🔒Como parar James Harden

A temporada ainda não acabou, então as médias conquistadas pelos jogadores ainda não estão consolidadas. Mesmo assim, acho que a maior parte das pessoas ainda não percebeu o que significa ter um jogador, já com a metade da temporada 2019-20 se aproximando, marcando – nesse momento – 38.3 pontos por jogo. Para termos ideia de quão histórico e ABSURDO é esse número, é preciso buscar algum contexto.

Wilt Chamberlain, o homem do jogo de 100 pontos e dos recordes completamente absurdos, teve média de mais de 37 pontos por jogo em 4 temporadas seguidas, entre 1959 e 1964. São números tão fora da realidade que a gente nem sabe muito bem o que fazer com eles – durante esse período, por exemplo, Chamberlain teve uma temporada com mais de 50 pontos por jogo de média. Mas quando tiramos Chamberlain da conversa, encontramos apenas outros dois jogadores a superar a marca dos 37 pontos de média: o primeiro é Elgin Baylor e o segundo é Michael Jordan.

Elgin Baylor teve 38.3 pontos por partida na temporada 1961-62, mas é preciso entender os tempos: naquela temporada o ritmo de jogo era surrealmente acelerado, com uma média de 126 posses de bola para cada equipe por jogo. Como comparação, o basquete veloz de hoje em dia tem uma média de 100 posses de bola por time, um número consideravelmente menor. A quantidade maior de posses nos anos 60 ajuda a compensar a ausência da linha de três pontos: Baylor não podia pontuar do perímetro, que sequer existia, mas dava assustadores 33 arremessos por partida, além de cobrar 13 lances livres (convertendo 10).

Já os números de Michael Jordan são muito mais fáceis de transpor para os dias atuais. Jordan teve média de 37.1 pontos por jogo na temporada 1986-87 numa época em que o ritmo era praticamente idêntico ao que é hoje (a média era de 100.8 posses de bola por time, contra as atuais 100.5). Além disso, o estilo de jogo da época – jogadas no mano-a-mano contra defesas individuais – lembra muito aquilo que James Harden tenta emular hoje. De novo as bolas de três pontos são uma diferença fundamental – Jordan tentava menos de um arremesso do perímetro por partida – mas compensava com volume (eram quase 28 arremessos por jogo) e cobrando 12 lances livres em média (e convertendo 10).

Harden está, estatisticamente, numa chave parecida: arremessa menos (24.6 tentativas por jogo), cobra praticamente a mesma quantidade de lances livres (pouco acima dos 12, convertendo quase 11), mas infla sua pontuação convertendo mais de 5 bolas de três pontos por partida. Estamos falando aqui de números que pareciam inalcançáveis na era das defesas por zona e da eficiência, mas Harden consegue retornar para o jogo de mano-a-mano e com isso jogar na privada todos os avanços defensivos que a NBA construiu nas últimas décadas. Ao fazer de maneira eficiente um estilo de jogo que os números avançados já haviam decretado obsoleto, Harden força as defesas adversárias a repensarem seu funcionamento. Você pode não ter percebido quão histórica é a temporada ofensiva de James Harden, mas as defesas da NBA certamente perceberam – e estão desesperadas.

Ao contrário do que muitos imaginam, os lances livres não são o prato principal de Harden, apesar de serem uma das de suas especialidades. Harden não engana os árbitros, mas sim seus adversários – ele coloca seus defensores em situações em que são obrigados a sair de posição, esticar braços ou tentar parar sua movimentação à força, o que automaticamente se transforma em lances livres. É sofrendo faltas que Harden ganha quase 11 pontos por jogo, mas essa é apenas a sobremesa – nas jogadas de mano-a-mano, enfrentando individualmente seus defensores, Harden faz em média mais de 17 dos seus pontos.

