🔒Quando um time se lesiona

Quando assistimos a um jogo da NBA, esperamos ver grandes jogadores, grandes estrelas, grandes equipes se enfrentando – e de vez em quando o Sixers, claro. Toda equipe tem ao menos algum atrativo, algum jogador interessante que está fora da curva média da NBA. Mas às vezes nosso plano de ver os melhores jogadores em quadra é destruído pelo terrível poder do acaso: lesões acontecem sem aviso prévio e podem deixar alguns times completamente pelados e, ao menos aparentemente, desinteressantes.

Lembro de uma época triste em que os jogos da NBA na televisão eram raríssimos, não havia o poder do “League Pass” pela internet e vivíamos de pequenas migalhas na esperança de ver as melhores estrelas jogando. Certa vez a ESPN anunciou que o jogo da semana seguinte seria uma partida do Raptors de Vince Carter e passamos dias aguardando aquele jogo ansiosamente, até que o dia chegou e na hora de anunciar as estrelas de cada equipe, surgiu lá a cara simpática-porém-desimportante do Antonio Davis. Vince Carter estava contundido. A partida era uma perda de tempo total.

Isso porque na época eu não sabia que equipes com seus jogadores principais lesionados podem ser uma das coisas mais legais de se acompanhar na NBA. Às vezes é impossível saber qual o real impacto de um jogador no elenco até que ele se contunda – ou seja trocado, o que acontece com frequência bem menor. Jogadores que parecem essenciais podem na verdade ser perfeitamente substituíveis; jogadores reservas com poucos minutos podem ter atuações surpreendentes com minutos de titular; jogadores podem parecer melhores do que são porque o esquema tático é todo voltado para eles; etc. Isso significa que uma lesão em jogadores centrais do elenco é uma oportunidade fantástica de aprender mais sobre o jogador lesionado, sua produção real, o esquema tático de sua equipe e o talento dos jogadores que estão no banco.

Vejamos o exemplo do Memphis Grizzlies: desde que Marc Gasol foi dado como fora da temporada graças a uma fratura no pé, o Grizzlies conseguiu 9 vitórias e apenas 5 derrotas, incluindo uma vitória em cima do Cavs em Cleveland – com direito a 26 pontos do Tony Allen – e outra em cima do Anthony Davis – com um triple-double do Matt Barnes. Isso sem esquecer que, além de Marc Gasol, outros jogadores do Grizzlies foram incapazes de contribuir com a equipe: Brandan Wright ainda não conseguiu voltar de sua eterna contusão no joelho, Chris Andersen chegou para substituir Gasol mas acabou lesionando o ombro, Mike Conley passará quatro semanas fora com uma tendinite no tendão de Aquiles, Zach Randolph deverá perder alguns jogos com um inchaço no joelho, Mario Chalmers rompeu o tendão de Aquiles e teve que ser dispensado para abrir espaço no elenco, Vince Carter lesionou o calcanhar no último jogo e Lance Stephenson, que também acabou de chegar, pode perder alguns jogos com um problema no pulso. É um festival tão grande de lesões que fica difícil saber pra onde olhar quando o time entra em quadra.

Para ajudar quem quer assistir ao MEMPHÃO DA MASSA vencer jogos completamente improváveis, listo abaixo as coisas mais importantes de se ver num time lesionado, e os principais motivos para um time com lesões ser uma das suas prioridades na hora de escolher qual jogo assistir todas as noites:


1 РMedir a efici̻ncia do jogador lesionado

[image style=”fullwidth” name=”on” link=”” target=”off” caption=”A coisa mais vencedora sobre esse time: a ausência de Rudy Gay”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/03/1-Gay.jpg[/image]

Essa é uma ciência complicada. Muitas vezes acontece do jogador lesionado abrir um vácuo no elenco e vários jogadores, motivados para ocupá-lo, melhorarem muito suas atuações a ponto do time não sentir falta do jogador que saiu. Às vezes, elencos muito profundos conseguem colocar múltiplos jogadores para substituir a estrela lesionada e com isso são capazes de manter os mesmos resultados de antes da lesão. Mas esses resultados tendem a não se manter a longo prazo e podem aparecer apenas durante uns poucos jogos quando a galera está mais animada pelos minutos ganhos ou porque os adversários são mais fracos por conta do calendário. O que realmente pode dedurar que o jogador lesionado não faz falta é o time jogar MELHOR quando ele está fora, ao invés de simplesmente conseguir se virar sem ele por alguns jogos. Se sem aquele jogador a bola se movimenta mais, a defesa é mais coesa ou os pontos surgem em oportunidades melhores de arremesso, é sinal de que o jogador lesionado compromete alguns aspectos do time e sua produção não é capaz de compensar isso. Casos assim são mais fáceis de notar quando um time troca um dos seus jogadores principais e, justamente quando parecia que eles iriam perder todas porque não sobrou nenhum jogador relevante, começam a jogar melhor e vencer mais jogos.

