Finalmente, pela primeira vez nessas Finais da NBA, o Cavs pareceu estar sob controle. Liderou o placar durante a maior parte do segundo tempo do Jogo 3 e chegou a estar modestos mas expressivos 7 pontos à frente no marcador. Mesmo quando as coisas pareciam estar dando errado – o Cavs sofreu 9 bolas de três pontos só no PRIMEIRO QUARTO, além de perder mais uma vez o duelo dos rebotes no quarto inicial, cedendo inclusive mais rebotes ofensivos ao Warriors do que aqueles que conseguiu garantir – havia algo de diferente na equipe. Ao contrário da correria desenfreada do Jogo 2, parecia que dessa vez o Cavs finalmente tinha compreendido o RITMO correto para se enfrentar o Warriors. Souberam quando correr e quando esperar, quando atacar uma defesa fragilizada e quando encontrar posicionamentos melhores.
Parte disso passou por LeBron James tendo uma partida radicalmente diferente da anterior. Os números foram muito próximos do triple-double anterior (assustadores 39 pontos, 11 rebotes e 9 assistências, além de 4 bolas de três pontos e mais de 55% de aproveitamento nos arremessos), mas a maneira com que LeBron controlou o ritmo do jogo foi totalmente distinta. Abriu mão da armação em muitas posses de bola, o que ajudou a incluir Kyrie Irving no jogo e o liberou para jogar dentro do garrafão; deixou de puxar contra-ataques sozinho para acionar outros companheiros e, como sugerimos em nosso último texto especial, esperar Kevin Love chegar de surpresa para arremessos de três pontos. Além disso, LeBron deixou de forçar infiltrações para acionar companheiros abertos para arremessos de três pontos, especialmente JR Smith, que ganhou várias jogadas desenhadas apenas para ele. O foco no jogo de garrafão de Kevin Love praticamente desapareceu, com o Cavs dando preferência para o perímetro e usando isso para esticar a quadra e permitir que Irving e LeBron cortassem sem a bola rumo à cesta com frequência. Correr demais é sempre uma tentação contra o Warriors, mas o Cavs soube reduzir um pouco a velocidade e só correr quando era verdadeiramente essencial. Pareceu, enfim, um time consciente do que está fazendo, capaz de entender o adversário e no controle de suas jogadas.
O problema é que do outro lado estava o Warriors e o Cavs ainda não faz ideia de como defendê-los – algo que, aliás, ainda parece longe de ter uma resposta na NBA. Optando por dobrar em Stephen Curry em todo corta-luz no primeiro quarto, Kevin Durant recebeu bolas livres. Optando por dobrar também em Kevin Durant, Klay Thompson – aquele mesmo, que teve Playoffs comicamente medíocres, totalmente apagado – acertou 4 bolas de três pontos no PRIMEIRO QUARTO, rumo a 16 pontos só nessa etapa inicial. LeBron respondeu com duas bolas de três pontos, também rumo a 16 pontos no primeiro quarto, mas o fez com mais controle do ritmo e da intensidade. Quando o segundo quarto começou, LeBron parecia tranquilo e descansado – diferente do Jogo 2 em que parecia humanamente impossível o jogador não estar com a língua de fora ao final da partida. Mas o Warriors ainda estava 7 pontos à frente no placar.
A única saída para o Cavs era intensificar a defesa e, de fato, vimos a melhor defesa do Cavs nesses Playoffs. Vivo num mundo em que posso dizer que Kevin Love foi o melhor defensor da equipe na partida: não apenas conseguiu 6 roubos de bola ao longo da partida, acertando a dobra de marcação e se antecipando nas linhas de passe, mas também marcou individualmente melhor do que em qualquer outro momento de sua carreira. Com dobras constantes e gente se atirando na bola em todo momento, Kevin Love se antecipando às infiltrações e poucas faltas cometidas, o Cavs conseguiu limitar a maior parte das jogadas de perímetro do Warriors. Foi aí que Kevin Durant começou a receber a bola para jogadas individuais bem próximas ao garrafão, gerando arremessos de média distância pouco característicos da equipe. Foi a saída momentânea para estancar o sangramento que o Cavs está causando com sua defesa, já que Durant pode arremessar por cima de seus defensores. Nesse momento o Cavs, mesmo atrás no placar, parecia estar forçando o Warriors a um outro plano de jogo que ninguém sabia se poderia se sustentar por muito tempo. Quando Durant errou um par de arremessos, parecia que o Cavs tinha verdadeiramente imposto sua vontade em cima do adversário.
