Em fevereiro, o Sixers quase fez o impossível ao perder para o Warriors apenas num arremesso de último segundo do Harrison Barnes. Na época analisamos aquele absurdo e algumas soluções que o Sixers, limitadíssimo, acabou empregando contra o Warriors e obtendo enorme sucesso. A principal delas foi a defesa: admitindo que parar os arremessos de Stephen Curry seria impossível, o Sixers se dedicou a parar aquilo que era viável, basicamente tentando roubar bolas, atrapalhar as linhas de passe e os contra-ataques. Foi aquilo que costumo chamar de “DEFESA TERRESTRE” – em oposição ao que seria uma “defesa aérea” – em que os defensores não contestam arremessos, não pulam, não saem do chão, ficam apenas GRUDADOS nos adversários fisicamente e tentam tomar a bola apenas quando ela está abaixo da linha da cintura.
Pois bem: Jogo 6 das Finais da NBA, Cavs precisando de uma vitória histórica em casa, dezenas de ajustes táticos já executados ao longo de uma série que nunca teve uma partida decidida por menos de 10 pontos de diferença, e o que vemos no primeiro quarto parece ter vindo diretamente do manual de defesa do Sixers. Sem contestar arremessos e se preocupando apenas em colar nos adversários, o Cavs estimulou o Warriors a infiltrar e a rodar a bola. Nessas circunstâncias, o time fica mais propenso a ter a bola interceptada, especialmente porque as linhas de passe foram contestadas como o Cavs fez contra o Raptors, com a disposição de pagar o preço por chegar atrasado e acabar deixando alguém receber o passe livre. No começo pareceu estranho: por que o Cavs está marcando TÃO DE PERTO e se arriscando tanto na interceptação de passes? Quando LeBron foi deixado para trás numa infiltração por estar marcando tão próximo e ao invés de perseguir o arremesso só deu um toquinho na bola POR TRÁS pra garantir um roubo de bola e um contra-ataque, percebi o que estava acontecendo. Em outros momentos, essa mesma defesa sofreu algumas bandejas completamente livres, especialmente de Draymond Green, mas não há nenhuma dúvida de que o resultado final compensou. A “defesa terrestre” do Cavs gerou 4 desperdícios de bola que viraram contra-ataques só no primeiro período, além de levar o Warriors a infiltrar ou dar arremessos contra uma defesa MUITO COLADA, o que tirou o ritmo dos arremessadores. Foi assim que o Warriors acertou apenas 5 de 22 arremessos no primeiro quarto, incluindo apenas uma bola de três pontos em 9 tentativas.
No ataque, o Cavs também teve a AUDÁCIA de incluir Tristan Thompson no ataque, já que Andrew Bogut não participa mais da série graças à lesão que sofreu na perna na partida passada. Enquanto Tristan era deixado sozinho nos primeiros jogos das Finais e não recebia a bola por nada no mundo, no primeiro quarto foi acionado com frequência toda vez que Draymond Green se afastava dele ou ia parar nas suas costas. Mesmo que Thompson tenha dificuldade em finalizar ao redor da cesta e seja um cobrador ruim de lances livres, o fato dele receber a bola embaixo da cesta forçou o Warriors a pará-lo com faltas: foram duas seguidas ainda nos dois primeiros minutos de jogo. Draymond Green e Stephen Curry foram especialmente prejudicados pelas faltas que tiveram que fazer graças a Tristan Thompson. Depois, precisando tomar cuidado para não cometer mais faltas para continuarem em quadra, foram obrigados a deixar Thompson atacar a cesta para pontes-aéreas e Curry teve que abrir mão de contestar algumas bandejas adversárias.
Aqui, mais uma página do livrinho do Sixers: porque o ataque deles era MUITO RUIM, contra o Warriors apostaram em mandar só bolas aleatórias por cima da defesa e rezar para o Nerlens Noel pegar no ar para enterrar, o que deu bizarramente certo. Quando o Cavs começou a acionar Tristan Thompson especialmente no contra-ataque, mandando passes por cima da defesa do Warriors, Draymond Green teve que se preocupar com o garrafão e perdeu parte do seu poder de defender o perímetro e de rodar para barrar as linhas de infiltração.
