🔒Como atrair um Free Agent

Quem chega agora ao mundo da NBA e vê LaMarcus Aldridge jogar não imagina que em 2015 ele era um dos free agents mais cobiçados do mercado. Na temporada 2013-14 pelo Blazers, Aldridge havia alcançado médias de 23.4 pontos, 10.2 rebotes, 1 toco, 46% de aproveitamento nos arremessos (mesmo jogando majoritariamente longe da cesta) e menos de 2 desperdícios e de 2 faltas cometidas por partida. Naqueles Playoffs, eliminou o Rockets de James Harden na primeira rodada com atuações impressionantes, incluindo 46 pontos e 18 rebotes numa vitória fora de casa na prorrogação. Nas semi-finais da Conferência Oeste, foi massacrado pelo Spurs, vencendo um mísero joguinho na série, mas ninguém em sã consciência acreditava que o Blazers realmente tinha chances de alcançar as Finais. Na temporada seguinte, com o time sofrendo com lesões, o Blazers foi eliminado em 5 jogos pelo Memphis Grizzlies, novamente com Aldridge liderando a equipe na série.

Após essas duas eliminações, o plano em Portland era manter o elenco unido a todo custo. O contrato de LaMarcus Aldridge chegara ao fim, mas nenhuma equipe da NBA poderia lhe oferecer um salário maior do que o Blazers. Após breves considerações, Aldridge recusou a oferta de seu ex-time e assinou um contrato bem mais modesto com o San Antonio Spurs para ocupar o espaço de Tim Duncan, que rumava para seu último ano de basquete. Antes dessa atitude se tornar totalmente malignizada, Aldridge simplesmente migrou para o time que o havia eliminado em sua primeira participação nos Playoffs.

O que atraiu Aldridge para o Spurs não foram as belezas naturais ou a vida noturna de San Antonio; não foi o contrato, menor do que muitos que ele poderia ter aceitado; não foi a possibilidade de contratos de marketing extra-quadra, mais difíceis num mercado pequeno como San Antonio. Foi o momento histórico, a “historinha” que se contava à época na NBA. Foi a percepção que todo o mundo do basquete tinha da NBA e de como o basquete deveria ser jogado.

Muitas vezes, para entender – ou mesmo prever – o destino de um free agent (um jogador que, terminado seu contrato, está livre para assinar com qualquer equipe da NBA), esquecemos de levar em consideração a narrativa que está em vigor na Liga. Pensamos em espaço salarial, nos atrativos da cidade, no encaixe do elenco e acabamos deixando de lado um dos mais importantes elementos: o imaginário, o modo de pensar que ronda o basquete naquele exato momento.

Voltemos aos Playoffs da temporada 2013-14, quando Aldridge foi eliminado pelo Spurs. A NBA vinha de dois títulos seguidos do Miami Heat, composto pela união improvável de LeBron James, Dwyane Wade e Chris Bosh. Foram quatro Finais da NBA consecutivas para o trio, que por sua vez só se formou porque nos três anos anteriores o Boston Celtics havia conquistado um título e um vice-campeonato usando seu próprio trio, Paul Pierce, Kevin Garnett e Ray Allen.

O pensamento da época era evidente: jogadores incríveis estavam desperdiçando suas carreiras tentando vencer sozinhos nos times em que foram draftados. Kevin Garnett tentou de tudo para ser campeão em Minessota enquanto seu rival direto, Tim Duncan, colecionava anéis em San Antonio. Ao fim da carreira dos dois, a polêmica sobre qual dos dois era melhor, que havia durado muitos anos, não fazia mais qualquer sentido frente à obscena quantidade de anéis que Duncan acumulara. Garnett só conseguiu colocar seu nome na história quando parou com a teimosia e se encaixou com outros dois jogadores em situação praticamente idêntica. LeBron James, um dos melhores de todos os tempos já em 2010, sofria todo tipo de crítica e chacota por não ter conquistado um anel de campeão. Quatro anos depois, após abaixar a cabeça e unir-se com duas estrelas inquestionáveis, já tinha dois títulos para alçá-lo ao patamar de grande lenda do esporte.

Nenhuma dessas uniões havia sido fácil: aquele Celtics perigou naufragar e foi salvo pelo talento de um moleque chamado Rajon Rondo; LeBron e seus amigos sofreram com entrosamento e espaçamento de quadra a princípio, perdendo as Finais da NBA para um azarão Dallas Mavericks logo de cara. Foram necessários muitos ajustes e sacrifícios para fazer essas reuniões de super-estrelas funcionarem, mas a opinião geral na época era de que o esforço certamente valia a pena.