O único porém é que o Warriors manteve a cabeça pra fora d’água conseguindo arremessos de três pontos na TRANSIÇÃO toda vez que o Cavs desperdiçava a bola ou gerava um rebote longo. Curry parou duas vezes o contra-ataque a um passo da linha de três para arremessar e converter como se nada estivesse acontecendo. Foi um modo de escapar de uma defesa adversária subitamente energética e composta.
No terceiro quarto, o Cavs pegou toda a confiança acumulada até ali e TOMOU CONTA do jogo. Deu simplesmente tudo certo: a defesa encaixada roubou bolas, os contra-ataques mais controlados do Cavs geraram até mesmo bolas de três pontos, Kyrie Irving cortou para a cesta e recebeu passes dentro do garrafão para bandejas e, já quente, começou a infiltrar contra a defesa do Warriors, nesse momento já preocupada com as bolas de três pontos de JR Smith e Kyle Korver. Foram 18 pontos para Irving no quarto (rumo aos 38 pontos no jogo com mais de 55% de aproveitamento). A defesa do Cavs consegue ser agressiva e física eventualmente, mas é muito difícil vê-la não QUEBRAR, não cometer erros primários na hora de tomar decisões sob pressão. Tomando um sufoco, o Warriors não fez o Cavs tomar essas decisões difíceis e apelou para jogadas individuais que, bem marcadas, deram pouco resultado. O jogo se tornou uma outra criatura, um jogo brigado, trombado, com DUAS BOLAS PRESAS SEGUIDAS (marca registrada), com jogadas individuais, disputado de verdade, aquilo que todo mundo queria ver nos Playoffs até aqui. Resumindo, o jogo ficou com a cara de Cleveland. Contra toda a narrativa da série até aqui, o Cavs venceu o terceiro quarto por 11 pontos e entrou no quarto período vencendo por 5. O ginásio ficou subitamente com aquele cheirinho dos Playoffs do ano passado.
Até que faltando 3 minutos para o fim do jogo, com o Cavs vencendo por 6 pontos, o time simplesmente DESPERTOU de seu sonho molhado. Sabe aquele momento em que você está falando em público todo no automático e de repente tem a percepção súbita de que ESTÁ FALANDO EM PÚBLICO e, bizarramente consciente de sua posição, não consegue mais se lembrar de uma única palavra que deveria falar? Aqueles momentos que são como se estivéssemos nos vendo de fora, de longe, quando nos damos conta do que estamos fazendo e da situação em que estamos e entramos simplesmente em pânico? Pois bem: o Cavs de repente percebeu que estava num Jogo 3 de Playoffs em casa, em que uma derrota praticamente decretaria o fim da série, e vendo-se de fora simplesmente não conseguiram mais jogar basquete. Enfiaram os DOIS PÉS NO FREIO. Se fosse futebol na Libertadores da América, o Cavs teria chutado todas as bolas para a arquibancada para os gandulas nunca mais devolverem. Teriam se jogado no chão e, na mais pura catimba, teriam feito todas as substituições que somariam um total de duzentos minutos de futebol não jogado. Como era basquete e as posses de bola só podem ter apenas 24 segundos, o que o Cavs fez foi usar o máximo possível o cronômetro e então lutar pelo rebote ofensivo para tentar ganhar 24 segundos a mais. Se fosse futebol, a 3 minutos do fim Tyronn Lue estaria no banco gritando “ACABA O JOGO, PROFESSOR”.