Vamos analisar abaixo uma sequência de jogadas que mostra um pouco das escolhas defensivas do Cavs e do papel que Draymond Green tem na defesa do Warriors:
Vejam que assim que Kyrie Irving dribla Stephen Curry, Draymond Green já está lá, a um passo de distância, para bloquear a infiltração. Irving então faz o impensável e aciona Tristan Thompson, que passa a ser marcado por Iguodala enquanto Draymond Green se ajusta. Isso quer dizer que LeBron James está totalmente livre no perímetro. LeBron tem a inteligência de não tentar esse arremesso ainda no começo do jogo, frio, e ele prefere rodar a bola para aproveitar o fato de que, tentando cobri-lo, a defesa do Warriors está em movimento. A defesa consegue rodar direitinho e o Cavs é obrigado a recomeçar a jogada, com Irving de novo em cima de Curry. Green entra no meio da infiltração, mas como estava com as MÃOS em Thompson do outro lado do garrafão no começo do ataque de Irving (já que Thompson acabou de receber uma bola, poucos segundos atrás), não chega a tempo de impedir o arremesso certeiro do armador. Hora do Warriors atacar, e veja como Richard Jefferson, Irving e LeBron não ligam que Klay Thompson bateu para a cesta, apenas tentam bloquear os passes, chegam a tocar na bola e a jogada quebra. Iguodala por sorte acaba tendo caminho livre para infiltrar e NINGUÉM PULA NELE, fica todo mundo no chão tentando parar os passes. De fato, Iggy passa a bola ao invés de atacar a cesta e sobra para Harrison Barnes forçar uma bola em cima do Jefferson, que não cai – aliás, dele nenhuma bola caiu no jogo todo. Cavs de novo no ataque, Curry marcando Irving, e dessa vez Green DESENCANA DE TUDO e fica só pronto para contestar um possível drible do Irving, que por conta disso acaba arremessando por cima de Curry e errando.
Se Green está perto ou longe de Irving ou de LeBron para poder contestar os arremessos e as infiltrações na cobertura é algo decisivo para a defesa do Warriors. Por isso acionar Tristan Thompson é uma estratégia importante para forçar Green para fora dessa posição de cobertura e facilitar o ataque do Cavs. O fato de que Thompson acertou seus lances livres e até soube passar a bola para a zona morta também ajudou a decisão a dar bons frutos. Com o ataque do Cavs funcionando, Curry com problema de faltas e uma defesa ousada em ação, o primeiro quarto terminou com uma vantagem de VINTE PONTOS para o time da casa.
No segundo quarto, o Warriors tentou ajustar. Draymond Green passou a dobrar tanto em LeBron James quanto em Kyrie Irving, tentando rodar depois para parar Thompson e deixando Iman Shumpert arremessar. Quando Shumpert percebeu que era UMA CILADA, BINO, passou a infiltrar e aí caiu na armadinha da cobertura de Green, que sofre falta de ataque no vídeo abaixo:
No ataque, o Warriors começou a atacar a cesta assim que pegava a bola, sem esperar os marcadores encostarem, para tentar dar menos tempo para as tentativas de roubo de bola. Além disso, Stephen Curry é esperto e começou a usar a vontade do Cavs de que ele infiltrasse para criar espaço para arremessos, como no vídeo abaixo:
A certeza da infiltração é tão grande que Thompson já está quase lá no garrafão quando Curry dá um passo pra trás para criar o próprio arremesso. Dobrando a marcação e conseguindo algumas bolas de três pontos, o Warriors passou a dominar o ritmo do jogo. A necessidade de infiltrar e não perder a bola contra a defesa do Cavs levou Leandrinho a jogar mais minutos, atacando a cesta e aproveitando o espaço no perímetro quando reagiam antecipadamente à sua infiltração. Com isso, o Cavs pareceu só querer administrar a vantagem, queimar cronômetro e torcer pro jogo acabar logo. Quando a vantagem caiu para apenas 8 pontos, ficou óbvio que o jogo era LONGO DEMAIS para enrolar, era necessário jogar (ao contrário do futebol, no basquete não dá pro zagueiro dar bicão na bola para a arquibancada até acabarem as bolas do estádio).
Foi aí que LeBron passou a assumir a maior parte do ataque: acertou uma bola de três pontos contestada no mano-a-mano e fez uma série de arremessos de média distância, girando a partir das costas para a cesta, que são simplesmente indefensáveis até mesmo com Green na cobertura. É sempre assim: se essas bolas do LeBron caem, não há nada que a defesa possa fazer, e o jeito é compensar do outro lado. Com ele, a vantagem ao fim do quarto havia voltado para os 16 pontos. LeBron teve uma partida espetacular, aproveitando de todo o espaço que o Warriors é OBRIGADO a lhe dar para não apanhar de outros modos. Com Green muito preocupado com Irving, LeBron usou seu espaço e puniu o Warriors sem dó.