Exemplos pra isso não faltam. O Raptors começou a temporada 2013-14 ganhando 7 jogos e perdendo 12, de modo que decidiu se livrar do seu principal pontuador, Rudy Gay, para começar um processo de reconstrução. A partir disso o Raptors venceu 66% dos jogos restantes, foi para os playoffs e virou o timaço que a gente conhece hoje. Em 2011 o Nuggets estava ganhando 56% das suas partidas, trocou sua estrela máxima Carmelo Anthony para o Knicks e após a troca venceu 72% dos jogos restantes quando todo mundo achava que eles não conseguiriam ganhar nenhum. Em 2006 o Sixers era o pior time da NBA com apenas 5 vitórias e 18 derrotas quando trocou Allen Iverson e a partir de então, contra todas as previsões, ganhou 30 das 59 partidas seguintes. O caso mais recente foi em 2014, quando o Pistons mandou Josh Smith embora após 5 vitórias e 23 derrotas na temporada, e imediatamente depois o time melhorou um absurdo, ganhando 27 partidas e perdendo 23. São todos casos não de jogadores ruins, mas sim de jogadores que no modelo de jogo em que estavam inseridos eram prejudiciais à equipe de uma maneira ou de outra, seja monopolizando arremessos, comprometendo na defesa, tomando decisões que levam a finalização de baixo aproveitamento ou apenas impedindo que a bola chegue em outros lugares da quadra. Muitas vezes isso se deve a ordens técnicas, já que ainda existem muitos treinadores na NBA que acreditam que o modo certo de se jogar basquete é colocando a bola na mão de uma estrela o tempo inteiro, o que acaba comprometendo não apenas a equipe, mas também o aproveitamento do jogador em questão.

2 – Conhecer o restante do elenco

[image style=”fullwidth” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Admita: você também já confundiu o Jamychal Green com o Jeff Green no boxscore”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/03/2-Green.jpg[/image]

Em casos de lesão, especialmente quando ela atinge múltiplos jogadores, é possível medir o talento de jogadores que compõe o banco inteiro, dos principais reservas ao fundo do banco da equipe. Ganhar muitos minutos numa partida leva a resultados muito diversos, não basta pegar a produção que um jogador tem em 5 minutos por jogo e então multiplicar para saber o que esperar. Jogando pouquíssimos minutos um jogador não consegue criar ritmo de jogo, não tem confiança para atacar a cesta ou arremessar, tem funções muito específicas como marcar um jogador em particular ou apenas fazer faltas, não está preparado mentalmente para uma contribuição significativa, etc. Jogando mais de 20 minutos de jogo, tudo pode mudar drasticamente: o jogador pode tanto não render nada quanto ter uma atuação arrasadora. Esse tipo de coisa só se descobre na prática, é impossível julgar um reserva com base nos minutos que ele pega apenas no fim de jogos já decididos. Um exemplo bom foi Michael Redd, novato que entrou na NBA no Bucks em 2000. Com 5 minutos por jogo em seu primeiro ano, suas médias eram de 2 pontos e nenhuma bola de 3 pontos convertida. Com mais minutos no seu terceiro ano, numa lesão de Ray Allen, Redd mostrou ser uma máquina de arremessar com médias de mais de 30 pontos por jogo como titular. Quem acompanhava o rapaz nos treinos sabia do seu talento, mas a gente aqui fora não fazia ideia. Foi só graças às lesões que o fundo de banco do Bucks revelou uma pérola para os valentes que assistiam.

O Grizzlies tem outro caso incrível: Jamychal Green. Depois de passar por três times diferentes no seu ano de novato, sem nunca conseguir sequer 3 pontos por jogo de média com meia dúzia de minutos por jogo, Green virou repentinamente titular no Grizzlies totalmente desfalcado. O resultado? Como titular, está com média de 11 pontos, 9 rebotes, 1 roubo e 1 toco por jogo. Nos últimos cinco jogos as médias são ainda melhores: 15 pontos e 9 rebotes. Lesões são oportunidades de conhecer novos jogadores e avaliar o potencial deles de contribuir com a equipe e com a NBA.

3 – Descobrir o quanto o esquema tático favorece uma posição

[image style=”fullwidth” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Mais um dia na vida de Derrick Rose”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/03/3-Rose.jpg[/image]

