Jogar em velocidade, acelerando rumo aos contra-ataques e aumentando o número de posses de bola por jogo tem se tornado cada vez mais comum na NBA. Muitos times escolhem essa abordagem porque, com o maior número de arremessos conseguidos quando se aumenta o ritmo do ataque, mais gente pode dar arremessos, mais gente sente que está participando ativamente do jogo e, portanto, mais gente fica engajada e interessada no jogo durante toda sua duração. Não é à toa, portanto, que dois dos times mais MACAMBÚZIOS e DESESPERANÇOSOS da temporada passada, Atlanta Hawks e Sacramento Kings, tenham adotado oficialmente o “basquete-correria”.
O Hawks é, atualmente, o time que mais joga em velocidade na NBA, seguido de perto pelo Kings. Os dois times seguem, entretanto, caminhos opostos em questão de número de vitórias: enquanto a equipe de Atlanta é o PIOR TIME da temporada, amargando uma emblemática última colocação geral, o time de Sacramento é uma das gratas surpresas até aqui, brigando cabeça-a-cabeça por uma vaga nos Playoffs do Oeste e contribuindo para o clima de qualquer equipe tem chances de pós-temporada na Conferência. Por que será que a estratégia da velocidade está tendo resultados tão diferentes para as duas equipes?
O principal motivo é um erro TERRÍVEL de gestão por parte do Kings que se converte, hoje, num momento excelente e num futuro promissor. Para entender essa bagunça, precisamos voltar para 2015, quando o time de Sacramento ainda tinha DeMarcus Cousins como o pilar da franquia e estava desesperado para encontrar alguma maneira de se tornar um time relevante e segurar sua grande estrela. Para abrir espaço na folha salarial para contratar alguém de peso para ajudar o time ou para oferecer um contrato super-máximo para Cousins, um dos primeiros jogadores que teriam acesso a um contrato especial acima do limite estabelecido, o Kings resolveu se livrar de Jason Thompson, Carl Landry e Nik Stauskas. O time que resolveu aceitar os 13 milhões de dólares em contratos foi o Sixers, que estava em pleno projeto de reconstrução e se negava a assinar jogadores caros justamente para ter espaço em sua folha salarial e “absorver” contratos indesejados de outras equipes. Pelo “serviço prestado” de receber esses jogadores, o Sixers cobrou apenas a possibilidade de inversão de draft em 2016 e em 2017 e a primeira escolha de draft do Kings em 2019. Em 2016 o Kings teve uma campanha melhor do que o Sixers, então a inversão não ocorreu, mas em 2017 veio o duro golpe: o Kings conseguiu a primeira escolha do draft, o Sixers conseguiu apenas a quinta, e aí a inversão veio como um golpe de machado.
A economia de 13 milhões não adiantou NADA para o Kings, que não atraiu ninguém de peso (o melhor que conseguiram foi um Rajon Rondo desacreditado) e ainda resolveu que não valia a pena ficar com DeMarcus Cousins, que foi trocado logo em seguida a críticas públicas ao então técnico George Karl, de modo que as inversões e a escolha de 2019 foram entregues praticamente DE GRAÇA. Foi a gota d’água em anos e anos de má gestão em Sacramento e levou Vlade Divac a assumir o posto de General Manager da equipe num novo processo de reconstrução.
O começo da gestão de Divac já foi imediatamente bem-sucedida, meio sem querer: trouxe Dave Joerger, notoriamente um dos mais inteligentes técnicos da nova geração do basquete, e com a quinta escolha do draft escolheu De’Aaron Fox, escapando da FURADA que seria ter a chance de pegar Markelle Fultz na primeira posição. Foi assim que com um elenco jovem, um técnico querendo mostrar serviço e a AUSÊNCIA DE ESCOLHA DE DRAFT no ano que vem, o Kings finalmente se viu livre para um plano improvável: vencer jogos de basquete.
Alguns times em processo de reconstrução precisam, acima de tudo, PERDER jogos. É claro que vencer partidas pode ser importante para o processo de maturação dos novos jogadores e é desejável que seu jovem núcleo esteja fazendo as coisas certas em quadra – o que, em teoria, deveria levar o time a vitórias – mas vencer demais tirará da sua equipe uma valiosíssima escolha de draft e poderá colocar pressão demais em jogadores que ainda não estão prontos. É por isso que quando começou a vencer jogos demais na temporada passada o Chicago Bulls fez questão de se livrar de Nikola Mirotic, que não estava nos planos da equipe a longo prazo e estava jogando BEM DEMAIS para que o time perdesse com a frequência pretendida. O Hawks da temporada atual está no mesmo caminho: quer perder o máximo possível enquanto tenta evoluir seus jovens jogadores.
Com isso em mente, o aumento de velocidade da equipe de Atlanta não tem nenhuma relação com a vontade de “melhorar” a equipe, apenas quer deixar o clima da equipe mais agradável e oferecer aos jogadores o maior número viável de posses de bola para que adquiram mais “milhagem”, números inflados e chances de experimentar. Perder faz parte de planos de médio e longo prazo na NBA, e dará tempo para que Trae Young se desenvolva enquanto joga o maior número de posses de bola entre qualquer jogador da NBA até lá.
