de Tim Donaghy ter aleatoriamente apitado faltas que produzissem essa discrepância são de 1 em 6.155.

Também levamos nossos dados para Keith Crank, que trabalhou por 15 anos como diretor do programa de estatística e probabilidade na National Science Foundation. Para tentar controlar qualquer parcialidade, ele executou algo chamado de teste de hipótese nos números, o que produziria um valor para P, ou para a probabilidade, para as marcações de Donaghy em cada uma das partidas da temporada 2006-07. Ele então fez os mesmos cálculos para os outros dois árbitros em quadra em cada jogo de Donaghy. O método de Crank carrega uma certa elegância: captura a parcialidade que um árbitro pode ter da maneira mais simples possível. Vitórias de lavada podem ser incluídas. Nenhuma análise dos mercados de aposta é necessária.

Crank então calculou o valor de P apenas para as marcações de Donaghy pela temporada inteira em questão. Foi de 0.232. Em outras palavras, existia 23.2% de chance daquelas marcações de falta acontecerem aleatoriamente. Improvável, mas nada absurdo. Mas Crank não parou aí. Afinal de contas, tínhamos uma delimitação crucial dentro da temporada 2006-07: os 40 jogos entre o começo do casamento e o término do envolvimento de Battista. E se você exclui duas faltas compartilhadas – uma mesma falta apitada por dois árbitros simultaneamente e credita a ambos – o valor de P para as marcações de Donaghy nesse conjunto de jogos era de 0.041, ou 4.1%.

Para estatísticos profissionais, qualquer valor de P que seja menor do que 5% é um sinal “significativo”. Significa que você encontrou alguma coisa. No nosso caso, significa que existe apenas 4.1% de chance de que um árbitro imparcial teria aleatoriamente feito as mesmas marcações que Tim Donaghy fez durante sua sequência desonesta.


Em declaração à ESPN no final de janeiro (de 2019), a NBA afirmou: “Para deixar claro, a equipe de Pedowitz e a NBA realizaram uma grande análise de dados e estatísticas para determinar se Donaghy tentou ou não manipular os jogos que apitou. Todos os nossos esforços tinham como objetivo entender exatamente o que ele fez e de que maneira, de modo a estarmos melhor equipados para proteger a integridade dos nossos jogos no futuro.”

A NBA não divulgou detalhes dessas análises estatísticas, mas descreveu do que se tratavam de forma geral. De acordo com a liga, os estudos abordaram “a totalidade do período que Donaghy admitiu estar apostando em seus jogos”, incluindo 194 jogos apitados por Donaghy em pessoa, e adicionou a isso um exame da “eficiência dos árbitros”, “faltas marcadas de forma desigual e o impacto dessas faltas”, o momento dessas faltas durante os jogos, “sequências” de faltas consecutivas e o volume de faltas, além de uma análise de “todas as variações correspondentes no mercado de apostas”.

“Essas análises”, afirmou a NBA para a ESPN, “não confirmaram suas alegações de que um árbitro imparcial não teria apitado as mesmas faltas que Donaghy apitou”.


Tim Donaghy sempre negou publicamente que tivesse manipulado deliberadamente seus jogos para ganhar as apostas, argumentando que ele baseava suas escolhas em informações internas. Em privado, no entanto, ele por vezes mostrou uma posição diferente.

Desde que Donaghy saiu da prisão em 2009, mora no mesmo apartamento em Sarasota. Ele abriu mão de fazer apostas e se tornou um conselheiro para apostas alheias por um tempo depois de sair da prisão. Sua fonte de renda principal hoje em dia vem do aluguel de propriedades que possui.

Mas antes mesmo de Donaghy sair da prisão, um acordo com a editora Random House estava firmado para publicar seu livro de memórias. Segundo um relato da revista New York em 2015, a NBA de alguma maneira convenceu a Random House a desistir do livro. Donaghy então encontrou outra editora: uma pequena, independente, nova no mercado – tão nova que “Falta Pessoal” foi seu livro de estreia -, estabelecida em Tampa, Flórida, e comandada por uma consultora política e publicitária chamada Shawna Vercher. Essa parceria acabou se mostrando amarga e foi parar nos tribunais, com Donaghy processando Vercher em 2010 sob a acusação de que ela roubou seus ganhos com o livro.

Mas o começo desse desentendimento ocorreu quando Donaghy estava ainda viajando para promover o livro, de acordo com documentos preenchidos no tribunal como parte do processo penal. O desentendimento envolvia um detector de mentiras. Vercher me disse que, em dezembro de 2009, após perguntas levantadas por repórteres, incluindo alguns da ESPN, ela queria que Donaghy passasse por um detector de mentiras para responder diretamente à pergunta de se ele fraudou ou não os jogos. Donaghy disse que não poderia fazer isso, Vercher relembra em seu depoimento. Os advogados dele, Donaghy contou pra ela, haviam aconselhado que ele não fizesse algo assim. Vercher quis saber o motivo.

