No começo da temporada passada, Bradley Beal foi categórico ao dizer que o Wizards era o melhor time da Conferência Leste. O discurso, ainda que meio ALUCINADO, tinha alguma sustentação: na temporada 2016-17 a equipe havia conquistado a quarta melhor campanha no Leste durante a temporada regular e perdido nas Semi-Finais de Conferência num Jogo 7 dramático. Havia uma sensação genuína de que o técnico Scott Brooks, que assumira a equipe, estava fazendo um bom trabalho, que Breadley Beal havia desabrochado sob sua tutela e que Otto Porter Jr. finalmente dava sinais de se tornar o jogador que se esperava. Com a lesão de Gordon Hayward no seu primeiro jogo pelo Boston Celtics e o começo atribulado do Cleveland Cavaliers antes da troca, o que impediria o Wizards de realmente se tornar a maior força do Leste?
As dúvidas quanto ao time remetiam, em geral, ao passado: o time também vinha de duas Semi-Finais de Conferência quando, DO NADA, implodiu na temporada 2015-16 e sequer alcançou os Playoffs. Parte por lesões, parte por uma queda incompreensível de rendimento, o Wizards teve uma temporada desastrosa que levou à queda do então técnico Randy Wittman. A sensação era de que algo interno, incompreensível, poderia derrubar o time a qualquer momento – quase como a maldição que atormenta o Los Angeles Clippers, por exemplo. Em termos de resultados e de talento o time deveria ser considerado parte da elite do Leste e passível de disputar as Finais da NBA todos os anos, mas ALGO sempre dá errado – às vezes moderadamente errado, como uma lesão nos Playoffs, mas às vezes tão tenebrosamente errado que o time parece um dos piores da NBA mesmo sem nenhuma mudança drástica no elenco ou no estilo de jogo.
É isso que torna o Washinton Wizards um time tão fascinante, assim como são fascinantes os ACIDENTES DE TREM. Estamos acostumados com as narrativas tradicionais da NBA, o time que está “em curva ascendente”, o que está em “curva descendente”, o que sempre perde, o que sempre vence, o que está em reconstrução, etc. O Wizards, por sua vez, é uma história nada convencional: é um time que deveria vencer, e que às vezes até vence, mas que de repente desaba como se fosse apenas uma equipe medíocre. Eles nos ensinam a esperar coisas grandes, e sem aviso nos entregam um basquete fraquíssimo de quem deveria estar reconstruindo ao invés de sonhando com grandes conquistas. O que tentamos criar, não apenas no esporte mas também na vida, é uma maneira de encontrar PADRÕES para limitar um pouco o caos que nos cerca: um time pode melhorar ou piorar ao longo da temporada, mas analisamos essas situações procurando razões, motivos, indicativos de que isso faça parte de um percurso. Quando o Wizards nos nega qualquer padrão, quando ele oscila de maneiras tão drásticas, ele nos suga para o seu CAOS e deixamos de saber o que esperar. O time resiste à maior parte de nossas análises.
Quando o Wizards não parecia o melhor time do Leste na temporada passada, se classificando para os Playoffs no mais puro sufoco e sendo eliminado na primeira rodada, a vontade de todos os analistas de NBA era de poder apontar os culpados: há um problema tático, o técnico é ruim, algum jogador não rendeu, houve uma lesão devastadora, o elenco é fraco, o banco é magro, etc. Mas a falta de padrão impede que possamos sequer apontar culpados coerentes. O esquema tático funciona em um dia, no outro os jogadores parecem estáticos; o banco parece entrosado, mas no jogo seguinte passa em branco; John Wall e Bradley Beal parecem encaixar em quadra, até que de repente parecem incapazes de jogar juntos. Apontar um motivo para a derrota num jogo serve apenas para você perceber que estava errado no jogo posterior.
Se esse caos tem alguma coisa para nos ensinar é o fato de que alguns elencos simplesmente não dão certo, para além de qualquer análise técnica ou estatística. Às vezes, um conjunto de pessoas apenas não funciona. Seres humanos, vez ou outra, não se gostam, não querem estar juntos, se negam a trabalhar coletivamente.
