🔒O que é ser um “embiideiro”?

Apenas em sua segunda temporada de NBA, somando apenas 55 jogos disputados, Joel Embiid já foi presenteado com um jogo do seu Sixers na cobiçada “Rodada de Natal”. A rodada é a chance da NBA de apresentar para um público mais casual quais são as melhores histórias da Liga: os grandes times, as grandes rivalidades e as estrelas consagradas ou recém-chegadas. Joel Embiid ainda não somou partidas suficientes para contabilizar uma temporada completa em quadra, mas já é um dos rostos que a NBA quer que qualquer fã de basquete conheça. Seu caráter de estrela já é inegável e, quando saudável, é certamente um dos melhores e mais dominantes jogadores da atualidade.

Embiid é exatamente aquilo que se esperava. Chegou ao Sixers em 2014 como a peça principal de um longo e doloroso processo de reconstrução da franquia, perdeu as duas primeiras temporadas com lesões graves e inaugurou sua carreira na NBA apenas na temporada passada. Mas quando finalmente entrou em quadra, transformou-se em tudo aquilo com que os fãs mais apaixonados sonhavam: um desses talentos raros que realmente transformam uma franquia numa potência e moldam uma geração. É um desses casos em que as expectativas mais loucas coincidiram perfeitamente com a realidade.

Mas há um lugar em que Embiid é completamente diferente daquilo que se esperava: o mundo fora das quadras. Ao vencer sua primeira partida na “Rodada de Natal”, Embiid correu para sua conta no Twitter, postando uma foto sua na partida ao lado de Ben Simmons:

Sua ação espelha a relação das novas gerações com as redes sociais: momentos importantes do dia, locais, pessoas, comidas ou eventos viram imediatamente fotos a serem compartilhadas publicamente. O grande passo em sua carreira que é uma vitória na “Rodada de Natal”, uma espécie de “festa de debutante” para o grande público, tornou-se uma foto no Twitter como ocorreria com um passeio no parque ou um pote de sorvete em qualquer perfil por aí. Joel Embiid tem apenas 23 anos e sua presença nas redes sociais parece nos lembrar subitamente que jogadores de basquete não são todos idosos reclusos, alheios a tudo que não seja o mundo do esporte.

Michael Jordan, Kobe Bryant, Tim Duncan e Kevin Garnett nos apresentaram à ideia do jogador de basquete focado, obcecado, sério, profissional. Jogadores que não se enquadravam nesse perfil recebiam críticas duras, acusados de “não respeitar o jogo”. Técnicos “linha dura” tornaram-se famosos – ícones do esporte – ao implementar em suas equipes regimes quase militares mesmo nas categorias de base, antes do basquete profissional. O técnico que grita e o jogador que focadamente obedece viraram um esteriótipo de excelência, rendendo filmes chorosos em que a rigidez sempre compensa com a vitória épica no final.

Mas essa visão do esporte não combina com a mentalidade de muitos dos jogadores que adentraram a NBA nos últimos 15 anos. Estamos falando aqui de uma outra geração, conectada à internet, amplamente ligada ao caráter social do esporte, à construção de imagem e de identidade que o esporte oferece, e muito ativa nas redes sociais. Muitas vezes esquecemos que a esmagadora maioria dos jogadores ingressa na NBA aos 18 ou 19 anos, ainda deslumbrados com os holofotes e ligados com os hábitos e realidades de sua vida anterior: vida social na internet e fora dela, círculos de amizades, interesses fora das quadras, realidades sociais diversas, opiniões políticas.

Não à toa a NBA tentou nos últimos anos preservar uma imagem de “profissionalismo” que não casa muito bem com a postura e as realidades dos jogadores que estão entrando na Liga. Primeiramente tivemos o “código de vestimenta”, forçando trajes sociais aos jogadores que não estivessem de uniforme; depois foi um “código de etiqueta” do que pode ou não pode ser dito em entrevistas. E, por fim, a NBA implementou em seu famoso “curso para os novatos” toda uma etiqueta de como gerir suas redes sociais, inclusive ameaçando com multas quaisquer afirmações polêmicas ou que “denigram a imagem da Liga”.

