🔒Sem final feliz

Parecia uma história feliz, dessas que viram filme, palestra motivacional e lição administrativa para todas as franquias da NBA: Paul George forçou a mão para ser trocado, ameaçou não renovar com qualquer equipe que não fosse o Los Angeles Lakers e, após a aposta corajosa do Oklahoma City Thunder, se encantou com a cidade, com os jogadores e decidiu ficar por lá mesmo. A moral da história é que pode ser possível apostar numa troca por um jogador em último ano de contrato, mesmo correndo o risco de perdê-lo por nada, porque ele pode se apaixonar pelo time e resolver ficar. Vale a pena arriscar quando você confia no seu projeto, nos ensinou o Thunder. E então, apenas um ano depois, eis que Paul George resolve sair e todo o cenário de filme feliz desmorona. Sem Paul George o time não teve outra opção que não fosse ficar também sem Russell Westbrook, e o time simplesmente IMPLODIU diante dos nossos olhos. A história motivacional virou pesadelo, um exemplo de como franquias da NBA são frágeis e muitas vezes não sobrevivem a uma aposta equivocada.

A história de Paul George com o Thunder não é um caso isolado. Quis o destino que na mesma semana em que o Thunder perdeu seu jogador, outra bonita história tenha chegado a um fim abrupto e melancólico: Kawhi Leonard, enviado contra sua vontade para o Toronto Raptors, até ganhou o sonhado título por lá, mas decidiu não ficar na franquia. Ironicamente, Kawhi e Paul George jogarão juntos no Los Angeles Clippers, tornando a equipe um lembrete duplamente cruel de que atrair jogadores sem contrato pode ser mais seguro do que tentar trocas ousadas. Ao Thunder e ao Raptors, sem suas estrelas, restam os prêmios de consolação: muitas escolhas de draft para um, um título de campeão para o outro.

Evidentemente, ser campeão da NBA é, em si, uma espécie de final feliz – basta pensar em quantos grandes times da história, e alguns dos melhores jogadores de todos os tempos, não conseguiram o feito. No entanto, a saída de Kawhi deixa um estranho gosto amargo na boca ao cortar na raiz as chances de novos títulos de um time que, no mínimo, deveria estar na briga pelo repeteco. Não é comum ver times campeões sofrerem uma perda tão significativa a ponto de não poderem mais sequer ser cogitados para a disputa, e muito menos terem que iniciar imediatamente um processo de reconstrução ao redor de seus jovens nomes. O título é uma conquista incrível, mas ir dormir sonhando com uma possível dinastia e acordar encarando uma reconstrução é um baque considerável. A felicidade do que foi ficou ofuscada pelo enorme potencial, agora morto, do que poderia ter sido.

Para o Thunder, a situação é ainda pior. Não apenas o título não veio como o time também perdeu no processo de aquisição de Paul George jogadores jovens que, embora parecessem de menor valor à época, hoje seriam pilares de reconstrução em qualquer franquia: Victor Oladipo e Domantas Sabonis. A dupla é, nesse momento, fundamental para o sucesso do Indiana Pacers e permitiria uma reformulação bastante acelerada se ainda estivesse no Thunder. Ao enviar Paul George para o Clippers, o Thunder até conseguiu bastante coisa – vale lembrar que George vem da melhor temporada da carreira e, portanto, se valorizou no mercado – mas são apenas acenos para um futuro distante, não pilares imediatos. O pacote da troca foi o seguinte:

– Shai Gilgeous-Alexander, com apenas uma temporada nas costas mas bastante potencial

– o contrato expirante de Danilo Gallinari, que deve oferecer flexibilidade salarial (ou algumas escolhas de draft, em caso de troca)

– a escolha de primeira rodada do draft do Heat em 2021 (que o Clippers recebeu na troca do Tobias Harris

– a escolha de primeira rodada do draft do Clippers em 2022

– a escolha de primeira rodada do draft do Heat em 2023 (protegida se vier nas primeiras 14 posições, que o Clippers recebeu ao absorver o contrato de Mo Harkless e ajudar Heat e Blazers a fazerem negócio entre eles)