Se nunca tivemos muita certeza sobre o estilo tático de Scott Brooks, ao menos sabemos bem como é seu estilo nos vestiários: ele é um técnico que se orgulha de conversar pessoalmente com seus jogadores, fazendo críticas e sugestões individuais e trabalhando na evolução de cada jogador em particular. Nos bastidores, muito do amadurecimento de Kevin Durant e de Russell Westbrook é creditado ao técnico, que admite que sua maior qualidade é conseguir se “conectar” com seus jogadores. Quando chegou ao Wizards, entregou aos seus jogadores desafios pontuais: Beal precisava arremessar mais bolas por mês, John Wall precisava melhorar sua defesa no primeiro tempo, Otto Porter precisava ser mais agressivo, etc. Mas o que Scott Brooks mais pediu de seus jogadores em Washington foi, segundo relatos, ESFORÇO. Mesmo para a imprensa Brooks constantemente afirmava que seu time perdia para times piores que haviam jogado com mais esforço do que o seu.
Em geral eu seria o primeiro a criticar um pedido tão GENÉRICO quanto “esforço”, quase como se os atletas perdessem apenas porque “não se esforçaram o suficiente” – uma desculpa fantástica, aliás, para esconder as falhas da equipe técnica, da diretoria, das contratações, da equipe médica e até de questões sociais. Mas no caso do Wizards, o pedido de Brooks faz sentido: de tempos em tempos os jogadores simplesmente PARAM DE TENTAR, deixam de se mover em quadra, param de envolver uns aos outros, desistem de correr na defesa.
Ver o time no começo dessa temporada foi algo verdadeiramente incômodo, não apenas porque o basquete é feio PRA VALER, mas principalmente porque os jogadores parecem robôs desligados que só passam a funcionar quando tocam na bola ou quando há um jogador adversário batendo bola em sua frente. Fora isso, todo mundo parece estático, sem energia elétrica, esperando a morte chegar. Mas quando Scott Brooks pediu pela milésima vez “esforço” de sua equipe nos treinos da semana passada, John Wall não aguentou e xingou seu treinador. Se não funcionou até aqui, não é pela INSISTÊNCIA de broncas que o time de repente iria resolver pegar no tranco.
É evidente que existe algo profundamente quebrado na maneira como todo o elenco do Wizards funciona. Na temporada passada, quando John Wall se contundiu, Bradley Beal disse publicamente que o time estava se divertindo mais, passando mais a bola, que isso estava unindo o vestiário e que dessa maneira “todo mundo come” – uma história que contamos com detalhes num post do começo do ano. Mas a lua de mel durou pouco, com o time voltando a perder jogos sem Wall e Breadley Beal alcançando a terrível marca de apenas 5 acertos em 25 arremessos dados nos 30 segundos finais de jogos disputados na temporada – incluindo NENHUM acerto em 10 bolas de três pontos tentadas. O time parece ser mais feliz sem John Wall, mas visivelmente precisa dele. Quando as derrotas vieram, o elenco que parecia incrivelmente unido e empolgado nos vestiários já começou a apontar dedos, com acusações de que alguns estavam ali apenas para “somar números”, e tentativas de apagar o incêndio com John Wall e preparar terreno para que ele voltasse. Sem John Wall, o time não resiste às derrotas e implode; com John Wall, o time “se diverte menos” e implode.
Depois de Wall ter xingado Scott Brooks, algum jogador do Wizards veio a público, em caráter de anonimidade, e afirmou:
“Nós amamos Scott Brooks. Amamos jogar pra ele. Ele só não consegue treinar John Wall. Ele atropela o técnico e frustra todo mundo. O modo como ele joga é impossível de acompanhar. Temos armas demais e balas de menos. Se John jogasse sem a bola nas mãos e deixasse os outros comerem, estaria tudo bem. Mas é algo difícil para ele, e algumas vezes difícil para a gente de assistir ele fazendo.”
Austin Rivers, numa entrevista “amigável” ainda antes da temporada começar, disse que John Wall é diferente de Chris Paul porque ao invés de ditar o ritmo de jogo, como fazia Chris, Wall simplesmente corre pra frente com toda sua explosão e é preciso acompanhá-lo e ficar atento para receber a bola porque ele é um “passador generoso”. De fato, Wall é “generoso” como o é qualquer um que esteja entre os líderes em assistências da NBA – são 9 assistências por jogo em média durante sua carreira, com três temporadas acima das 10 assistências por partida – mas é a MANEIRA que essas assistências surgem que pelo jeito incomoda seus companheiros. Ao invés de passes de última hora no meio de contra-ataques, o que parece é que o resto do elenco gostaria de ver outros jogadores criarem jogadas e passes dados com a bola rodando pelas mãos de todos.