Tornou-se comum que jogadores entrem na NBA já sob a tutela de profissionais de Relações Públicas e de Marketing. As “temidas” redes sociais foram parar nas mãos de gente gabaritada e capacitada, ciente de que qualquer deslize pode comprometer em definitivo a carreira de um atleta. Aquilo que marca as gerações mais atuais – falar sobre qualquer coisa, opinar sobre tudo e, consequentemente, falar muita bobagem por aí – foi colocado sob controle, esterilizado ao máximo. O profissionalismo que a NBA ganhou especialmente nos anos 90 era o modelo ao qual os jovens jogadores precisavam se adequar.

Talvez por isso jogadores como LeBron James tenham causado tanto estranhamento quando entraram na NBA em 2003. Era claramente um moleque como qualquer outro – desses que posta bobagem na internet – que chegava ao estrelato sob tutela de um departamento de Relações Públicas, marcas de tênis preocupadas e uma NBA que queria ter seu principal rosto como um ícone de profissionalismo e seriedade. É lendária a luta para impedi-lo de roer suas unhas quando estava no banco de reservas, substituindo o ato “reprovável” por um comportado alicatinho de unhas. A estranheza se dava porque toda essa “construção de imagem” de LeBron parecia falsa, fajuta, inteiramente artificial. Era um sinal de que estávamos forçando jogadores de um tempo a terem a conduta de um tempo outro. Os conflitos entre esses dois tempos distintos geraram contradições bizarras e terríveis “erros de tradução”: a parte da geração da internet queria anunciar sua ida a Miami num espetáculo midiático – só foi na televisão porque ainda não existia Snapchat – enquanto a parte profissional precisava tornar tudo um ritual solene e profissional. O resultado foi um híbrido entre o cafona e o cruel, e lá foi a imagem de LeBron pelo ralo.

Assim como no futebol tanto criticavam Ronaldinho Gaúcho por errar um chute e dar risada – passava a imagem de que “ele não se importava” – o Golden State Warriors também foi trucidado quando começou suas rotinas de pré-jogo que envolvem brincadeiras, piadas, simulações de outros esportes e muita, muita risada. O Warriors foi acusado de prepotência, de menosprezar os adversários, de não levar o jogo com a seriedade adequada – mesmo com o título na conta. As novas gerações não se encaixam no modelo e causam estranheza: parecem fora do molde aceitável, desrespeitosos; porém, quando se encaixam, parecem falsos, forçados, fingindo ser algo que não são. Não há pra onde correr.

Mas chegamos finalmente a Joel Embiid. No ano em que foi draftado, impossibilitado de jogar, o pivô viu seu Sixers perder 17 partidas consecutivas, um período de 5 semanas sem nenhuma vitória. Quando essa sequência finalmente foi interrompida, Embiid correu para o Twitter comemorar com montagens feitas no Photoshop incluindo a Rihanna, colocando ela num jantar com ele ou enfiando ela na arquibancada de um jogo seu com uma tatuagem no braço com seu nome:

Esse é o tipo de BOBAGEM que qualquer adolescente faz – em geral usando a Alinne Moraes, mas enfim – numa geração com o celular na mão cujo contato com o humor vem majoritariamente de “memes”, montagens e piadas visuais compartilháveis. A conta do Twitter de Embiid é forrada de piadas semelhantes, e mais: resenhas de programas de TV, comentários aleatórios sobre outros esportes, discussões com jogadores da NBA, tentativas de namorar uma Kardashian e até pedidos para que LeBron James ou Kristaps Porzingis fossem jogar no Sixers.

Não é só que Embiid parece “gente como a gente”, ele também parece, o que é REALMENTE RARO, parte de sua própria geração. É difícil levar Embiid a sério porque, como bom embaixador de seus tempos, ele próprio não se leva a sério quase nunca – quando LeBron não respondeu ao seu “convite”, foi lá e bloqueou publicamente LeBron no Twitter como se fosse um ex-namorado frustrado; seu convite para o Porzingis foi acompanhado de um comentário de que na Filadélfia ninguém se importa com as “reuniões de encerramento”, aquela que o Porzingis se recusou a fazer com Phil Jackson por conta do clima horrível e saiu fugido rumo à Letônia. É tudo tão sem seriedade e sem peso que as vítimas de suas brincadeiras sequer conseguem ficar bravos. Depois de bater boca com Embiid por um jogo inteiro, Draymond Green soltou um “eu amo esse cara” e disse que está ansioso por ter outras discussões dessas com Embiid em quadra por anos a fio. Karl-Anthony Towns, que sofreu uma cutucada de Embiid no Twitter, disse ao fim da discussão que entende que o jogador do Sixers está apenas “se divertindo”, e que esse é o jeito dele de fazer piada. Ou seja: Towns não gostou, achou um saco – o que é uma resposta digna a qualquer piada – mas não perdeu de vista que Embiid estava brincando.