De novo, um pouco de comparação: o segundo colocado em pontos nas jogadas de isolação nessa temporada é Russell Westbrook, com 6.3; o terceiro colocado é LeBron James, com 5; o quarto colocado, Damian Lillard, faz 4.9. Giannis Antetokounmpo, o jogador mais fisicamente imparável da NBA, faz 3.9; Luka Doncic, que muitos consideram extremamente similar a Harden em estilo de jogo e distância de arremesso, faz 3.8. E os DEZESSETE de James Harden não são apenas uma questão de frequência e insistência, não: ele faz mais pontos em cada posse de bola de isolação do que os outros 35 jogadores que mais tentam esse tipo de arremesso. Ou seja, não é apenas que ele tenta muito; ele também tem melhor aproveitamento nessas situações do que qualquer outro jogador que tente mais do que 1.5 arremessos desse tipo por jogo. E o mais assustador é que aumentar o número de tentativas deveria, em teoria, diminuir o aproveitamento, seja por cansaço, seja porque as defesas se acostumam com o que está acontecendo e ficam mais aptas a responder de acordo. Mas não é o caso de Harden, pelo jeito.

Isso é particularmente preocupante para as defesas porque colocar um defensor individual num jogador deveria ser a melhor marcação possível para pará-lo na maior parte das situações, especialmente se você pode optar por usar seu melhor defensor disponível. Esquemas táticos ofensivos são inteiramente desenhados para comprar ESPAÇO para seus jogadores, encontrando através de passes, movimentação e corta-luzes um lugar sem marcação que possa ser usado para um arremesso ou infiltração. Defesas são desenhadas, portanto, para NEGAR esses espaços e manter marcadores próximos de todos os adversários. Se você tem um defensor próximo da estrela adversária, você já fez o mais difícil – não deixá-la livre é a grande prioridade e costuma ser uma tarefa árdua. Mas o que fazer, então, se uma estrela adversária – no caso, James Harden – não está nunca livre, tem sempre um marcador próximo, e mesmo assim produz 17 pontos sob marcação cerrada individual, sem nenhum tipo de ajuda, jogada ou movimentação sem a bola, apenas arremessando bolas de três pontos com um passo para trás ou batendo sua marcação no drible? Defesas querem parar as jogadas e as movimentações adversárias, mas como impedir que Harden faça mais de 38 pontos por jogo sem NADA ACONTECENDO que não seja ele atacando um marcador adversário? O que é possível fazer? Pois bem, essa é a história de como as defesas passaram a se ajustar – e como James Harden quebrou o basquete.


Segundo Zach Lowe, da ESPN, tudo começou no dia 20 de novembro de 2019, quando o Denver Nuggets enfrentou o Houston Rockets. Alguns dias antes, 12 de novembro, o Nuggets havia perdido para o Hawks após um esforço individual de Trae Young com 42 pontos (e 8 bolas de três pontos) e o técnico do time, Michael Malone, havia prometido que nunca mais iria permitir que o Nuggets perdesse para um único jogador adversário. Contra o Rockets, pouco mais de uma semana depois, foi a hora de testar sua promessa. Esperava-se alguma defesa sofisticada para dificultar a vida de James Harden, mas quando o jogo começou vimos aquilo que Zach Lowe definiu como “uma defesa de times do sétimo ano”.

Diferente do que vimos na NBA, o basquete ginasial e colegial dos Estados Unidos (os atuais Ensinos Fundamental e Médio) sofre com uma disparidade muito grande de talento dentro das próprias equipes. As escolas são responsáveis por atrair os melhores jogadores do país e muitas vezes acabam convencendo um único grande talento e cercando esse jogador com outros de tamanho, físico e potencial limitadíssimos – gente que mal deveria estar numa quadra de basquete. Por isso é comum vermos, nesse nível do esporte, defesas RIDÍCULAS que usam marcações duplas ou triplas num jogador adversário durante o jogo todo, quer ele esteja ou não com a bola, desafiando o resto do elenco a conseguir acertar bandejas absolutamente livres. É patético, é desesperado e só faz sentido dada a diferença colossal de talento nos times de basquete adolescentes. Ninguém tentaria algo tão primário e infantil contra um time profissional em que todos os jogadores, independentemente de seus salários ou minutos, são capazes de converter quaisquer tipos de arremesso quando deixados sem marcação.

Mas Michael Malone tinha uma promessa a cumprir e estava disposto a permitir que todos os jogadores do Rockets vencessem o jogo, desde que não se chamassem James Harden. Assim que Harden tocou na bola, o Nuggets usou uma marcação dupla, forçando um passe. E continuou com o plano até o final do jogo, quando o Rockets perdeu por 10 pontos e James Harden tinha marcado apenas 27, sua menor pontuação na temporada desde o engasgo atípico na estreia. O que era pra ser uma defesa caricata a ser usada na escolinha funcionou entre os profissionais, afinal.

