O modelo que montou o atual Sixers, a partir de 2013, foi um modelo de extremos: o time seria campeão ou seria o pior de todos; os jogadores seriam estrelas inegáveis ou seriam trocados. A ideia era do então General Manager da equipe, Sam Hinkie, que acreditava que apenas os extremos eram válidos na luta por um título da NBA. Jogadores medianos seriam uma cilada: não levam um time a ser campeão e também não permitem que o time seja ruim o bastante para conseguir boas escolhas de draft, de onde surgirão os jogadores bons o bastante para levar um time a ser campeão. Jrue Holiday, então armador do Sixers, foi o primeiro a rodar por não apresentar indícios de que poderia liderar um time e foi trocado por uma escolha de draft. Michael Carter-Williams, eleito melhor novato do ano em 2014, foi o próximo: sua temporada inaugural de destaque não havia sido suficiente para mostrar que o jogador seria uma estrela no futuro, de modo que virou mais uma escolha de draft.
Desde então o Sixers especializou-se em pegar os melhores jogadores disponíveis no draft, ignorando quaisquer receios com lesões, saúde ou encaixe em quadra, em busca daqueles talentos extremos que lançariam o time diretamente para o topo da NBA. Jogadores draftados que não eram estrelas indiscutíveis – Nerlens Noel, Jahlil Okafor, Landry Shamet, Markelle Fultz, Dario Saric e Robert Covington – foram todos trocados por estrelas ou escolhas de draft que poderiam virar, futuramente, estrelas. A única coisa inaceitável para o Sixers é ser um time medíocre, mediano; os longos anos entre os piores times da NBA de maneira metódica e planejada foram tolerados para que o time fosse campeão, não para que se tornasse um time comum. Para ser um time comum, bastaria ter mantido os jogadores medianos que acumulou ao longo dos anos, sem necessidade da leva de derrotas sofridas e de trocas duras desses jogadores medianos em nome de um alvo mais ambicioso.
Cinco temporadas após implementar esse modelo, o Sixers já foi parar nas Semi-Finais da Conferência Leste sob o comando de duas daquelas estrelas tão almejadas, Joel Embiid e Ben Simmons. O sucesso da franquia virou modelo de planejamento, comprometimento e estratégia, uma série de elementos que os fãs de Sam Hinkie, o idealizador desse método, intitularam de “O Processo”. Perder por vários anos consecutivos pode ser duro, mas supostamente permite algum controle sobre o processo de reconstrução de uma franquia que o Sixers, sob outras circunstâncias, jamais teria. Para um time em frangalhos, alcançar as Semi-Finais de Conferência (e entrar na temporada 2019-20 como um dos grandes favoritos para levar o Leste) já seria uma conquista merecedora de uma boa dose de celebrações.
O “Processo” de Sam Hinkie, no entanto, também tem seu lado negativo – um lado que mostra cada vez mais as suas caras e que determinará como julgaremos a reconstrução desse Sixers para o futuro.
Talvez a primeira baixa de todo o processo tenha sido, aliás, o próprio Sam Hinkie, seu idealizador, que deixou o comando da equipe após uma série de pressões e uma crescente impaciência da diretoria com a falta de resultados do time. A impaciência era justificada, mesmo com todos os envolvidos cientes de que se tratava de um projeto de longo prazo, porque PERDER DEMAIS estava não apenas tendo um impacto negativo na torcida e nas finanças da equipe como também no desenvolvimento dos jovens talentos da equipe, desmotivados com a falta de perspectiva de vitória. Essa CULTURA DO FRACASSO é mais um dos pontos negativos do “Processo”, interferindo no estabelecimento de atletas que, em times mais competitivos, poderiam ter se tornado peças valiosas para compor um elenco. Em tema relacionado, diversos jogadores não tiveram sequer chances de evoluir e se estabelecer como jogadores profissionais, sendo descartados frente a qualquer adversidade – Nerlens Noel, Jahlil Okafor e Markelle Fultz, por exemplo, tiveram suas carreiras seriamente comprometidas porque havia uma total falta de comprometimento do Sixers com o desenvolvimento de suas habilidades. Isso criou também um clima de profunda fragilidade nos vestiários, em que qualquer jogador, por mais importante que pareça, pode ser a qualquer momento trocado em nome de mais uma estrela, mais um grande nome, rumo àquele extremo de grandeza que pauta todas as ações do time. Sobraram apenas os sobreviventes, os All-Stars, independentemente de quão bem poderiam funcionar juntos, e outros jogadores desimportantes apenas para tapar buraco e compor o elenco. Afinal, ir para o extremo de colecionar estrelas – no caso do Sixers atual, Joel Embiid, Ben Simmons, Al Horfor e Tobias Harris – também significa que você precisa ir para o outro extremo na hora de completar sua equipe, já que falta espaço na folha salarial para os jogadores secundários.