A polêmica com Towns, inclusive, é um bom indicativo da relação de Embiid com as redes sociais: ele fez um trocadilho com “KAT” (as iniciais de “Karl-Anthony Towns”) e a frase “raise the cat” (“erga o gato”), que é um “meme” surreal que surgiu entre os torcedores do Sixers depois que um fã comemorou uma vitória do time LEVANTANDO SEU GATO e a moda pegou:

Não é que Embiid não fale bobagem e nem que a NBA tenha desistido de ajustá-lo a um molde – a NBA acabou de multá-lo em 10 mil dólares por ter xingado LaVar Ball, pai do Lonzo Ball, numa transmissão ao vivo no Instagram. Mas é que o mundo está fascinado demais com a ideia de um jogador que faz TRANSMISSÃO AO VIVO NO INSTAGRAM para se importar com o fato dele soltar uma asneira ou duas de vez em quando. Ele se auto-intitular “The Process” em referência ao processo de reconstrução do Sixers pode parecer arrogância ou excesso de confiança, especialmente para um jogador que à época ainda não havia sequer entrado em quadra pela equipe, mas a escolha é tão engraçada – e feita de maneira tão auto-consciente, propositalmente ridícula – que só podemos receber com graça e ironia. Embiid certamente é ultra-confiante e tenta provar, em quadra, que seu discurso é coerente, mas esse discurso sempre trafega a finíssima linha entre a auto-confiança e a auto-ironia. Ele é um desses casos em que mesmo quando fala sério, usa todos os códigos da brincadeira para desarmar qualquer resistência. Embiid nos traz o que há de mais estranho e notório nas novas gerações: uma auto-confiança histérica, uma capacidade de auto-promoção que expõe pratos de comida na internet, e a decisão de não levar nada disso a sério – mesmo quando, nas ações, está claramente levando as coisas mais a sério do que jamais poderíamos imaginar.

Em entrevista recente, Embiid disse saber que o amor da torcida dura pouco e que “em algum ponto ela começa a odiar você”. Cita LeBron, Russell Westbrook e até Stephen Curry, que ele afirma ser “um dos caras mais gostáveis, que não fez nada errado, mas que as pessoas odeiam mesmo assim”. Ele sente o ódio chegando, sabe que é questão de tempo. Talvez por isso não esteja preocupado com as Relações Públicas, com parecer bom moço, com passar uma imagem de profissionalismo. Não importa o que ele faça, será odiado – as gerações que convivem com a internet sabem perfeitamente bem que “odiadores odiarão”, não importando quais sejam as circunstâncias. Embiid escolheu simplesmente não levar nada disso a sério, ser quem ele bem entender, agir de acordo com sua idade, e embasar tudo isso com um jogo de altíssimo nível. A diferença é que quando um jogador for expulso por ser incapaz de pará-lo na quadra, como foi o caso de Steven Adams, Embiid estará lá para lhe acenar adeus, gerando gargalhadas da plateia – e a indignação de Russell Westbrook e toda a leva de profissionais ultra-sérios de cara feia na NBA.

Não sei se eu conseguiria sentar para tomar um chá com Embiid na vida real, talvez ele fosse o cara insuportável do grupo de amigos que está sempre fazendo uma piada fora de hora e que camufla sua auto-estima colossal com humor juvenil. Mas isso não me impede de ser “embiideiro” pelo simples motivo de que Embiid traz novos ares para uma NBA que passou muito tempo engessada e assustada com o mundo das novas mídias e das redes sociais. Agora temos LeBron e Stephen Curry falando publicamente sobre política, o Warriors dando risada em quadra (enquanto condena publicamente o “bullying”) e Embiid dominando o Twitter. São as novas gerações entrando pelas frestas, quebrando as resistências e, claro, levando a NBA para um novo público. O fato de que os três jogadores acima estão entre os melhores da Liga também ajuda, claro. Mostra que a excelência vem em muitos tamanhos, formatos, posições, estilos e graus de familiaridade com a internet. Abre caminho para o novo e garante uma NBA que seja sempre capaz de nos surpreender.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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