🔒Esperança para Andre Drummond

O técnico Stan Van Gundy é o responsável por montar um Orlando Magic que chegou às Finais da NBA em 2009. Seu conceito, ousado na época, era manter Dwight Howard como única peça de garrafão e cercá-lo de arremessadores de três pontos – inclusive pagando um polêmico contrato que tornou o especialista em bolas de três pontos Rashard Lewis um dos 10 jogadores mais bem pagos da NBA naquele momento. Para termos uma ideia, aquele Magic arremessava 26 bolas de três pontos por jogo (uma a menos que o líder da NBA, o Knicks, e 5 a mais do que o terceiro colocado), liderando a Liga em bolas de 3 pontos convertidas por jogo com 10. A estratégia dava a Dwight Howard mais espaço para atuar embaixo da cesta ao mesmo tempo em que colocava pouco a bola em suas mãos, fazendo com que ela rodasse continuamente no perímetro.

Quando Stan Van Gundy foi contratado para comandar o Pistons em 2014, esperava-se que ele repetisse a mesma estratégia, mas dessa vez com o promissor Andre Drummond no lugar de Dwight Howard. Com as bolas de três pontos em alta, o plano de Van Gundy não seria ousada, mas simplesmente “antenado com os novos tempos”. O plano era finalmente tornar o Detroit Pistons um time moderno.

O problema é que a NBA mudou imensamente desde 2009. Se o líder da época arremessava 27 bolas de 3 pontos por jogo, hoje o Houston Rockets lidera a NBA com 40 arremessos do perímetro por partida. Se jogasse hoje, o Magic que chegou às Finais da NBA estaria na décima quinta colocação em arremessos de três por jogo, exatamente no meio da tabela. Ou seja, para conseguir uma vantagem seria necessário arremessar muito mais, e dessa vez com defesas preparadas para enfrentar esse tipo de ataque. O aproveitamento daquele Magic colocaria o time no mesmo nível de aproveitamento do atual Golden State Warriors no perímetro, algo que hoje seria impraticável com o tipo de defesa dedicada que os times utilizam rotineiramente.

Mas não era essa a única encrenca que Van Gundy teria que resolver. Rapidamente, para tristeza de muitos, Andre Drummond mostrou não ser nenhum Dwight Howard da vida – e por favor, por “Dwight Howard” entendam aquela época em que seu nome ainda era um elogio. Já na temporada incrível em que teve 16 pontos e quase 15 rebotes por jogo, em 2015-16, Drummond passou a receber marcação específica, ser “empurrado” para fora das jogadas e, principalmente, sofrer faltas todas as vezes em que tocava na bola. Seu aproveitamento em lances livres naquela temporada foi de 35%, resultando em 38% na carreira – suficiente para a PIOR MÉDIA da história da NBA. Para comparação, Ben Wallace – o segundo colocado em RUINDADE – acertava 41% dos seus lances livres.

Esse tipo de aproveitamento é suficiente para SEMPRE valer a pena fazer falta em Drummond, impossibilitando o pivô de ficar em quadra em jogos disputados e na maior parte dos períodos finais de partida. Mas não é só isso: precisando cada vez de mais bolas de 3 pontos, o Pistons tinha problemas em aproveitar Drummond, progressivamente mais incapaz de acompanhar o ritmo da equipe. Para alguns mais forte, para outros simplesmente mais pesado, Drummond parecia impossibilitado de se mover pela quadra da maneira necessária para os novos tempos, sendo facilmente batido pelos “unicórnios”, os jogadores gigantes que correm como se fossem armadores. Além disso, a falta de mobilidade de Drummond o impedia de marcar no perímetro durante as trocas de marcação e sua defesa de pick-and-roll, por conta disso, se tornou uma das piores de toda a Liga. No ataque, sua necessidade de cortar para a cesta após cada corta-luz criava uma encrenca enorme: ele não podia receber a bola, sob risco de simplesmente receber uma falta, mas também ocupava espaço (e bota espaço nisso, porque ele é enorme) embaixo da cesta, dificultando as infiltrações de quem quer que usasse seu corta-luz. Não à toa seus minutos despencaram e começamos a questionar se Drummond não iria ser mais um desses casos de pivôs que se tornaram obsoletos. Ao invés de evoluir seu jogo rumo ao estrelato, nos restava apenas cogitar se Drummond estava involuindo ou se ele apenas havia estagnado – com a Liga inteira evoluindo ao seu redor, deixando-o para trás.