Quando o Spurs sagrou-se campeão da NBA em 2014 em cima das estrelas do Miami Heat, a narrativa teve que ajustar-se. Se unir grandes estrelas e fazer sacrifícios era o que ganhava títulos, como explicar a vitória da equipe de San Antonio? Conclui-se que aquilo que o Celtics e o Heat haviam acabado de descobrir era o que o San Antonio Spurs executava a UMA DÉCADA E MEIA. Sob o comando de Gregg Popovich o Spurs sempre teve um modelo tático rígido, possíveis estrelas precisavam conquistar seu espaço gradualmente sem comprometer o esquema e a eficiência de seus companheiros, e nenhum jogador draftado pela equipe tinha sua “carreira desperdiçada” – muito pelo contrário. Aos olhos gerais, a troca que mandou Kawhi Leonard para o Spurs na noite do draft, logo após ter sido escolhido pelo Indiana Pacers, SALVOU a carreira do rapaz. O prêmio de MVP das Finais de 2014 só mostrava que adequar-se ao coletivo, numa estrutura capaz de esconder suas falhas e maximizar seus talentos, pagava dividendos.

Em Portland certamente LaMarcus Aldridge teria mais liberdade, mais protagonismo, estamparia as capas das revistas e receberia admiração irrestrita. Mas quantas carreiras assim não foram arremessadas no lixo pela narrativa popular graças à simples ausência de anéis de campeão? Naquele momento, segundo a historinha que se contava na NBA, ficar no Blazers seria pura estupidez. Suas opções deveriam ser jogar com LeBron James ou correr para San Antonio. Como o Spurs aceitou, ávido por alguém para assumir o papel de Tim Duncan, a escolha pareceu óbvia.

O título para o Warriors em 2015 começou a transformar a narrativa, mas muito vagarosamente. Jogadores que antes nem pareciam ser tão espetaculares assim, como Stephen Curry e Klay Thompson, haviam conquistado a NBA com um sistema tático que não apenas extraía o melhor deles, mas também lhes dava LIBERDADE para serem quem eles quisessem, até mesmo arremessando do meio da quadra. Mas naquele momento era impossível precisar o quanto disso era fruto da equipe e o quanto havia sido responsabilidade do acaso ou nossa mera incapacidade de ter percebido quão bons esses jogadores sempre foram.

Com LaMarcus Aldridge no elenco a campanha do Spurs em 2015-16 foi histórica, uma das melhores de todos os tempos em termos de aproveitamento. Foram 67 vitórias e apenas 15 derrotas na temporada regular. Mas enquanto isso acontecia, o Warriors alcançava 73 vitórias, recorde histórico, e seguia para as Finais da NBA às GARGALHADAS, com um clima leve e descontraído que muitos ainda consideram “infantilidade” ou “desrespeito”. Com dificuldades de executar o que se esperava dele, LaMarcus Aldridge acabou sendo eliminado pelo OKC Thunder nas Semi-Finais de Conferência. Cobrado pelos fãs e pela imprensa pelas atuações, Aldridge percebeu que a decisão de ir para San Antonio não era mais tão óbvia assim.

Na temporada 2016-17 isso só se tornou mais evidente: as críticas a Aldridge só cresceram, especialmente após um rendimento muito abaixo da média nos Playoffs quando o Spurs, sem Kawhi Leonard, mais precisou dele. O resultado foi uma varrida e a sensação histórica de que o Warriors é imparável, invencível, desequilibrante, etc. No elenco do atual campeão, jogadores “raspa de tacho” como JaVale McGee, carreiras dadas como encerradas como Shaun Livingston, jogadores de fundo de draft como Patrick McCaw e James McAdoo. Todos se divertindo, rindo, se apoiando publicamente nas redes sociais, com um técnico famoso por ser um dos mais tranquilos e bem-humorados de todos os tempos. Para Aldridge, a estrutura sólida e rígida do Spurs que o forçou a concessões não o isentou da críticas públicas, da cobrança, e no final das contas não trouxe qualquer resultado para o seu legado – pelo contrário, apenas diminuiu drasticamente seu outrora gigante valor de mercado.

É importante deixar bem claro que acho que Aldridge foi bem o suficiente em sua passagem pelo Spurs, que não há fracasso algum em vencer 67 partidas numa temporada regular, e que não acredito que ele encontraria situação melhor para sua carreira em qualquer outro time da Liga. Não estamos falando aqui de situações reais, mas sim do modo como a NBA lê os acontecimentos a partir da narrativa que o Warriors construiu nos últimos anos.