Alguns times em reconstrução, entretanto, não possuem escolhas de draft porque FIZERAM CAGADA, de modo que não podem basear nisso seu processo de evolução. É o caso do New Jersey Nets, por exemplo: o time abriu mão de sua escolha de draft ou permitiu que times trocassem de lugar com eles, prejudicando sua colocação, em 2011, 2012, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, incluindo o que teria sido a primeira escolha do draft passado. Não fazia nenhuma diferença pra eles perder, portanto. Mesmo assumindo que o processo de reconstrução será lento, o time tenta vencer o máximo possível de jogos, na crença de que isso colocará seus jogadores na “mentalidade correta”, na “intensidade” desejada, e não acostumados com a derrota como ocorre com muitos times jovens demais. O Nets se orgulha de estar fazendo sempre as coisas certas, mesmo perdendo. Eles não tem qualquer motivo para não tentar ganhar.
Ainda que apenas por uma temporada, o Kings se encontra na mesma situação: o time é jovem, não deveria ter qualquer pretensão, mas se perder jogos demais não tirará NENHUMA vantagem disso, por não ter sua escolha de draft. Quando perguntado sobre o desejo do time em vencer jogos na temporada 2018-19, o armador Buddy Hield foi categórico: “Todo mundo espera vencer. Nós esperamos grandes coisas. Por que não?”
Ainda que o desejo esteja lá, é difícil vencer jogos com um elenco tão novo e que, segundo o próprio De’Aaron Fox, não tinha qualquer traço de identidade até a temporada passada. Esse costuma ser um problema comum em times jovens e sem estrelas: os jogadores são muito maleáveis, tendem a não ter uma personalidade específica em quadra, e os técnicos não sabem qual padrão de jogo impor para “moldar” os garotos – especialmente porque times em reconstrução ADOOORAM demitir técnicos a torto e a direito. O próprio Kings teve 6 técnicos nos últimos 7 anos, um pesadelo para quem precisa decidir como raios a molecada deve ou não jogar.
A princípio, quando chegou a Sacramento na temporada passada, o técnico Dave Joerger tentou um estilo lento, cadenciado, super regrado, para tentar criar uma “estrutura” para os garotos se sentirem mais tranquilos. Não funcionou: o time parecia não entender as movimentações táticas, os jogadores perdiam o interesse durante o jogo e a equipe era a mais LENTA, em termos de ritmo de jogo e posses de bola, de toda a NBA. Para essa temporada, a ideia é justamente a OPOSTA: correr sem parar. Nas palavras de De’Aaron Fox, a orientação de Joerger é simples: “Se vamos errar, que seja correndo a 150 quilômetros por hora”.
O Hawks do técnico Lloyd Pierce corre ainda mais, na mais pura LIBERDADE E GRITARIA nas mãos de Trae Young, e como previsto perde sem parar, além de perder A BOLA no meio da bagunça – o time de Atlanta só perde menos bolas do que o Suns, o time que famosamente não tem armador. O Kings, por sua vez, quer errar a 150 quilômetros por hora mas manter suas chances de vitória, de modo que dediquei as últimas semanas a tentar entender qual estrutura dava à correria da equipe algum tipo de coesão e controle. A resposta é mais simples do que eu imaginava: assista a um jogo do Kings e você não verá ninguém bater a bola três vezes seguidas no chão se não estiver indo na direção de um corta-luz ou para dentro do garrafão.
Ao invés de deixar a bola com seus jogadores e esperar que eles criem ou executem jogadas, enfrentem seus marcadores no mano-a-mano ou encontrem espaços na marra, o que o técnico Dave Joerger propõe é que todo jogador que tocar na bola faça uma ação IMEDIATAMENTE. Isso significa passar, tentar um arremesso ou bater para dentro no mesmo segundo em que receber a bola. Às vezes isso significa que um jogador recebe a bola e imediatamente se desloca, batendo a bola. Até essa bola tocar no chão pela terceira vez, o jogador já tem que ter alcançado o garrafão ou então ALGUÉM, não importa quem, tem que ter se aproximado para oferecer um corta-luz, que o jogador com a posse usará e então imediatamente se livrará da bola, com um arremesso, passe ou infiltração.
O resultado dessa proposta é às vezes MUITO ENGRAÇADO: os jogadores jogam com um senso de urgência meio obsessivo, como se estivessem estressados, meio exageradamente cafeinados. Quando não há um passe óbvio, infiltração viável ou nenhum corta-luz se aproxima, os jogadores se veem obrigados a dar arremessos malucos, de modo que 42% de todas as bolas arremessadas pelo time acontecem nos primeiros 9 segundos do cronômetro de posse de bola. E para piorar, muitas vezes quando um jogador coloca a bola no chão temos dois ou até TRÊS jogadores correndo na direção dele para gerar um corta-luz, se trombando no processo e gerando a maior confusão.