O motivo era, respondeu, que ele acabaria sendo pego na mentira.


Essa não foi a única vez que Tim Donaghy acabou falando a verdade.

“Ele era capaz de influenciar um jogo seis pontos para cima ou para baixo – é o que ele me disse”, Tommy Martino disse enquanto nos sentamos na sala de descanso do salão de cabeleireiro da sua família, onde ele trabalha desde que saiu da prisão em 2009, após passar 10 meses preso.

Levei um segundo para compreender o que Martino me disse. “Quando ele te disse isso?”, perguntei. Martino não se lembrava, não exatamente. “Durante essa merda toda”, me contou.

Martino se lembra bem de Donaghy lhe dizer que alguns jogos eram impossíveis de fraudar. Nas palavras de Martino, “Lavadas, não dá pra controlar.” Se o placar num jogo ficasse distante demais da margem necessária nas apostas, Donaghy disse para Martino, não haveria poder capaz de colocá-lo de volta na margem. Porque nesses casos “você precisa apitar um monte de faltas”, Martino disse. “E aí fica óbvio demais.”


Um apostador profissional certa vez confrontou Donaghy sobre o escândalo. Foi alguns anos depois de Donaghy sair da prisão. Como alguém que acompanhava basquete muito de perto, ele tinha ficado muitíssimo curioso depois de perder algumas apostas em jogos apitados por Donaghy naquela temporada.

O apostador me contou sobre sua conversa com Donaghy com a condição de que eu não usasse seu nome na história. Para a completa surpresa do apostador, Donaghy admitiu que, sim, ele deliberadamente marcava mais faltas do time contra o qual ele havia apostado. E contou ao apostador sobre outras táticas também.

“Ele me contou que gostava de marcar uma defesa ilegal logo de cara, no primeiro minuto.” Desse modo, o apostador conta, Donaghy conseguia forçar o lado em que ele apostou contra a jogar um pouco menos agressivamente na defesa. “Me disse que ele pegava o pivô, ou o jogador mais valioso de cada time, e tentava deixá-los pendurados com faltas.”

O apostador completou, “Ele também me disse que estavam sendo apostados milhões e que ele era um imbecil por não pedir mais dinheiro.”


E então temos um ex-amigo de Donaghy chamado Aron Kulle, que se lembra de uma vez em que Donaghy foi ao seu escritório em Sarasota num estado de profunda ansiedade. Como tantos outros na vida de Donaghy, Kulle e o árbitro tiveram um desentendimento bem ácido; num dado momento, Donaghy conseguiu uma ordem de afastamento contra Kulle alegando perseguição. Mas na época da visita ao seu escritório, no final de 2007, os dois ainda eram próximos.

Desde que se mudou para Sarasota em 2005, Donaghy foi várias vezes voluntário para a liga de esporte juvenil local que Kulle comandava no centro comunitário. Depois da queda de Donaghy mas antes dele ser preso, Donaghy desabou e começou a chorar dentro do escritório de Kulle. “Minha vida está arruinada”, Kulle se lembra de ouvir Donaghy dizer.

A janela do escritório dava para uma quadra de basquete, onde crianças dos times juvenis iam praticar. Os seus tênis cantavam no chão da quadra. Kulle se levantou, atravessou a sala e fechou as cortinas. Foi quando Donaghy “colocou tudo pra fora” e “falou de tudo”, Kulle conta.

“Ele sabia quais eram as margens necessárias. Sabia como controlar isso. Sabia como entrar na cabeça dos outros árbitros também, com relação a diferentes jogadores… porque os outros árbitros seguiam o que ele fazia. … Ele admitiu fraudar os jogos.”

Quando Donaghy terminou, Kulle se reclinou na cadeira. Ele ouviu a história do árbitro, fascinado – as apostas, o dinheiro, o sigilo, a corrupção, a busca sem fim dos seres humanos para conseguir alguma vantagem, o oportunismo nojento que parecia quase contagioso, a incrivelmente simples maneira de fraudar um dos grandes esportes americanos – mas então surgiu algo importante na mente de Kulle, e não era a moral dessa história. Quer dizer, na verdade era sim a moral dessa história.

“Se o que você está me dizendo é verdade”, Kulle me contou ter dito a Donaghy, “você vai ficar rico.”

Os olhos de Kuller praticamente se transformaram em cifrões. Ele já estava pensando, Como posso conseguir um pedaço disso? Será que poderia até mesmo investir na coisa toda? Naquele momento – como tantos antes dele que haviam ampliado e instigado o esquema e lucrado com ele – Aron Kulle sentiu que era uma oportunidade.

“Tudo que estou vendo”, ele conta que disse a Donaghy, “é um filme”.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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