🔒Um MVP para os novos tempos

O prêmio de MVP é um prêmio notoriamente subjetivo, não possui critérios claros de seleção e não serve, em nenhuma medida, para determinar o “melhor” jogador de uma temporada. Sua tentativa de estabelecer o jogador “mais valioso” esbarra na compreensão do que significa, afinal, “ser valioso” e como quantificar esse conceito. Nessa falta absoluta de critérios, os votantes podem levar em conta uma infinidade de fatores, mas tendem a seguir uma espécie de “etiqueta” social, uma convenção não dita, não oficialmente combinada, mas que acaba guiando a maior parte dos discursos. Essa etiqueta leva em consideração, principalmente, quão VITORIOSO um time é na temporada: jogadores em times com recordes medianos ou negativos raramente recebem votos, independentemente de quão bem se saíram individualmente na temporada.

Os membros votantes do prêmio escolhem, cada um, seus três favoritos: um primeiro colocado, um vice e um terceiro colocado. Cada posição confere a esses jogadores uma certa quantidade de “pontos”, que são somados entre todos os votantes para determinar o ganhador. Na temporada passada, apenas James Harden e LeBron James receberam votos de primeiro colocado – um no time líder em vitórias na NBA, o outro no quarto time do Leste, sexto na classificação geral. Todos os jogadores a receberam quaisquer votos foram aos Playoffs. Na temporada 2016-17 Anthony Davis teve uma temporada espetacular, não classificou o Pelicans para a pós-temporada e acabou com dois míseros votos de terceiro lugar – os únicos dados para alguém de um time eliminado na temporada regular. Na temporada 2015-16, quando o Warriors quebrou o recorde de vitórias numa temporada com 73 jogos ganhos, não apenas Stephen Curry recebeu TODOS os votos de primeiro colocado como tivemos Draymond Green com mais votos totais do que James Harden (o Rockets foi o oitavo no Oeste), Damian Lillard (com o Blazers quinto no Oeste) e Kyle Lowry (com o Raptors segundo no Leste). Vencer é tão poderoso que os jogadores secundários de equipes ultra-vencedoras recebem mais votos do que as estrelas de times de menos sucesso; apenas temporadas individuais históricas conseguem quebrar essa regra, e ainda assim só recebem votos de primeiro colocado no prêmio de MVP caso tenham vencido o suficiente para estar entre as melhores equipes do ano.

Isso significa que o prêmio está atrelado, de maneira silenciosa mas clara, a um certo grau de SUCESSO. Os jogadores cotados PRA VALER para o prêmio (ou seja, aqueles que recebem votos de “primeiro colocado”) são aqueles cujo talento se transfere para vitórias – seja pelo estilo de jogo do time ou do jogador, pela estrutura ao seu redor ou pelo resto do elenco. Isso tem um impacto grande em duas frentes principais: nos torcedores e nos times. A torcida aprende o nome dos candidatos reais a MVP, celebra suas temporadas e reconhece esses jogadores como “vencedores”, dando menos atenção para jogadores incríveis que não passam nesses critérios silenciosos do prêmio. E enquanto isso os times aprendem quais jogadores são mais cobiçados, quais estilos de jogo são mais “eficientes”, quais são os objetos de desejo e os caminhos possíveis de se copiar, imitar ou roubar. Não à toa os candidatos a MVP acabam pautando os jogadores que serão escolhidos no draft futuro, por exemplo. Se o prêmio não serve para determinar quem na Liga é o melhor jogador, ao menos serve MUITO BEM para determinar o que é que a NBA está PENSANDO, quais são as táticas, os estilos, os planos dos times naquele momento.

Quando nos damos conta, então, de que o último pivô a receber um voto de primeiro colocado no prêmio de MVP foi Dwight Howard na temporada 2010-11, podemos perceber como o imaginário da NBA migrou completamente para outras posições nos últimos anos. Mesmo na temporada 2010-11, quem ganhou o prêmio de MVP foi Derrick Rose, com 113 votos de primeiro colocado. Além dele, LeBron James recebeu 4 votos, Dwight Howard 3 e Kobe Bryant um votinho só. Temos na lista outros jogadores que não são exatamente armadores ou alas-armadores tradicionais (Dirk Nowitzk ficou em sexto na disputa para MVP, Amar’e Stoudemire em nono e Blake Griffin em décimo), mas apenas Dwight Howard recebeu as “honras” de um voto de primeiro colocado, acabando a disputa em segundo lugar.