Harden continuou encontrando maneiras de pontuar e manteve o bom aproveitamento (acertou 8 dos 16 arremessos que tentou, incluindo 4 bolas de três pontos), mas na maior parte das vezes tomou a decisão correta: abriu mão da bola para que o seu time pudesse atacar enfrentando um defensor a menos. Seus pontos vieram quase todos de contra-ataques ou de arremessos rápidos antes das dobras chegarem, com algumas eventuais infiltrações tentando contornar os dois defensores que se amontoavam. Comeu pelas beiradas, tentando acionar seus companheiros. E o resultado é perfeitamente resumido pela jogada abaixo:

Vejam que assim que a dobra de marcação de Paul Millsap acontece, mesmo que NADA esteja acontecendo na jogada, Harden imediatamente aciona Russell Westbrook com um passe picado. Westbrook tem espaço para arremessar, mas com um defensor se aproximando (para impedir uma possível infiltração), Westbrook manda a bola para a zona morta, onde Austin Rivers é contestado, devolve para Westbrook e aí a defesa do Nuggets já está totalmente recomposta. Westbrook decide, então, começar TUDO DE NOVO: devolve para Harden, acontece mais uma dobra, e Harden tenta de novo passar para Westbrook. Mas nesse ponto já restam apenas 4 segundos no cronômetro de arremesso e Paul Millsap sabe exatamente o que vai acontecer na jogada, interceptando o passe e permitindo uma cesta fácil de contra-ataque.

Harden faz a coisa certa, que é passar a bola frente à dobra, mas Westbrook não quer arremessar, a defesa do Nuggets tem tempo de se recompor e Harden deixa de ser um pontuador imparável para ser um jogador tentando dar um passe bizarro contra uma defesa pronta para interceptar a bola.

Dois dias depois de enfrentar o Nuggets foi a vez do Rockets pegar o Los Angeles Clippers, uma das melhores defesas da NBA, com um elenco recheado de grandes defensores capazes de enfrentar Harden no mano-a-mano, incluindo Patrick Beverley, Paul George e Kawhi Leonard. Ou seja, estamos falando de um time que não tem qualquer necessidade de dobrar a marcação em Harden antes de uma jogada acontecer, e ainda assim o que vimos em quadra foi uma cópia da defesa ginasial usada pelo Nuggets. Talvez o técnico Doc Rivers também tenha feito uma promessa, já que na primeira vez que o Clippers enfrentou o Rockets nessa temporada, Harden marcou 47 pontos. Sofrendo dobras em cima de Harden em qualquer posse de bola, o Rockets acabou rodando a bola e tentando dar arremessos apressados da zona morta sem nenhum sucesso. No fim das contas, James Harden acabou tentando enfrentar a marcação dupla, tentando trombar com os defensores em movimento, e saiu de quadra com bons números – 37 pontos, 9 acertos em 16 tentativas, 5 bolas de três pontos, 14 lances livres – mas com outra derrota nas costas. Na coletiva de imprensa após o jogo, Harden foi categórico: “Nunca vi isso antes num jogo da NBA”. De fato, não se vê isso quando os jogadores em quadra têm mais de 16 anos.

Dois dias depois foi a vez do Dallas Mavericks copiar essa defesa adolescente de maneira ainda mais caricata, muitas vezes sequer esperando Harden bater a bola. Nos primeiros 4 minutos de jogo, já vimos os resultados: o Mavs roubou 3 bolas seguidas, começou abrindo um 7 a 0 no placar, e um Westbrook constantemente livre no perímetro recebendo passes de Harden sem parar arremessou 4 bolas de três pontos, acertando apenas uma. Para dar conta de uma defesa tão exagerada, o Mavs escolheu dobrar em Harden com qualquer jogador que não estivesse marcando a zona morta, para usar defensores mais próximos do aro e tentar impedir que os passes virassem enterradas. Quando o jogo acabou, Harden manteve seus números comendo pelas beiradas (32 pontos, 11 assistências), mas o Rockets acertou apenas 22% de suas bolas de três pontos na pressão de ter que acertar esses arremessos após os passes rápidos de Harden. Resultado: derrota por 14 pontos. No terceiro jogo enfrentando defesas de escolinha, o Rockets sofreu sua terceira derrota seguida.