Para essa temporada as coisas precisavam mudar. Stan Van Gundy precisava decidir se abria mão de Drummond – que, dizem nos bastidores, foi agressivamente envolvido em propostas de troca ao longo da offseason – ou se criava um novo modelo tático capaz de incorporá-lo no elenco sem abrir mão das bolas de três pontos e do espaçamento em quadra. O primeiro passo para isso foi o pivô se distanciar dos diversos rumores sobre sua falta de comprometimento com o condicionamento físico – histórias que o perseguem desde seus tempos de colegial – e adentrar a nova temporada com a melhor forma de sua carreira. Perdeu 15 quilos, trancou-se num ginásio com seu técnico universitário para reconstruir seu corpo e sua mecânica de lances livres, encontrou um novo ritmo de arremesso, aprendeu a respirar antes das cobranças para limpar a pressão e ganhou um novo nível de condicionamento. Participando da “Drew League”, um famoso torneio informal só para “estrelas convidadas”, já dava para ver que Drummond está muito mais leve e veloz na transição:

Esse novo Andre Drummond encontrou também um novo Detroit Pistons para essa temporada, ao menos em mentalidade. Avery Bradley é mais um de uma longa lista de jogadores que saem de Boston carregando uma certa “cultura do Celtics”. Tony Allen transformou o Grizzlies numa potência defensiva de postura invencível mesmo frente às adversidades, Kendrick Perkins mal jogava e mudou totalmente o vestiário do OKC Thunder, levando o time para o próximo nível. Bradley chegou nesse Pistons desacreditado dizendo que ele seria o Melhor Jogador Defensivo do Ano e que isso o levaria para o All-Star Game, porque o Pistons ia se consolidar como uma força do Leste na base do esforço, da dedicação e da defesa. Ele é uma forte presença nos bastidores, um líder fora das quadras, e garantiu para os demais jogadores do elenco que dedicação era tudo que faltava para que o time fosse vencedor.

Apesar do poder do discurso, todos nós sabemos que dedicação não é suficiente – Van Gundy também precisava fazer essas peças, que sempre pareceram muito aleatórias, funcionarem juntas. E mesmo mais leve e supostamente com uma melhor mecânica de arremesso, encaixar Drummond ainda seria um desafio. Dava até pra esperar alguma melhora, mas era difícil acreditar em qualquer mudança drástica num elenco que parecia ter alcançado seu limite. E foi aí que a temporada começou e o Pistons, em dois dias seguidos, tirou a invencibilidade do Los Angeles Clippers (ainda com Milos Teodosic, que se contundiu logo depois) e em seguida derrotou o Golden State Warriors, os dois jogos fora de casa. Nesse momento estão em terceiro lugar no Leste, ainda que a Conferência esteja muito embolada, mas não restam muitas dúvidas de que eles podem competir com qualquer equipe por ali. O encaixe deu certo.

Uma das principais mudanças é que ninguém no time passa muito tempo com a bola nas mãos. Reggie Jackson, que chegou no Pistons sonhando em ser All-Star depois de seu tempo com minutos limitados no OKC Thunder, entrou em diversas polêmicas por retornar ao time após suas várias lesões e sempre comprometer o ritmo do ataque, monopolizando os arremessos e exagerando nas infiltrações. Nessa temporada ele não tem permissão para fazer isso: corre para o ataque e toca a bola rapidamente de lado para que alguém arremesse imediatamente, ataque a cesta, ou então passe para o lado de novo. Nada no Pistons leva mais do que dois segundos, tudo é decidido de maneira instantânea para pegar as defesas sempre em movimento e, portanto, fora da posição ideal.

Ninguém se adequou tanto a esse esquema quanto Tobias Harris, que arremessa ou infiltra em qualquer oportunidade e virou uma arma ofensiva poderosa. É evidente que ele é muito melhor nesse ritmo de ataque do que em jogadas de isolação e carregando a bola, como fez em diversos momentos da temporada anterior. Reggie Jackson, por sua vez, também tem chances de atacar a cesta, mas só quando a bola volta para ele ou as jogadas quebram por completo, usando sua criatividade sem abrir mão do resto do elenco para isso. Parte desse ritmo acelerado se dá porque a movimentação é constante e sempre vemos um jogador sem a bola saindo de um corta-luz em cada lado da quadra, dando a quem tem a bola sempre duas opções possíveis de passe. Ninguém tem desculpa pra individualizar o jogo e morrer com a bola nas mãos.