Alguns times não jogam em função de um jogador, mas em função de uma POSIÇÃO. Se for o caso, quando um jogador dessa posição se lesionar, outro menos expressivo terá que entrar no seu lugar e terá, bizaramente, o time inteiro jogando em função dele! Foi o caso, por exemplo, do Chicago Bulls de Derrick Rose. Com todo o jogo focado na armação, a ausência de Rose forçou com que o jogo fosse assumido por jogadores menores como Nate Robinson e Aaron Brooks, que por sua vez tiveram o melhor desempenho e as melhores médias de suas vidas. Os dois são bons jogadores, mas suas atuações pelo Bulls só são justificadas porque o time recorria a eles como recorreria a Derrick Rose, um jogador muito superior. Passando tanto tempo com a bola nas mãos e com espaço para infiltrar, é natural que os armadores reservas tenham se esbaldado. Foi uma situação assim que criou a “Linsanity”, o fenômeno bizarro que apresentou ao mundo Jeremy Lin. Mike D’Antoni, treinador do Knicks, precisa que toda a movimentação ofensiva passe pelas mãos de um armador rápido e agressivo. Com lesões de Baron Davis, Iman Shumpert, Mike Bibby e até de Carmelo Anthony, que o D’Antoni colocava para armar o jogo com certa frequência, sobrou para Lin entrar em quadra e ter TODO o esquema tático voltado para ele. Nessas circunstâncias, qualquer armador da NBA teria um rendimento acima de sua média pessoal – mas calhou de Lin ser perfeito para o papel e ter aquelas médias absurdas durante o período que ficou em quadra. Enquanto Jerry Sloan foi técnico do Utah Jazz, vi John Stockton ser o melhor armador do planeta e depois dele uma série de armadores medíocres – incluindo jogadores improvisados na posição, como Raja Bell – terem os melhores momentos da carreira na armação. Deron Williams era muito bom, mas quando ele se lesionava entrava em seu lugar jogadores como Earl Watson, CJ Miles e Raja Bell e NADA mudava, não havia qualquer ganho ou perda de produção. Isso porque todo armador mediano rendia como nunca naquele esquema tático montado para armadores. Lesões são ótimas para perceber isso: se qualquer jogador rende igualmente em determinada posição, é porque o esquema tático é montado para favorecer qualquer um que jogar ali.

4 РMedir qụo coletivo e disciplinado um time ̩

[image style=”fullwidth” name=”on” link=”” target=”off” caption=”A moda chora mas o Spurs não: o incrível mundo do Duncan de terninho”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/03/4-Duncan.jpg[/image]

Se a ausência de algum jogador é suprida por um esforço conjunto dos demais jogadores, com alguns assumindo o impacto do jogador lesionado nos pontos, outros assumindo seu impacto na defesa e assim por diante, é possível perceber como o esquema tático da equipe é voltado para um jogo coletivo. É o caso de lesões no Spurs, por exemplo: uma gama enorme de jogadores assume os aspectos ausentes em quadra e todos os jogadores mantém seus posicionamentos táticos, alternando para substituir alguma posição em particular. Não há nenhum jogador no Spurs, hoje, cuja ausência tornaria o Spurs um time ineficiente – mesmo Kawhi Leonard, que é atualmente o principal motor ofensivo da equipe. Os pontos dele virão de outros lugares, de várias posições e de outros lugares da quadra. Não entrará em quadra um reserva em seu lugar e então o time inteiro jogará para esse reserva – será um esforço coletivo, completamente funcional a curto prazo. Leonard só terá sua ausência verdadeiramente sentida nos jogos mais decisivos, quando as bolas deixam de cair, quando a defesa adversária reduz as rotas para a cesta, e passa a ser preciso alguém com seu talento específico para conseguir os pontos na marra. Ou seja, é claro que o Spurs é melhor com ele em quadra – mas numa partida ou outra da temporada regular, é capaz que não dê sequer para perceber sua ausência. É por isso que o Spurs consegue descansar com frequência suas estrelas mais idosas, como Ginóbili e Duncan, sem perder quase nada em produção por conta disso. Ver uma partida do Spurs sem Duncan ou LaMarcus Aldridge, por exemplo, deveria ser obrigação de todo fã de basquete: é uma aula de como um grande jogador não faz diferença a curto prazo num esquema totalmente coletivo e bem treinado. Curiosamente, é quase o caso do Grizzlies, mas numa versão mais capenga: a equipe é tão obcecada por treinos coletivos e análise de vídeo que qualquer um que entra em quadra consegue, em maior ou menor grau, desempenhar os papeis necessários. Mesmo os titulares acabam oscilando e revezando as funções durante os jogos, de acordo com as facilidades de cada um. Lance Stephenson chegou do fundo do banco do Clippers e ficou maravilhado com como foi recebido, como recebeu da equipe técnica a possibilidade de ajudar imediatamente como todo e qualquer jogador do elenco. Ver o Grizzlies jogar todo lesionado é ver jogadores reservas assumindo funções para as quais se prepararam longamente durante toda a temporada como parte de uma família unida e coesa, mesmo que não muito talentosa. O fato de que estão vencendo mostra como isso faz diferença nos piores momentos da temporada.


Espero, com os 4 pontos acima, ter tornado jogos de equipes desfalcadas mais interessantes de se assistir, e também ter dado ferramentas para se analisar a produção de um jogador e de um elenco para além das estatísticas convencionais. Afinal, é nas adversidades que temos chances reais de conhecer como as coisas realmente são – na NBA não seria diferente. E olhando por esse ângulo, não há time que podemos conhecer mais PERFEITAMENTE do que esse Grizzlies de agora: eles resistem.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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