Quando somamos todos esses aspectos negativos do “Processo”, vemos as dificuldades do atual Sixers: um vestiário confuso, em que as estrelas são os jogadores mais novos e os veteranos experientes tem papeis secundários, bagunçando a liderança da equipe e contribuindo para um clima de instabilidade; trocas constantes, que impedem os jogadores de saberem seus papeis, a comissão técnica de se ater a um plano de jogo, e o elenco de alcançar algum grau de química e de comprometimento com a franquia; estrelas que, colecionadas a todo custo, não se encaixam umas com as outras do ponto de vista tático quando entram em quadra juntas; uma pressão enorme por vitórias num time que, por longos anos, não viu nada além de derrotas; e, por fim, um elenco de apoio em que falta talento, sem jogadores medianos capazes de manter um padrão de jogo. Todos esses elementos podiam ser facilmente ignorados quando o time fazia sua surpreendente viagem rumo às Semi-Finais da Conferência Leste após anos de derrotas, mas agora que as expectativas são elevadas tudo muda de figura: atualmente sem mando de quadra, mais de 12 vitórias atrás do líder do Leste, incapaz de vencer jogos fora de casa (são 9 vitórias e 19 derrotas, uma das piores marcas da Conferência), com Al Horford afirmando publicamente sua dificuldade de se encaixar nesse time e Joel Embiid envolvido em polêmicas constantes e sendo eventualmente vaiado pela torcida da Philadelphia pela sua postura e posicionamento nas redes sociais, cada fissura no Sixers torna-se ESCANCARADA, irremediavelmente visível. E é preciso saber, agora, se essas fissuras podem ser arrumadas ou se elas fazem tão parte do “Processo”, são tão estruturais, que para arrumá-las seria preciso desmoronar todo o prédio.
Para além das dificuldades extra-quadra, os problemas de instabilidade, de vestiário, de expectativa, de cobranças, de experiência e de química, o problema mais evidente que assola o Sixers – e que todos os torcedores ainda tem esperança de que seja consertado – é o ENCAIXE desse time em quadra. O motivo pelo qual essa questão tornou-se prioritária é a crença de que, se ela for resolvida, todas as outras serão, DE UMA VEZ SÓ, resolvidas ou minimizadas. Se esse time tivesse uma série de questões estruturais internas mas estivesse vencendo de maneira convincente, na primeira ou segunda colocação do Leste, tudo seria relevado. No entanto, não apenas essas vitórias não estão vindo na frequência sonhada como a maneira com que o time se apresenta dedura problemas sérios de difícil resolução que apenas INTENSIFICAM as demais dificuldades e acabam ampliando a frustração dos jogadores – incluindo um impacto na linguagem corporal dos atletas, por exemplo, que é constantemente criticada por parecer desmotivada, impaciente e individualista.