Mas talvez o mais surpreendente e mais decisivo para o sucesso desse time seja como o Pistons está usando melhor Andre Drummond sem colocá-lo nas situações em que ele era prejudicado na temporada passada. Separei abaixo uma série de jogadas que mostram como Drummond é essencial, recebendo cada vez mais a bola – mas quase nunca para finalizar, e quase sempre inteiramente fora do garrafão.

A jogada abaixo não gera um arremesso convertido, mas por ser a jogada inicial da partida mostra exatamente qual era a INTENÇÃO do Pistons como plano logo de cara:

 

Vejam que Drummond recebe a bola com um pé na linha de três pontos e imediatamente “solta” a bola para Tobias Harris, que recebe um corta-luz fora da bola de Avery Bradley. Vejam que Drummond protege com seu corpo para que Tobias Harris tenha espaço para o arremesso e só corta para a cesta para poder lutar pelo rebote ofensivo, estabelecendo posição embaixo da cesta.

 

Vejam na cesta exatamente a mesma jogada, mas dessa vez com Tobias Harris fazendo o corta-luz para Avery Bradley, que resolve usar o espaço que recebe de Drummond de uma maneira um pouco diferente:

 

Ao invés de arremessar de três pontos, Bradley aproveita sua corrida para continuar seu caminho e cortar para a cesta enquanto Drummond tira da jogada Hassan Whiteside, que precisa se livrar do pivô para contestar o arremesso e, por isso, chega atrasado e faz a falta em Bradley.

No vídeo abaixo, mais uma jogada IDÊNTICA com Bradley, mas quando seu defensor já espera que ele saia do outro lado de Drummond para cortar para a cesta, o esperto armador simplesmente breca seu movimento e usa Drummond como um corta-luz, batendo para a cesta sem problemas. O defensor acaba fazendo falta em Drummond no desespero, e o pivô sequer teve que se mexer muito:

 

Abaixo, mais uma jogada no mesmo estilo, mas dessa vez Avery Bradley não recebe corta-luz de ninguém antes de Drummond “soltar” a bola para ele:

 

Vejam que Bradley vai para a direita de Drummond e, quando seu marcador se antecipa para impedir mais uma infiltração, tudo que Bradley precisa fazer é VOLTAR, de modo que Drummond serve como um corta-luz involuntário e o armador tem espaço para arremessar com tranquilidade.

No vídeo abaixo, EXATAMENTE a mesma jogada, para mostrar como não precisa muita coisa para que Bradley tenha espaço para arremessar – basta Drummond soltar a bola e Bradley ir para um lado e depois para o outro do pivô:

 

Percebam que todas essas jogadas não começam com um armador, mas sim com Drummond. É ele quem decide quando soltar a bola e cria espaços para os companheiros, usando sua força, tamanho e excelentes corta-luzes todos bem longe do garrafão. Quando a defesa adversária se antecipa, com um pivô pegando um lado enquanto o outro defensor pega o outro, então Drummond pode receber a bola razoavelmente livre para finalizar sem ter que jogar de costas para a cesta – uma das suas maiores fraquezas – e sem sofrer muito contato. As faltas que Drummond mais recebe são fazendo o corta-luz ou soltando a bola no perímetro, como vimos acima, então não é como se ele estivesse “perdendo uma cesta” quando sofre a falta, o que facilita muito a parte psicológica do arremesso. Isso, associado ao seu novo ritmo de lances livres, alavancou o aproveitamento do pivô a 61%, um número digno e quase o DOBRO do que ele fazia até a temporada passada.

O que o Pistons está fazendo de melhor é usar o elenco inteiro, deixando que todos finalizem as jogadas, mesmo quando o aproveitamento desses jogadores não é espetacular. E curiosamente a melhor maneira de usar Drummond é lhe dar a bola, mas FORA do garrafão, e deixar que seu tamanho sirva como um corta-luz natural para os jogadores arremessarem ou infiltrarem em questão de segundos, com decisões rápidas e um basquete fluido e veloz. Drummond não é Dwight Howard, ele é outro tipo de jogador, e bastava que Van Gundy encontrasse uma maneira de tirar proveito de suas habilidades no corta-luz sem comprometer o espaço no garrafão, permitindo que os demais jogadores possam infiltrar sem problemas. Por enquanto, o plano é um sucesso. Com os ajustes necessários até mesmo os pivôs mais tradicionais ainda encontram espaço em quadra, e se o Pistons chegar longe nessa temporada será com a participação essencial de um pivô que muitos acreditaram que não teria mais lugar na equipe. Ainda há esperança para Andre Drummond.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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