No terceiro quarto, Klay Thompson começou a compensar do outro lado, acertando bolas de três pontos em cima da marcação ao se negar a infiltrar mesmo com a defesa do Cavs exigindo isso. São bolas que caíram, mas que mesmo assim o Cavs tem que comemorar, porque é o pior tipo de arremesso que Klay Thompson pode dar e são as melhores chances estatísticas do Cavs não tomar pontos na cabeça. Destaque defensivo para JR Smith (sim, estou escrevendo isso sóbrio) que, se não é um bom defensor individual, ao menos não cometeu nenhum erro nas trocas de marcação e manteve o plano de jogo de marcar perto e não contestar o impossível mesmo quando algumas bolas do Klay Thompson e do Curry caíram na sua cabeça, que são momentos em que bate o desespero no defensor.
O último período começou com uma diferença de apenas 9 pontos no placar. Embora todas as escolhas táticas do Cavs tenham sido impecáveis e o time tenha começado em MODO ATROPELAMENTO criando uma vantagem enorme logo de cara, apenas 9 pontos de diferença é muito pouco contra uma equipe como o Warriors que pode acertar arremessos impossíveis mesmo em cima de uma defesa perfeita num quarto final. Não havia nada decidido.
Até que o lado psicológico decidiu, ali no meio de um quarto período de Jogo 6 valendo título, quando o Warriors simplesmente IMPLODIU. É evidente que o Warriors já estava frustrado com a marcação que recebeu, com o jogo de Tristan Thompson, com LeBron acertando bola de todos os lados e com a dificuldade de impor o jogo de perímetro. Mas a maior frustração do Warriors foi não conseguir devolver o jogo FÍSICO E BRIGADO do Cavs na mesma moeda. Alguns jogos dessas Finais tiveram arbitragem super liberal, só não valia dedo no olho, e a arbitragem de ontem foi mais conservadora, tentando evitar perder o controle e impedindo os contatos. Esse tipo de coisa é normal, a arbitragem varia de um jogo para o outro e cabe aos jogadores se adequarem a isso após uma ou outra experimentação ao longo do primeiro período. Mas o Warriors, jogando sem pivô e precisando garantir rebotes e lutando contra Tristan Thompson embaixo da cesta, não soube reduzir o contato como a arbitragem exigia. Querendo compensar o tamanho com jogo físico e força de vontade, cometeram muitas faltas iniciais – mesma coisa com Kevin Love, que mal ficou em quadra no primeiro tempo porque parecia um touro numa loja de vidraças tentando fazer com que o Cavs goste dele. Tudo isso contribuiu para que Curry entrasse no quarto período frustrado por estar com 4 faltas nas costas, e na tentativa de roubar uma bola de Kyrie Irving – o que ele conseguiu fazer, puxando um contra-ataque completamente sozinho e indefensável – viu sua quinta falta ser marcada, parando o contra-ataque e deixando o armador a uma falta de ser eliminado.
Curry surtou legal na jogada e o replay deixou claro que não houve falta durante o roubo de bola – mas houve uns 2 segundos antes, quando ele puxou Irving para persegui-lo. Foi um apito lerdo de tudo, daqueles que fazem ginásios pegarem fogo e o juiz parecer medroso, mas foi compreensível: o contato parecia banal, mas quando ele gerou um roubo de bola pouco depois, o juiz se sentiu culpado de não ter apitado.
Poucas jogadas depois, Curry arremessou uma bola contestada de 3 pontos e abriu as pernas, forçando que seu defensor trombasse nela e exigindo a falta, não marcada. O armador SAIU DO AR, não voltou pra defesa, não participou do contra-ataque do Warriors na jogada e voltou só muito depois para a outra defesa que se seguiu. Parecia que ia espumar pela bola. No ataque seguinte errou uma bandeja totalmente livre, que girou dentro do aro e caprichosamente escapuliu, e foi Leandrinho quem acabou assumindo o ataque do Warriors nesse processo. Vimos até a bizarra formação com Curry, Klay Thompson e Leandrinho ao mesmo tempo na quadra, resultado do nosso Barbosa não temer as infiltrações que lhe eram dadas.