O principal problema de encaixe da equipe é que numa Era obcecada pelas bolas de três pontos, o Sixers não consegue um quinteto capaz de converter esses arremessos e criar, portanto, espaço para que seus jogadores de garrafão possam atuar. Nesse momento da temporada, os números são aterradores: o Sixers está entre os 10 times que menos tentam bolas de três pontos, entre os 10 que menos convertem, e entre os 12 com pior aproveitamento nesse arremesso. Em geral os times que menos arremessam do perímetro (Spurs e Pacers, por exemplo, são os dois times que menos tentam essas bolas) compensam estando no topo do aproveitamento (ambas as equipes figuram ao menos no Top 10). O Sixers une, então, o pior de dois mundos: arremessa pouco e converte pouco as bolas mais valiosas do basquete.
Isso se explica, em parte, pelo fato de que o quinteto mais utilizado pelo Sixers na temporada é composto por dois pivôs (Joel Embiid e Al Horford), dois alas de força (Tobias Harris e Ben Simmons, que deveriam ser alas de força no basquete moderno) e um ala-armador, um shooting guard (Josh Richardson). Na prática, TODOS esses jogadores jogam melhor atacando a cesta ou arremessando na meia distância, o que significa que seus defensores não precisam se afastar muito da cesta e podem sempre ajudar a povoar o garrafão. Para impedir isso é preciso ESPAÇAR a quadra, ou seja, afastar jogadores atacantes do aro para que seus defensores acompanhem e exista mais espaço para infiltrar, mas os defensores não precisam sequer marcar com tanto afinco os jogadores do Sixers no perímetro. Para termos uma ideia, Ben Simmons sequer tenta bolas de três pontos (arremessou 6 na temporada inteira, acertando duas), enquanto Embiid, Al Horford, Alec Burks, Josh Richardson, Mike Scott e James Ennis estão com aproveitamento inferior à da média da NBA em bolas de três pontos. Tobias Harris consegue um aproveitamento bem ali na média, e apenas Furkan Korkmaz, Raulzinho, Matisse Thybulle e Trey Burke arremessam acima da média da NBA – nenhum dos quais deveria ter minutos significativos, nesse momento de suas carreiras, num time com pretensões de ser campeão.
A SLAM separou recentemente uma imagem que demonstra perfeitamente a dificuldade de se ter um elenco com baixo aproveitamento do perímetro e tão voltado para as bolas de curta e média distância:
Vejam que Embiid tem a bola em suas mãos numa posição muito favorável, sendo marcado individualmente por Clint Capela. No entanto, James Harden – nesse caso, marcador de Ben Simmons – abandonou COMPLETAMENTE seu homem para habitar o garrafão, impedindo uma potencial infiltração de Embiid. Além disso, PJ Tucker, marcador de Al Horford, não tem vergonha nenhuma de abandonar o perímetro e ficar com os DOIS PÉS no garrafão; mesmo Danuel House, que deveria estar marcando Tobias Harris (que, como vimos, pelo menos está na média em termos de aproveitamento de bolas de três pontos) está mais dentro do garrafão do que fora. Na prática temos três jogadores do Rockets defendendo o garrafão, um fora mas colado em Embiid, e apenas um que está no perímetro (no caso, Westbrook está preocupado com Josh Richardson, que nem aparece na imagem, e mesmo assim está perto o bastante para colocar uma mão no caminho e atrapalhar Embiid caso o pivô bata para a sua direita). Embiid tem assustadores 70% de aproveitamento em arremessos de frente para a cesta próximos ao garrafão, mas contra QUATRO defensores vai ser difícil sequer tentar esse arremesso. Nenhum jogador, nem mesmo James Harden, sofreu mais marcações duplas do que Embiid ao longo desta temporada, e o pivô ainda não sabe muito bem o que fazer nessas situações, especialmente porque seu time não tem arremessadores especialistas para auxiliá-lo.
Abaixo, separei uma jogada que exemplifica bem o problema: mesmo os jogadores do Sixers que tem bom aproveitamento no perímetro não são especializados nisso e prefeririam não ter que dar esse arremesso com tanta frequência, o que gera absurdos como essa jogada aqui.