Рa possibilidade de trocar de posi̤̣o com o Clippers no draft de 2023

– a escolha de primeira rodada do draft do Clippers em 2024

Рa possibilidade de trocar de posi̤̣o com o Clippers no draft de 2025

– a escolha de primeira rodada do draft do Clippers em 2026

O Thunder vai colher dividendos dessa troca até o longínquo ano de 2026, quando andaremos em carros voadores e o basquete já será dominado por clones, mas todas essas escolhas de draft precisarão ser TRANSFORMADAS em algo, seja pelo desenvolvimento dos futuros jogadores, seja por sua inclusão em futuras trocas. Nenhuma delas é, por enquanto, uma peça estabelecida de reconstrução – e dificilmente qualquer uma delas se tornará Paul George, a peça central para manter também alguém do calibre de Russell Westbrook.

Perder jogadores desse naipe é sempre um banho de água fria, e o motivo principal para franquias raramente apostarem em trocas sem a garantia – ainda que informal – de que os jogadores que chegam continuarão na equipe a longo prazo. Na teoria jogadores em contratos convencionais não podem escolher para onde serão trocados, já que pertencem às suas equipes, mas na prática a simples menção de que um jogador só renovará com uma franquia específica costuma ser suficiente para afastar todos os outros interessados, receosos demais com a ideia de enviar peças valiosas em nome de um mero “empréstimo” que muitas vezes é de apenas um ano ou menos, já que jogadores tendem a ser trocados nos momentos finais de seus contratos. Esse receio das franquias acaba dando aos jogadores um PODER inesperado: eles podem desistir de seus times atuais e não apenas exigir uma troca, mas também DITAR para qual equipe querem ir, dentro do que for possível financeiramente. Numa liga em que os jogadores aprenderam o incrível poder de assinar contratos mais curtos para poder escolher onde jogar o tempo inteiro, pulando fora de quaisquer projetos que não funcionem a curto prazo, a ideia de que jogadores possam além disso escolher seus destinos de troca parece criar um exagero que incomoda muitos torcedores.

É por isso que as histórias do Raptors e do Thunder eram mais do que bonitas, elas eram IMPORTANTES. Foram times que ignoraram seus receios, fizeram grandes apostas e sonharam com a possibilidade de convencer estrelas de que às vezes aquilo que não esperávamos pode ser o melhor para nós mesmos. Provavelmente o que mais me incomoda com a leva de jogadores escolhendo seus destinos tanto fora quanto dentro de seus contratos é uma certeza implícita de que eles sabem PERFEITAMENTE BEM o que será melhor para eles e suas carreiras; de que sempre escolherão os melhores companheiros, os melhores técnicos, os melhores sistemas táticos e os melhores mercados possíveis. O problema com essa ideia é de que muitas vezes não fazemos A MENOR IDEIA do que funcionará melhor para nós mesmos, principalmente porque em geral não temos conhecimento ou repertório suficiente para tomar esse tipo de decisão. Muitos dos grandes momentos do esporte – e da vida – são parcerias improváveis, encontros estranhos, acontecimentos inesperados que permitem aos envolvidos se tornarem algo muito melhor – ou apenas diferente – daquilo que eles imaginavam, do sonho limitado e restrito que possuíam. Provavelmente Shaquille O’Neal e Kobe Bryant nunca teriam jogado juntos, se pudessem escolher, mas a necessidade de jogarem juntos tornou ambos melhores do que seriam separados, por exemplo. E isso se aplica para além de exemplos de parcerias entre jogadores dentro de quadra: muitas vezes jogadores acreditam que serão mais felizes em grandes mercados como Los Angeles mas se descobrem verdadeiramente realizados em cidades menores, surpreendidos com o calor da torcida, com o acolhimento da comunidade ou simplesmente com o nível de foco no basquete possível numa cidade sem maiores distrações – é o que dizem as fofocas sobre Blake Griffin, por exemplo.