Mas os benefícios dessa máquina movida a café são inegáveis. Para começar, todos os jogadores estão o tempo INTEIRO ligados na bola, porque podem receber um passe a qualquer segundo ou ter que fazer um corta-luz de emergência em qualquer lugar da quadra. Além disso, a velocidade que isso gera faz com que sobre arremesso pra todo mundo, é o famoso “todo mundo come” exigido por Breadley Beal no Wizards. Para manter os passes funcionando e os corta-luzes saindo, também é preciso se mover o tempo todo, mesmo que a movimentação seja meio caótica e os jogadores muitas vezes batam cabeça. Por conta disso, as defesas adversárias ficam muito perdidas: é impossível ter tempo para respirar, tem gente correndo por todo lado, e a movimentação constante aumenta as chances dos defensores errarem seu posicionamento durante uma jogada. Em termos estatísticos, dá pra ver como jogar em ritmo tão frenético traz resultados positivos: o Kings é líder DISPARADO em pontos de contra-ataque por jogo, um dos cinco times a mais pontuar no garrafão e o terceiro time a mais pontuar quando o adversário perde a bola.
Acompanhar o Kings de perto deixa evidente que o esquema tático é simples demais, quase “tosco”, muito distante das máquinas cheias de engrenagem que vemos nos times mais maduros por aí. Mas enquanto vários desses ataques complexos parecem assustadoramente estáticos, travados, engessados (como é o caso de Celtics, Mavs e até Rockets nessa temporada), o do Kings parece MACIO. É claro que eles se trombam, fazem burradas e são obrigados a tentarem coisas absurdas, mas sempre estão fazendo ALGO, nunca há um jogador parado, batendo bola por longos segundos enquanto encara um adversário e a defesa se posiciona milimetricamente. Nesse ambiente criado pelo técnico Joerger, todas as decisões são tomadas em um mísero segundo, e em caso de erro é possível tentar de novo em instantes. Sem ter que pensar demais e construir jogadas do zero, De’Aaron Fox agora parece uma estrela, com Kevin Durant afirmando, logo após enfrentá-lo, que Fox é o tipo de jogador que “transforma franquias”. Buddy Hield, depois de dificuldade para encontrar seus arremessos, agora tem oportunidades de sobra para tentar – só não arremessa mais porque tem muito mais gente arremessando ao seu redor, o que também impede que ele impacte negativamente a equipe nos seus dias ruins. O clima é tão bom, tão feliz, com os jogadores tão envolvidos, que temos Zach Randolph, oficialmente cortado da rotação do time para dar prioridade para os jogadores mais jovens, torcendo loucamente no banco de reservas – e sem indícios, ainda, de que será mandado embora, por ter se tornado uma “figura positiva” para o elenco nos vestiários.
O começo do Kings nesse modelo que estou chamando de “três batidas de bola ou menos” tem sido tão positivo que já deixou os técnicos adversários em clima de alerta: Gregg Popovich e Steve Kerr, dentre outros, já comentaram sobre a evolução promovida por Dave Joerger, como ele deveria ser cotado para “Técnico do Ano”, como o time evoluiu como nenhum outro para essa temporada e como lutará por Playoffs. O sucesso foi tanto e tão inesperado que até a diretoria do Kings ficou surpresa – e um pouco incomodada. Sonhando com a pós-temporada o técnico Joerger estava usando pouco o recém-draftado Marvin Bagley III, que deveria, aos olhos da diretoria, estar ganhando muitos minutos – a ideia é vencer, mas a prioridade para eles ainda é desenvolver os calouros e vencer deveria funcionar justamente para isso, lhes dar experiência. Joerger, que é tudo menos burro, já deu um jeito de não deixar o Kings ser Kings e estragar tudo com uma possível demissão: os minutos de Bagley já saltaram de 22 por jogo para 28 na última semana, pra deixar todo mundo feliz.
É claro que com interferência da diretoria, novatos cometendo erros, um esquema de jogo tão aberto e dependente dos jogadores e os técnicos adversários – incluindo os renomados! – todos de olhos, vencer ficará progressivamente mais difícil para o Kings. Seria muito, muito fora do esperado que eles de fato alcançassem a pós-temporada ainda em 2018-19. A possibilidade, no entanto, existe. Tudo graças a trocas horríveis que acabaram gerando o momento certo, a ausência de necessidade de perder, e um técnico tentando uma das abordagens mais estranhas e originais dos últimos anos. Correria pode significar mais erros, um basquete irresponsável e derrotas vergonhosas em Atlanta, mas em Sacramento estamos vendo que há uma outra possibilidade para times jovens que querem jogar em velocidade: errar a 150 quilômetros por hora com todos os jogadores participando, se movendo e inteiramente ligados na partida é infinitamente melhor do que errar com todos os jogadores estáticos, plantados cada um em seu canto, numa jogada em que ninguém sabe como agir quando algo não sai como o esperado.