We knew coming into the year that offensive spacing would be a huge issue for the Sixers.
But if Tobias Harris isn’t going to take *this* shot, it’s far worse than anyone imagined pic.twitter.com/wmQF78U37u
— Bryan Toporek (@btoporek) November 14, 2019
Na jogada acima, o Cavs se atrapalha todo e Ben Simmons, que é um gênio perto da cesta, acaba atraindo dois marcadores. Com isso temos Tobias Harris completamente livre na linha de três pontos, de frente pra cesta, mas ele REFUGA e tenta uma infiltração NADA A VER que acaba se tornando uma falta de ataque, já que o Cavs tinha quatro defensores dentro do garrafão naquele momento.
Essa dificuldade com o perímetro não é apenas um problema para conseguir bolas de três pontos, ela impacta também a capacidade do Sixers de atacar o aro. Como vimos, ter defensores que podem se aglomerar embaixo da cesta gera mais faltas de ataque e permite mais dobras (ou até marcações triplas) contra um jogador que tente uma infiltração ou uma jogada de costas para a cesta. Isso acaba aparecendo no fato de que o Sixers, por exemplo, está entre os 10 times que menos cobram lances livres, porque com ajuda defensiva aos montes um marcador batido não é obrigado a fazer uma falta. Quando somamos a isso o fato de que o Sixers é o sétimo pior em aproveitamento de lances livres (Ben Simmons, quem mais tem a bola nas mãos, acerta apenas 62%, enquanto os melhores arremessadores de quadra do time, Trey Burke e Korkmaz, acertam míseros 72%) temos um cenário desolador de um time que simplesmente não consegue fazer pontos fáceis.
A falta de arremesso limita muito o time coletivamente, mas tem impactos enormes no desempenho individual de alguns jogadores também. O caso mais extremo – até mais do que Embiid sofrendo com as marcações duplas – é o de Ben Simmons. Na NBA, o único jogador que toca mais na bola do que Simmons por jogo é Nikola Jokic, o motor principal do Nuggets. O problema é que, ao contrário de Jokic, Simmons não arremessa de média ou de longa distância e praticamente não tem companheiros ao seu redor que o façam, o que faz com que ele não tenha espaço para atuar e seus defensores saibam sempre exatamente o que esperar. Como resultado, Ben Simmons é um dos cinco jogadores que MENOS faz pontos a cada vez que toca na bola, se unindo a um grupo muito triste que inclui Lonzo Ball e Ricky Rubio – jogadores que fazem parte de ataques menos dependentes de seus pontos e que tocam bem menos na bola do que Simmons.
Se pudesse jogar mais perto da cesta, Ben Simmons poderia tocar menos na bola e ser mais decisivo quando o fizesse, mas isso significaria tirar espaço próximo da cesta de Joel Embiid. Essa questão de um comer espaço do outro fica bem evidente quando vemos as duplas de jogadores mais eficientes da equipe. Os melhores minutos do Sixers na temporada inteira foram quando Joel Embiid jogou ao lado de Mike Scott, um ala de força que arremessa de três pontos e pouco habita o garrafão. Enquanto isso, a pior dupla em quadra (a única com saldo negativo a ter jogado mais de 400 minutos nessa temporada) foi Joel Embiid e Al Horford juntos, dois jogadores de garrafão com aproveitamento abaixo da média do perímetro, ou seja, que podem ser deixados relativamente sozinhos em caso de arremessos de longa distância. A dupla Embiid e Ben Simmons não é muito melhor; tem saldo positivo, é verdade, mas por muito pouco: fazer um ponto a mais do que leva não é o que se espera dos seus dois melhores jogadores no momento em que estão juntos em quadra.
Quando vemos os melhores quintetos, temos situação similar. Dos cinco melhores quintetos em quadra, nenhum inclui a dupla Embiid e Al Horford: os que tem Embiid, não tem Al Horford; os que tem Al Horford, não tem Embiid. Além disso, dois desses quintetos incluem o novato Matisse Thybulle, que é mais cru do que vaca que muge e não deveria ser uma opção consistente nos Playoffs.