O Brooklyn Nets está construindo a mais confortável e aconchegante estrutura possível para seus jogadores fora das quadras e implementando um modo de jogo – e um tipo de comissão técnica – que trabalha individualmente com os jogadores para que se sintam apoiados e desafiados, incentivando-os a serem FELIZES em quadra. O Los Angeles Lakers, capitaneado pelo recém-técnico Luke Walton, está colocando em prática um basquete fluido e orgânico em que os jogadores se sintam livres para serem as melhores versões de si mesmos. Contra a rigidez e as críticas constantes de Phil Jackson, o jogador mais importante do Knicks (o letão Kristaps Porzingis) simplesmente fugiu para casa. O Miami Heat virou destino importante para jogadores que querem salvar suas carreiras, como Dion Waiters, por conta do trabalho impecável e individualizado de sua comissão técnica. O Washington Wizards teve uma temporada transformadora após cada jogador receber uma lista de desafios pessoais a serem buscados todo jogo, ao invés de um conjunto de regras fixas. O Houston Rockets apagou o estigma que assolava James Harden unindo-o com Mike D’Antoni e um esquema tático disposto a lhe dar liberdade absoluta no ataque.

Jogadores agora buscam ambientes acolhedores que possam ajudá-los a serem jogadores melhores – e sonhar com títulos no processo desde que o Warriors provou que isso era possível também. O ambiente militar, a rigidez nos bastidores e o ideal de tornar-se um jogador pior em nome de um bem maior são ideias que não se encaixam mais na narrativa atual. Quando Kevin Durant, livre para assinar com qualquer time da NBA, optou pelo Golden State Warriors, foi também para experimentar um outro tipo de clima nos vestiários, um outro tipo de camaradagem, e a garantia de que ele é um jogador MELHOR não quando se abstém para que Russell Westbrook possa jogar, mas sim quando os outros jogadores criam espaços para que ele possa ter o melhor aproveitamento de arremessos de sua vida.

Os times de sucesso acabam se tornando um espelho para as outras equipes de sua geração, mas não é apenas isso – há uma quantidade enorme de DISCURSOS, de pensamentos e de ideias, inclusive oriundas de lugares muito distantes das quadras de basquete, que também acabam ditando o andamento das franquias na NBA. A vontade de jogar por um time mais ACOLHEDOR está em sintonia com a nova geração de adolescentes que debatem-se contra as estruturas rígidas, contra o bullying, contra o abuso. O ideal de que é possível se tornar mais forte através do coletivo sem apagar sua individualidade – tão importante na geração Facebook, que precisa o tempo todo de afirmação externa – está em sintonia com os times que não exigem que seus jogadores comprometam o próprio talento para que o time funcione, optando ao contrário por alterar esquemas táticos – e elencos – para que todos os talentos possam brilhar.

É nesse contexto cultural, nessa nova narrativa trazida pelo Warriors (assim como Spurs, Heat e Celtics haviam trazido outras narrativas anteriores) que surgem os boatos de que LaMarcus Aldridge quer deixar San Antonio, incluindo fofocas de que Chris Paul, seu amigo pessoal, desistiu de jogar no Spurs porque Aldridge não recomendou o “clima da equipe” e confessou já estar de saída. Chris Paul não foi para o Rockets apenas pensando em títulos, mas também por acreditar que a união com Mike D’Antoni será capaz não de tolher seu jogo, mas sim de extrair o máximo de seu jogo. Pode ser que nada disso aconteça – pode ser que Chris Paul seja um encaixe HORROROSO no Rockets – mas o que nos importa aqui é que essa historinha está em vigor, está antenada com o discurso vigente dentro e fora das quadras, e está atraindo jogadores para lugares pouco ortodoxos. Jogadores livres para assinar qualquer contrato estão considerando o Sixers e seu clima leve regado a redes sociais, como é o caso de JJ Redick. Enquanto isso, o New York Knicks seguiu ignorado pelas grandes estrelas nas últimas temporadas, na sombra da rigidez de Phil Jackson, e Aldridge quer abandonar uma das maiores e mais competentes franquias DA HISTÓRIA DO ESPORTE PROFISSIONAL. Se são boas escolhas, não importa – está tudo justificado na história que contamos uns para os outros e para nós mesmos todos os dias.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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