O próximo jogo só aconteceu três dias depois e o Rockets finalmente teve algum tempo para treinar. Já estava evidente que todos os adversários – mesmo aqueles dotados dos melhores defensores da NBA – estavam dispostos a tentar a nova defesa para impedir Harden de dominar os jogos no mano-a-mano, então o time precisava estar preparado. Ao fim desse curto treino, o Rockets que entrou em quadra para enfrentar o Miami Heat já era bem diferente. Para começar, Harden começou a receber corta-luzes no meio da quadra – às vezes até antes disso – para que o defensor que está pressionando o Barba possa ser batido e não componha imediatamente uma marcação dupla, cedendo alguns segundos de defesa individual assim que Harden chega na quadra de ataque. Além disso, Westbrook passou a usar seu espaço no perímetro para infiltrar imediatamente, atrair a defesa e aí sim devolver a bola para fora, ao invés do passe imediato que vimos no vídeo contra o Nuggets. PJ Tucker também passou a deixar a zona morta para receber passes de Harden na altura da linha de lances livres, podendo dali trocar passes rápidos para uma bandeja ao invés de uma bola de três pontos. Clint Capela também passou a se aproximar mais de Harden, ao invés de se manter no garrafão à espera de uma possível ponte-aérea, recebendo passes na cabeça do garrafão e devolvendo para outros jogadores em movimento. Com todas essas alterações e um pouco mais de tempo no ataque antes de sofrer a dobra de marcação, Harden voltou à sua média: foram 34 pontos, 7 bolas de três pontos e uma vitória por 9.

Em seguida, o próximo adversário foi o Atlanta Hawks, que ficou tão empolgado com a ideia de dobrar em Harden a qualquer momento que em uma das primeiras posses de bola do jogo acabou se confundindo e mandou TRÊS defensores pra cima do armador. Dois passes rápidos depois e Tyson Chandler estava livre para uma enterrada.

Todo o novo arsenal do Rockets esteva ali contra o Hawks, com Westbrook infiltrando e passando para fora, PJ Tucker no garrafão e o corta-luz no meio da quadra, mas vimos ainda mais novidades, incluindo James Harden se movimentando sem a bola e recebendo passes enquanto cortava para a cesta e ele simplesmente enfrentando a marcação dupla com dribles e arremessos rápidos ao invés de se tornar previsível com os passes constantes. Além disso, Ben McLemore (resgatado das cinzas por um Rockets desesperado por mais arremessadores de três pontos, frente às dobras em Harden) converteu 6 bolas de três pontos, punindo o plano do Hawks – que não foi sequer suficiente para impedir Harden de marcar SESSENTA PONTOS, incluindo 8 bolas de três pontos e 20 lances livres. A vitória esmagadora, por 47 pontos, foi muito importante para o time: mostrou não apenas que o Rockets estava se adequando à nova “tendência defensiva”, mas também que nem todo time podia se dar ao luxo de tentar a novidade. Defesas medonhas como o Hawks acabam ficando ainda mais expostas ao tentar as dobras pois são incapazes de se recompor organizadamente enquanto a bola é passada ao redor da quadra.

Alguns dias depois foi a vez de enfrentar o San Antonio Spurs, que imediatamente tentou a mesma defesa. As duas primeiras posses de bola do Rockets no jogo podem ser vistas abaixo e contam bem qual era o plano e a resposta a ele:

Assim que um corta-luz se aproxima, o Spurs dobra a marcação. Das duas vezes, a jogada é IDÊNTICA: Capela recebe um passe por estar mais próximo de Harden, toca imediatamente para Westbrook no perímetro que ataca a cesta, e aí devolve a bola para Capela, que ainda está livre. Na primeira jogada, uma bandeja; na segunda, enterrada. O técnico Gregg Popovich parou o jogo imediatamente depois e as dobras passaram a ser mais eventuais, o que permitiu a James Harden marcar 50 pontos, converter 24 lances livres e dar aquela enterrada bizarra que foi invalidada pelos árbitros – o Rockets acabou perdendo por 2 pontos no polêmico jogo de duas prorrogações, mas não foi por ser pego de surpresa dessa vez.