O encaixe entre os três principais jogadores, que deveria ser óbvio – eles sempre deveriam ser titulares e estar em quadra ao mesmo tempo – já é complicado em si: quando estão os três juntos, o saldo do time é negativo. Para ter saldo positivo, alguém vai pro banco: Ben Simmons e Embiid juntos fazem mais pontos do que levam, ainda que pouquinho, e Ben Simmons e Al Horford juntos se saem ainda melhor. No entanto, o melhor resultado do Sixers disparado em combinações desses três jogadores é com Embiid completa e absolutamente sozinho, sem nenhum dos outros dois comendo seu espaço de quadra. Sua versatilidade o torna mais difícil de marcar individualmente na meia quadra do que Ben Simmons e Al Horford, e nenhum dos seus companheiros lhe retira o espaço necessário para que atue.
O quebra-cabeças é mais complicado do que parece, no entanto: enquanto o Sixers é um dos times que mais faz jogadas de costas para a cesta, o aproveitamento do Sixers dispara nessas bolas quando Embiid NÃO está em quadra. Ou seja, a vontade de abrir espaço para que Embiid possa dominar o jogo de costas para a cesta não se justifica no mundo real; Embiid é a melhor versão de si mesmo quando está de frente para o aro, muitas vezes fora do garrafão, e quando pode ter espaço para arremessos de média distância ou para infiltrações. É difícil explicar que para que Embiid possa jogar melhor fora do garrafão, nenhum outro jogador do seu time pode estar habitando o garrafão, para que haja espaço, e arremessadores precisam estar disponíveis para que ele não sofra marcação dupla. É o que o Rockets faz, agora, para que Harden infiltre mais: se livrar do pivô, com a diferença de que, aqui, Embiid é o pivô.
O que o Sixers precisava, portanto, era de um pouquinho de JJ Redick, que fazia parte da equipe na temporada passada – mas ele não era uma estrela, não era Al Horford, e portanto era descartável. Sua ausência acabou destruindo o pouco que havia de espaço para Embiid trabalhar. Não é por acaso que quando perguntado, Embiid admitiu que o time não tem uma identidade ofensiva porque o espaçamento é “um problema”:
Joel Embiid on whether the #Sixers have an offensive identity right now:
“No we don’t. Spacing is an issue.” pic.twitter.com/VHzwyKNDm4
— Dave Uram (@MrUram) February 5, 2020
Há muita pressão, portanto, para que o técnico Brett Brown mude o esquema tático e resolva essas questões fundamentais para o time. Sua capacidade de usar Ben Simmons em muitas situações, de transformar o time de um jogo de Playoff para outro, de acoplar novos jogadores nas infinitas trocas de meio de temporada e o fato de que o Sixers está sempre entre as melhores defesas (nesse momento é a quinta melhor, por exemplo) sempre foi suficiente para mantê-lo no cargo, mas o ataque disfuncional tem exposto o time demais em quadra, de modo que eventualmente Brown não terá mais a oportunidade de procurar soluções. No entanto, insisto em não achar que o problema é responsabilidade do técnico – pelo contrário, técnicos menos versáteis e criativos já teriam caído há muito tempo nesse pesadelo de encaixe. Brown já tentou seu tradicional ataque “espaçado e fluído”, mas o Sixers não tem especialistas no perímetro o bastante para forçar as defesas a contestar esses arremessos; já tentou fazer uso do tamanho dos seus jogadores e se focar no garrafão, também sem sucesso porque as defesas podem dobrar a marcação e falta espaço; e já tentou todas as combinações possíveis de jogadores na rotação, tendo que apelar constantemente para reservas desqualificados porque os titulares não funcionam juntos. Não há mais muito o que se fazer e o que se tentar; o problema é mais profundo e anterior.