A insatisfação nos vestiários é tanta que temos acompanhado indícios e trechos dessa história ao longo de anos através de declarações feitas publicamente, para a imprensa. A reunião a portas fechadas que o time fez na temporada passada rapidamente rendeu depoimentos para a mídia, dizendo que a reunião não havia “servido pra nada” – e com John Wall dizendo que “conversar não adiantava mais”, que a solução precisava vir “de cima, da diretoria”. Só podemos imaginar que Wall se referia ou a uma troca de técnico ou a uma troca de jogadores – mas não ele, claro, que renovou um contrato gigantesco com o time e diz querer se aposentar em Washington. Alem disso, era possível ver que os dois principais jogadores do time não se bicavam desde que Beal assinou uma extensão milionária com o time e Wall passou a cobrar publicamente que ele jogasse bem o bastante para “justificar” o dinheiro investido.
Não acho importante, num grupo, que todas as pessoas gostem umas das outras, mas em geral existe alguma coisa – uma narrativa, um objetivo, uma pessoa – capaz de frear as desavenças e fazer com que elas sirvam até mesmo como motivação. LeBron James e Kyrie Irving não eram exatamente melhores amigos na vida pessoal quando foram campeões, e Kobe Bryant e Shaquille O’Neal tinham desavenças sérias durante seus três títulos conquistados. Mas o caso do Wizards é diferente porque não se trata de um conjunto de desavenças externas, de vestiário: os jogadores não se concordam EM QUADRA, e não há nada maior capaz de uni-los. É um caso de pessoas que não gostam de jogar umas com as outras e que, por uma fatalidade, dependem umas das outras para vencer – o que só aumenta, aparentemente, a raiva e o rancor mútuos.
O fascinante é que a diretoria OBVIAMENTE sabe disso há muito mais tempo do que nós, que comemos as migalhas de informação que nos são entregues nos ataques de raiva. A má postura do time em quadra é notória, a frustração e o desinteresse é evidente. Mas a posição da diretoria é deixar que isso se CURE SOZINHO, que a convivência faça essas desavenças desaparecerem.
Poucas vezes temos a chance de ver times da NBA que mantém seu núcleo principal por muito tempo, com as equipes tendo COCEIRA e fazendo trocas, contratações, mudando técnicos e General Managers a qualquer sinal de dificuldade. Recentemente vimos no Blazers e no Raptors exemplos de como manter times sem grandes mudanças pode ser benéfico em vários aspectos, permitindo união do grupo, entrosamento tático, um clima de tranquilidade para os jogadores, um processo de continuidade nos treinamentos, coerência no avanço individual dos jogadores, etc. Entendo os torcedores que ficam aflitos de ver que seu time não fará nenhuma grande mudança de uma temporada para a outra, mas muitas vezes é esse calma e estabilidade que permitem que os jogadores se desenvolvam e um esquema tático finalmente se consolide. Mas acredito que o Wizards é o melhor exemplo de como deixar o time como está não cura questões ESTRUTURAIS, não muda a maneira como os jogadores SE SENTEM uns com os outros.
Talvez por isso o Wizards desafie tanto nossas tentativas de análise tática e técnica: não estamos acostumados a lembrar que times são feitos de pessoas, e que um CLIMA BUNDA em quadra ou nos vestiários pode ser suficiente para inviabilizar um time em definitivo. Que jogadores, independente de quanto ganhem, podem se sentir desmotivados, deprimidos, infelizes, querer se divertir no trabalho ou simplesmente não estar ao lado de John Wall. Existe um FATOR HUMANO que resiste à análise e que muitas vezes pode ser um ponto fundamental para as equipes – pode derreter o Wizards, ou tornar o Warriors um lugar capaz de atrair Kevin Durant, por exemplo. Nessas horas em que as pessoas estão insatisfeitas, não adianta pedir “esforço”, é preciso construir um ambiente desejável e motivador – a falta de esforço é CONSEQUÊNCIA de algo, não causa.
Se fosse um videogame, o Wizards lutaria por um título: a gente juntaria apenas os dados, os números, a inteligência artificial, as jogadas e tudo daria certo como por mágica. Mas como a gente tem essa mania bizarra de colocar PESSOAS pra jogar, a situação por lá já está perdida e condenada há muito tempo. Salvo uma troca radical, clamar por “esforço” não será suficiente – seria preciso uma narrativa nova, radical, com cara de “recomeço”, uma chance de todo mundo fazer as coisas do zero, e aí John Wall usar a oportunidade para ser um jogador diferente. Mas quantos de nós estão dispostos a mudar nossas atitudes para parar um conflito quando é tão mais fácil ver a responsabilidade nos outros?