Até aquele ponto o ataque do Cavs havia sido verdadeiramente exemplar: foram 113 pontos em apenas 94 posses de bola, 12 bolas de três pontos, LeBron e Irving somando 77 pontos num aproveitamento acima dos 50%. JR Smith e Kyle Korver haviam somado 7 bolas de três pontos e, mais incrível ainda, a defesa havia funcionado com os dois em quadra e Kevin Love protegendo o aro. Mas com 3 minutos restando no relógio, tudo desabou: JR Smith errou uma bola de três pontos, Love perdeu uma bola que recebeu de LeBron embaixo da cesta, Irving errou um arremesso e aí pegou o próprio rebote apenas para LeBron errar um arremesso da cabeça do garrafão na mesma posse de bola.
Do outro lado da quadra, o Warriors manteve o mesmo modo pânico de todo o segundo tempo: Kevin Durant cortou para a cesta numa jogada individual e arremessou por cima de Tristan Thompson, que não chegou nem perto de contestar o arremesso. Para responder, o Cavs tentou uma bola de três pontos, um arremesso excelente da zona morta que Kyle Korver errou numa infiltração de LeBron. Foi uma sequência grande demais de DESASTRES OFENSIVOS que o Warriors não deixaria passar em branco.
Kevin Durant simplesmente correu em direção à cesta, parou na linha de três pontos e fez casualmente a bola de três pontos que colocou em definitivo o Warriors à frente do placar:
A resposta, completamente desesperada, foi um arremesso MUITO RUIM de Kyrie Irving, forçado quando o armador percebeu que não conseguiria infiltrar em cima de Klay Thompson. Até o começo do quarto período o Cavs tinha dominado o ritmo da partida e colocado Irving para atacar a cesta em situações muito vantajosas. Nenhuma bandeja foi fácil – Irving tem esse poder mutante de conseguir finalizações em ângulos birutas – mas foram todas bolas que ele seria capaz de converter.
Mas nesses momentos cruciais, nenhuma movimentação ou jogada desenhada aconteceu: Irving apenas ficou mano-a-mano com o melhor defensor do Warriors nessa série. Não funcionou, assim como não funcionou nenhum dos 7 arremessos de três pontos que Irving deu na partida.
Essa última jogada foi toda cagada, especialmente porque na ânsia de usar o máximo do cronômetro, o Cavs não percebeu que o Warriors teria 24 segundos de posse de bola com 25 segundos restando no cronômetro geral. Se tivesse arremessado mais rápido, o Cavs teria ainda uma posse de bola final para tentar arrumar um possível erro eventual. Nessa situação não tinha outro jeito a não ser fazer falta em Curry ou Durant – algo que o Cavs também demorou para fazer – e, convertidos os lances livres, aceitar o amargor da derrota.
É como se o Cavs finalmente tivesse entendido, finalmente tivesse dominado o ritmo necessário para ser capaz de jogar em pé de igualdade com o Warriors. Mas subitamente ciente do peso da situação, o ritmo CONGELOU, o Cavs endureceu, o ataque virou uma sequência de isolações a zero quilômetros por hora, e o Warriors se aproveitou para fazer ONZE PONTOS A ZERO nesses 3 minutos cruciais da partida.
Ao fim do jogo, LeBron James ainda manteve saldo positivo – seu time fez 7 pontos a mais do que tomou enquanto ele esteve em quadra – mas nos menos de 3 minutos em que esteve no banco, o Cavs tomou 12 pontos a mais do que fez. LeBron só descansou TRINTA E QUATRO SEGUNDOS no segundo tempo. O banco do Warriors manteve o placar próximo o bastante para que uma reviravolta pudesse acontecer naqueles 3 minutos finais.
Story of the game/series/season/franchise:
LeBron on-court CLE +7 in 46 mins
LeBron off-court CLE -12 in 2 mins— Tom Haberstroh (@tomhaberstroh) June 8, 2017
Uma vitória do Cavs ainda é amplamente possível, especialmente depois desse jogo sensacional que tivemos na noite de ontem. Mas nunca um time da NBA se recuperou numa série de Playoffs após estar perdendo por 3 a 0. A situação agora está oficialmente no terreno dos milagres – mas o Cavs certamente viu uma porta pela qual tentarão passar de novo, dessa vez mantendo-a aberta nos 3 minutos finais do Jogo 4.