A história que os números nos contam nesse post é uma história sobre o basquete de verdade, o da quadra – para mim, o mesmo basquete dos números – se rebelando contra o basquete FANTASIA, o basquete do videogame, do “Fantasy”, das listas de internet, que quer apenas juntar o máximo de talento por motivos de É LEGAL. Juntar estrelas, sob qualquer método – contratando, convencendo ou, nesse “Processo”, perdendo e draftando – é sim o bastante para transformar qualquer franquia num time interessante nos Playoffs, mas não é e nunca foi suficiente para estar no topo e ganhar títulos. Para que isso ocorra existem muitos outros fatores, que incluem o encaixe dos jogadores, o papel que desempenham, a possibilidade de que ninguém tenha que fazer concessões muito sérias para ser capaz de jogar com um companheiro, algum grau de química, uma coordenação específica de vestiário e uma capacidade de se adequar ao basquete contemporâneo (ou, de preferência, DITAR as normas do que será o basquete contemporâneo). Ou seja, um monte de fatores que o Sixers poderia ter assumido, mas relevou.
O Sixers que temos em nossa frente é um experimento fascinante, mas é um experimento idealista que até aqui foi recusado pelo mundo real. Há no time talento o bastante para que sejamos surpreendidos, para que uma vitória completamente inesperada nos Playoffs crave o “Processo” como o modelo a ser seguido por todas as franquias em reconstrução no futuro; mas há também no time rachaduras, problemas, ausências, desencaixes e uma total desconexão com o basquete do mundo real que são suficientes, também, para que o time de repente entre numa maré de derrotas, não consiga mando de quadra e seja eliminado, pelo terceiro ano consecutivo, numa Semi-Final de Conferência. E essa indeterminação, infelizmente, é um atestado de que o Sixers perdeu o controle e depende demais de fatores alheios ao time – justamente algo que Sam Hinkie queria evitar ao colocar nas mãos da franquia as chaves de sua própria reconstrução, já que perder pode ser uma ESCOLHA e, portanto, pode ser controlada. Vencer, no entanto, é uma escolha mais difícil do que apenas reconstruir e colecionar talentos: se tivesse olhado com paciência e cautela para o mundo real, o Sixers poderia ter escapado do desespero por Jimmy Butler e por Al Horford e dado prioridade a outros elementos. JJ Redick não é mais talentoso do que Al Horford, por exemplo, mas nesse momento desempenharia um papel muito mais importante para o todo. Isso nos diz os números, no entanto, não a cartilha de adquirir apenas o mais talentoso jogador disponível.
Caso seja eliminado novamente, a realidade certamente baterá nas portas do Sixers: algo terá que mudar estruturalmente, porque a situação atual não é um deslize, ela é fruto da maneira como o time foi CONSTRUÍDO. Talvez seja a hora do time mudar de técnico, mas mais importante, talvez seja a hora de abrir mão de um “talento geracional”, esses talentos que só surgem uma vez a cada geração, contrariando toda a cartilha do “Processo”. Quando os números mostram que uma das estrelas atuais do Sixers precisa sempre estar no banco, talvez seja o momento de admitir que outros jogadores piores, mais modestos e mais especializados, teriam mais impacto – mesmo que isso signifique abrir mão de Simmons ou Embiid, por exemplo. O basquete exige decisões assim, de concessões e de adequações momento-a-momento, ao invés de um plano imutável de uma década.
Para os puristas, os amantes dos planos de longuíssimo prazo e os fãs de carteirinha de Sam Hinkie, uma ação drástica como essas, de trocar uma das duas grandes estrelas do time, teria ao menos algum respaldo no “Processo”: do jeito que é agora, ali no meio da tabela, inseguro sobre as chances de avançar nos Playoffs, sem ser o líder em defesa, quase entre os 1o piores ataques, o Sixers está exatamente ali no meio, no vão, no limbo, no quase. Para um plano de extremos, em que o meio termo é o maior dos pecados, isso é simplesmente inaceitável.