O próximo jogo foi então contra o Toronto Raptors, uma das melhores e mais criativas defesas dessa temporada. Será que até eles tentariam o modelo de defesa ginasial? Pois tentaram, e de maneira ainda mais absurda: que tal essa primeira jogada da partida em que Harden recebe marcação dupla SEM A BOLA, o que deixa PJ Tucker completamente livre para um arremesso de três pontos da zona morta?

A ideia foi não deixar Harden jogar e desafiar não apenas os arremessadores do Rockets a converterem suas bolas, mas também Clint Capela a continuar dando os passes que vimos contra o Spurs. Nos primeiros três minutos de jogo Marc Gasol roubou a bola três vezes das mãos de Capela, por exemplo, inviabilizando completamente o uso do pivô fora do garrafão para receber os passes de Harden. Com a marcação caricata que Harden recebeu e com um Capela sufocado, Westbrook assumiu completamente a condução das jogadas e Harden só cobrou 6 lances livres, arremessando meras 11 bolas, convertendo 7 e ficando com 23 pontos no total – marca ainda pior do que aquela primeira partida contra o Nuggets que inaugurou a leva de marcações duplas. O Raptors chegou ao ponto de marcar Harden de maneira pressionada mesmo quando ele estava sem a bola na QUADRA DE DEFESA. Tirei essa foto aqui para imortalizar o momento e poder gargalhar com vocês:

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Pode contar aí: esse é o Rockets atacando com apenas 4 jogadores porque o Harden não voltou para o ataque o Raptors manteve um defensor nele MESMO ASSIM, passando a defender com 4 jogadores também. É mole?

Mas tudo bem, porque o Rockets soube se aproveitar dessa defesa exagerada para converter 22 bolas de três pontos, incluindo 8 do renascido McLemore e vencer o Raptors – na época completo, com Kyle Lowry e Pascal Siakam – por 10 pontos. Foi um marco simbólico de que a defesa do Nuggets pode cobrar um preço caro, e que o Rockets sabe se aproveitar disso.

No dia 20 de dezembro foi a vez do Rockets se vingar do Clippers, um dos responsáveis pela sequência de 3 derrotas que discutimos anteriormente. Novamente vimos as dobras, mas dessa vez o Rockets fez o ataque rodar através de Westbrook – como havia acontecido contra o Raptors – e o armador saiu de quadra com 40 pontos, o bastante para deixar o jogo apertado até o finalzinho. E aí, com o placar estreito e o jogo avançando no quarto período, eis que o Clippers simplesmente ABANDONOU as dobras defensivas em Harden completamente. Não sei explicar, mas posso chutar: talvez o técnico Doc Rivers tenha achado que deixar jogadores do Rockets inteiramente livres nos momentos finais poderia “pegar mal”, e que uma defesa considerada tão infantil seria criticada em caso de um arremesso decisivo. E aí, sem as dobras, James Harden converteu duas bolas de três pontos consecutivas com um passo para trás em cima de sua marcação individual e o Rockets venceu por 5 pontos. Fim.

Se uma decisão desesperada do Nuggets passou a ser copiada por tantos times no período de um mês – sem que as equipes pudessem sequer treinar e aperfeiçoar essa escolha defensiva – foi porque é consenso na NBA que não é possível deixar James Harden sob marcação individual, como vimos pelos números históricos que ele tem conseguido. Seu aproveitamento é tão alto no mano-a-mano que é preferível passar a vergonha de usar uma defesa primária do que vê-lo dar um arremesso de três pontos contestado com um passo para trás durante um jogo. Coube ao Rockets então se adequar a isso e punir essa escolha primária a ponto de que, no fim de um jogo, Doc Rivers tenha receio de manter o plano e prefira o sangramento menos pior – Harden no mano-a-mano, porque pelo menos parece, para os torcedores e a imprensa, que a defesa está “fazendo sua parte”. Com os bons resultados do Rockets e técnicos como Popovich e Doc Rivers desistindo do plano no meio dos jogos, era para essa defesa ser apenas uma história momentânea, algo que passa batido em meio aos causos de uma longa temporada – um time tentou algo inusitado, outros copiaram, o Rockets se adequou e aí todo mundo pensou melhor, viu que era absurdo e desistiu. Mas ao invés dessa história morrer, eis que a vimos ser imortalizada pela memorável Rodada de Natal.