Aí Curry, tendo a infiltração inteiramente entregue por LeBron, REFUGOU NO MEIO, inventou uma finta nada a ver, e foi PREGADO por LeBron James na cobertura sem sequer sair do chão, com direito a olhada de PURO DESDÉM na sequência:
Um quarto período em que a defesa DÁ BANDEJAS DE GRAÇA e Curry desiste no meio é uma derrota moral completa. A cereja no bolo, da derrota moral e da frustração desmedida, veio quando Curry recebeu a sexta falta numa disputa totalmente idiota. LeBron estava com a posse de bola na quadra de defesa, Curry não tinha NADA QUE SE METER, mas ele foi lá de alegre pra atrapalhar e enfiou a mão na bola, puxando a mão de LeBron na sequência. Nada aconteceu na jogada: nem roubo, nem desperdício, nem falta marcada. Foi uma jogada inútil, de alta exposição para alguém que já tem 5 faltas. Aí indo embora, numa jogada TOTALMENTE MORTA, sabe-se lá por que cargas d’água o Curry resolve dar um tapa sem sentido no braço do LeBron, na altura do cotovelo, desses que não faz ninguém soltar uma bola, que não cura a fome na África, que não atrasa o ataque, que não faz COISA NENHUMA além de gerar uma falta porque no ângulo do juiz, que é o ângulo do vídeo abaixo, não tem como não marcar:
Assista ao vídeo até o fim e verá Stephen Curry PIRAR NA BATATINHA, arremessar seu protetor bucal na torcida, xingar o juiz, tomar falta técnica, ser contido pelos companheiros e pela primeira vez na carreira ser expulso não por 6 faltas, mas porque o juiz não queria mais ver sua cara em quadra.
Não foi só Curry quem achou que não foi falta: torcedores, o técnico Steve Kerr e até a esposa do Curry acharam tudo um absurdo. A esposa do Curry chegou a escrever um tweet (e depois apagar) dizendo que a Final estava COMPRADA, que era tudo por dinheiro ou audiência, e que ela estava ao vivo e tinha visto com os próprios olhos.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Se vocês soubessem, ficariam enojados – tipo leite condensado, blergh!”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/06/Tweet.jpg[/image]
Mas é que estar ao vivo é uma droga para esses lances, né? Ter o ângulo contrário, com zoom, em câmera lenta, mostra que o contato foi pouco mas existiu e que Curry tinha MAIS O QUE FAZER do que estar na quadra de defesa do Cavs distribuindo petelecos aleatórios.
Sem Curry em quadra, Draymond Green também perdeu a cabeça numa falta dele em cima do LeBron com a qual ele não concordou, e aí o ataque do Warriors, que já estava aos trancos e barrancos, desapareceu, enquanto a defesa que não havia parado LeBron James até ali, numa das partidas mais IMPRESSIONANTES dele nos Playoffs, não iria aprender do nada enquanto espumava de raiva pela boca. Foram 41 pontos para LeBron, segundo jogo seguido que ele alcança essa marca absurda. Curry saiu de quadra perdendo por 12 pontos a 4 minutos do fim, o que já era uma situação medonha frente ao que o Cavs havia conseguido ao longo da partida. Mas a partir disso, o Warriors implodiu de vez e o resto foi burocracia.
Stephen Curry teve a decência de ir se desculpar com os torcedores que tomaram um PROTETOR BUCAL na cabeça antes de ir para os vestiários, disse que pro próximo jogo estará com a cabeça no lugar, mas a verdade é que o Cavs venceu o que era mais difícil: o duelo psicológico. Colocou o Warriors numa situação de desconforto, se aproveitando de uma narrativa em que ter que disputar um Jogo 7 já é uma derrota simbólica para os atuais campeões, dominou o jogo fisicamente e deu risada da incapacidade do Warriors de devolver na mesma moeda, tirando sarro do medo de bandejas e dos tabefes amadores do Curry. O Cavs venceu a disputa mental ao deixar as estrelas do Warriors numa situação de desconforto e exigir que Harrison Barnes decida jogos, enquanto LeBron James criou na marra situações em que ele pode pontuar por cima dos adversários, dependendo apenas do próprio arremesso e de nada mais.
É claro que o Warriors ainda tem o melhor histórico, provavelmente o melhor elenco e as melhores rotações – o Cavs teve que depender ontem, em parte do jogo, de Dahntay Jones, o cara mais fim do banco do planeta – além, claro, de jogar em casa o derradeiro Jogo 7. Mas depois de aceitar suas limitações e encontrar soluções absurdas para elas, o Cavs entra no seu último jogo da temporada como vencedor moral, um passo a frente no jogo psicológico e com a pressão inteira no colo do adversário. Se o Cavs for campeão, terá sido uma história impensável de superação – e um pedacinho pequenininho desse anel será do Sixers, pela ajuda indireta, né. Mas descartar o Warriors num Jogo 7 em casa seria devaneio de loucos, de modo que só nos resta esperar pelo jogo decisivo. Mesmo sem placares apertados, essas Finais foram uma belíssima jornada, cheia de altos e baixos, ajustes e reajustes, que entrarão pela história por uma porta diferente: sem nenhum jogo inesquecível, mas fascinante em sua gangorra tática e psicológica que não pararam de oscilar.
PRÓXIMO JOGO
O imperdível Jogo 7 das Finais da NBA será domingo, às 21h, na ESPN.