Mas não conheço nenhum exemplo melhor de parceria inusitada do que a bizarra união entre Manu Ginóbili e Gregg Popovich. Por livre e espontânea vontade, o criativo e inovador armador argentino dificilmente escolheria jogar para o rigoroso e controlador técnico do Spurs. Pelas expressões faciais e pelo SUOR que escorria de Popovich, o armador também não era seu jogador obediente dos sonhos. Esse encontro impensável, no entanto, acabou extraindo o melhor de ambos: através de concessões, aprendizados e experimentações, os dois encontraram o caminho para 4 títulos da NBA e uma das equipes mais dominantes de todos os tempos. Às vezes a adversidade, a surpresa, a adaptação, o insondável é muito, muito superior ao sonho óbvio a que tanto nos agarramos. Paul George e Kawhi Leonard tem o sonho de jogar juntos, de criar uma “super-defesa”, de ganhar um título. Mas foi a parceria de Kawhi com o menos celebrado Kyle Lowry que rendeu um anel de campeão contra o Golden State Warriors.

Não restam dúvidas de que a NBA é uma liga feita pelos jogadores, com poder nas mãos dos jogadores, e é assim que deveria ser. São eles, afinal, as estrelas do espetáculo e o motivo pelo qual assistimos aos jogos, analisamos partidas e dedicamos nossas vidas ao esporte. Quando critico a mão dura com que os jogadores escolhem seus destinos de troca, ou como os times que apostam em jogadores no final de contrato são punidos, não é porque queria ver mais poder nas mãos das franquias e nem porque isso piora o espetáculo para os torcedores; meu argumento é de que, em última instância, isso é pior PARA OS JOGADORES. Limita seus horizontes e suas possibilidades, diminui a possibilidade das franquias serem ousadas e criativas, impede que os jogadores tenham que se adaptar e inventar novas abordagens, reduz o nível de aleatoriedade e de imprevisibilidade que costuma abrir as portas para o sucesso e para a genialidade.

No futuro, outras franquias infelizmente terão que pensar duas vezes antes de aceitar jogadores na situação de Kawhi ou Paul George e dependerão cada vez mais de contratos verbais com jogadores que querem jogar para eles antes mesmo de experimentar como será. Os times terão que se preocupar mais com a IMAGEM que transmitem aos jogadores e sempre negociar em grupos de dois ou três jogadores, para abrigar os atletas que decidem jogar juntos. Esse processo é inevitável: os jogadores sentem que podem controlar poucas coisas e, com o medo de um casamento fracassado capaz de arruinar carreiras (como foi a união de Carmelo Anthony com o New York Knicks, por exemplo), tendem a controlar aquilo que podem, ou seja, a RELAÇÃO e a AMIZADE entre eles mesmos. Jogadores criam amigos e pensam que, no meio do caos natural do esporte, podem ao menos controlar em alguma medida com quem poderão jogar, buscando seus vínculos mais próximos. Aos times, resta adaptar-se a essa tendência e fazer os ajustes necessários na gestão do espaço salarial e nas negociações de contratação.

Mas mantenho a esperança de que, apesar desses dois casos recentes, mais times tenham a coragem de tentar esse tipo de troca por estrelas em contratos expirantes. Pode ser que essas trocas não tenham um final feliz, mas afinal de contas o que seria um “final” num esporte que nunca termina, em que uma temporada sempre segue a outra? O impacto da ida de Kawhi Leonard a Toronto, com o título conquistado por lá, pode ter consequências imprevisíveis meses, anos ou décadas no futuro. Talvez, ainda que Kawhi Leonard tenha partido, sua passagem acabe tornando Toronto um dos maiores mercados da NBA no futuro, o Raptors um dos destinos favoritos dos jogadores sem contrato e sua torcida uma das mais apaixonadas da NBA. Talvez a saída de Paul George coloque o Thunder num processo de reconstrução que já era necessário, e que a franquia evitaria por tempo demais graças ao peso de suas estrelas. Essa é a graça do esporte: apesar das previsões, das análises e das consequências imediatas, tudo é inesperado. Não há final feliz apenas porque não há nunca um final possível; Kawhi Leonard pode ser campeão de novo no Clippers, ou então nunca mais vencer um título e ter sua carreira irremediavelmente associada ao Toronto Raptors, para sempre e sempre – justamente o time que ele abandonou. O futuro desses jogadores é totalmente imprevisível, por mais que eles insistam em tentar desenhar seus “cenários ideias” e fujam desesperadamente de abraçar o inesperado. No fundo, apenas não percebem que se abrir a novos encontros é sempre uma oportunidade de encontrar algo melhor do que suas experiências limitadas eram capazes de conceber.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.