Com a pior campanha da NBA, o Golden State Warriors sequer deveria estar na Rodada de Natal, famosa vitrine para os melhores e mais empolgantes times da temporada – a presença do time na data festiva se deve somente ao fato de que ninguém poderia imaginar quão ruim eles seriam no momento em que foi desenhada a programação televisiva. Com uma das piores defesas da NBA e absolutamente nada a perder, era de se esperar que o Warriors também tentasse a “defesa Nuggets”, dobrando em Harden sem nenhum contexto, mas o Rockets deveria se aproveitar disso em todas as jogadas, assim como aconteceu logo no quarto inicial:

Ou então como nessa jogada abaixo, em que Harden sofre marcação dupla ainda na quadra de defesa, aciona PJ Tucker que (assim como vimos acontecer com Capela nos vídeos anteriores) passa imediatamente para Westbrook, que ataca a cesta:

Mas ao invés disso, nada resume mais a derrota do Rockets no Natal do que essa METRALHADORA GIRATÓRIA DE COCÔ que vemos no vídeo abaixo. Preparem o estômago:

https://streamable.com/mqaxq
Na primeira posse de bola, um repeteco da jogada ideal: dobra em Harden na quadra de defesa, passe para um Danuel House livre na cabeça do garrafão e outro passe para um Westbrook cortando para a cesta. Problema: Westbrook erra a bandeja, cedendo um contra-ataque. Na segunda posse de bola, Westbrook tenta tocar o ataque sem Harden, é bem marcado por Draymond Green, faz uma quantidade gigantesca de NADAS e no final do cronômetro de posse devolve a bola para o Harden num incrível “se vira aí”. E não é que dá tempo de Harden receber a marcação dupla, encontrar um passe de costas incrível para PJ Tucker, que roda a bola para um arremesso de três livre na zona morta de Danuel House? Problema: o arremesso simplesmente não cai. Com Harden cobrando apenas um lance livre e o Rockets acertando apenas 31% das bolas de três pontos, o Warriors conseguiu uma vitória suada e fez parecer que Harden não estava preparado para as dobras, que não foi agressivo, que não tinha respostas – justo em rede nacional, com a galera enchendo o bucho de comida no Natal e comentando sobre um dos jogadores que já está entre os mais criticados e mal compreendidos da NBA.

Voltando no tempo até novembro de 2019, vemos que Harden estava preparado e o Rockets tinha respostas, elas apenas não funcionaram porque os arremessos não caíram quando estava todo mundo olhando. Prova de que a derrota para o Warriors foi um lapso é o último jogo de 2019, quando o Rockets enfrentou novamente o Denver Nuggets, o time que começou essa bagunça toda: já sabendo como responder às dobras, Harden somou 35 pontos, o Rockets acertou 47% das suas bolas de três pontos e o Nuggets perdeu por 26 pontos de diferença, um atropelamento de trem.

O único problema é que o Rockets tem um dos jogadores mais dominantes ofensivamente de todos os tempos e, graças a uma defesa infantil que qualquer time da NBA pode reproduzir, não pode usar esse jogador exatamente como gostaria. Talvez isso não impeça Harden de marcar 50 pontos nos Playoffs, e ainda permita que Clint Capela, PJ Tucker e Westbrook decidam jogos importantes com mais espaço e oportunidade do que teriam em qualquer outro time de suas vidas. No entanto, a ideia de que sejam eles a decidir num jogo decisivo – ou que Harden precise sair totalmente da sua zona de conforto para manter sua média de pontos – é apavorante para qualquer torcedor com bom senso. Não é que o Rockets não tenha encontrado soluções – pelo contrário, as encontrou bem rapidamente, e com a temporada regular andando. Mas essas soluções parecem, especialmente em jogos importantes, menos eficientes do que o bom e velho James Harden no um-contra-um. Na hora do desespero, precisando pará-lo, os adversários não hesitarão em recorrer à tática ginasial, preferindo testar um arremesso de PJ Tucker do que de um dos maiores pontuadores de todos os tempos. A ideia de Michael Malone talvez não valha a pena na temporada regular, mas nos Playoffs faz todo o sentido: com a corda no pescoço, é preferível perder para qualquer outro jogador não chamado James Harden. E contra isso, não há muito que o Rockets possa fazer.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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