Analisar os ganhadores de votos de primeiro colocado desde então nos conta, de certa forma, a história da NBA nesse período. Na temporada 2011-12 tivemos LeBron James (MVP), Kevin Durant, Kobe Bryant e Tony Parker (por ser membro do Spurs líder no Oeste na temporada). Na temporada 2012-13 tivemos LeBron James (MVP quase unânime) e Carmelo Anthony (que recebeu um mísero votinho de primeiro colocado pelo seu Knicks ser o segundo do Leste, atrás apenas do Heat de LeBron). Na temporada 2013-14 temos Kevin Durant (MVP pelo Thunder) e LeBron James de novo. Na temporada 2014-15, Stephen Curry (MVP),  James Harden e LeBron James. Na 2015-16, Stephen Curry foi o primeiro MVP unânime, sem votos de primeiro lugar para mais ninguém. Na 2016-17, temos Russell Westbrook (MVP na sua temporada com médias de triple-double), James Harden, Kawhi Leonard e LeBron James com um mísero votinho, só pra não ficar de fora. E na temporada passada, apenas dois jogadores receberam votos de primeiro colocado: James Harden, o MVP, e LeBron James outra vez.

Olhando a lista, temos uma conclusão óbvia: tirando a temporada 2015-16, quando Curry recebeu todos os votos, LeBron James recebeu votos de primeiro colocado em todos os anos. Não é à toa que ele se tornou uma espécie de “rosto” da Liga, e seu estilo de jogo criou um padrão desejável – tanto de armadores mais altos quanto de alas mais versáteis. Kevin Durant entra nesse mesmo perfil, com Stephen Curry e James Harden criando o arquétipo de armadores que arremessam e Russell Westbrook de armador “faz tudo” que tem se tornado cada vez mais comum. Isso faz com que times vencedores que desejam grandes estrelas busquem esses perfis, de modo que armadores e alas versáteis são escolhidos cada vez mais cedo no draft – enquanto os pivôs são mais deixados de lado.

Na temporada 2013-14 tivemos Joakim Noah em quarto lugar na corrida para MVPs, como um raro representante de um pivô que ancorava a defesa e passava a bola. No mesmo perfil tivemos Marc Gasol na temporada seguinte, que ficou em oitavo lugar na disputa pelo MVP. Desde então, nem traço de pivôs na lista geral, quanto mais recebendo votos para primeiro colocado. De jogadores de garrafão na disputa temos quase exclusivamente Anthony Davis e Blake Griffin (ambos chegando a um terceiro lugar em anos diferentes), com LaMarcus Aldridge e Dirk Nowitzki sendo lembrados aqui e ali com alguns votinhos dispersos e Joel Embiid recebendo uns votinhos de terceiro colocado na temporada passada. Isso explica a busca dos times por jogadores de garrafão que corram e arremessem (os tais “unicórnios”), mas mostra que ao menos em termos de impacto simbólico e percepção, nenhum deles está no nível dos alas e armadores que recebem os votos de primeiro colocado na última década.

Olhar para Dwight Howard tão bem colocado em 2010-11 nos conta que ou ali tivemos a “despedida dos pivôs”, o último grande momento dos jogadores mais clássicos de garrafão, ou que Dwight era tão espetacular que foi simplesmente um ponto fora da curva que a NBA, ciente disso, resolveu não acompanhar. De qualquer modo, a corrida dos MVPs nos mostra que os pivôs sumiram do imaginário – tiveram que se transformar em outras coisas, cumprir outros papéis, e esses papéis não geram o impacto, a visibilidade e o interesse necessários para que possam figurar nas listas de votos ao lado de Curry, Harden ou LeBron, por exemplo. Mas isso talvez mude, enfim, em 2019.


Ainda é cedo para se falar em MVP, uma discussão que só irá se tornar verdadeiramente quente no último mês da temporada. Além disso, como James Harden nos mostrou, bastam duas semanas inesquecíveis para que você seja alavancado para o posto de favorito para o prêmio – e, consequentemente, duas semanas podem ser suficientes para destruir as chances de qualquer um que esteja bem cotado. Mas é importante ser avisado com antecedência para notar como os jogadores de garrafão estão se posicionando nessa disputa.

Em janeiro, é praticamente impossível encontrar uma lista de 10 favoritos ao MVP que não inclua Anthony Davis, Joel Embiid e, principalmente, Nikola Jokic. Se Anthony Davis e Embiid já são esperados, Jokic é novidade – e a novidade que realmente nos interessa. Isso porque não apenas Jokic é o “mais pivô” da lista como também é o jogador mais importante no time que, atualmente, é o líder de vitórias da Conferência Oeste. Como discutimos anteriormente, o prêmio está fortemente relacionado ao sucesso dos times em que as estrelas se encontram, de modo que seria difícil ignorar o sucesso do Denver Nuggets e seu pivô fora da curva. Ainda que ele talvez não ofereça resistência a temporadas mais espetaculares de outros jogadores (em particular Giannis Antetokounmpo, se seu Bucks liderar o Leste, e James Harden, se o Rockets mantiver o rendimento, o que é difícil), não é importante que ele seja o MVP – basta que ele seja considerado o suficiente para estar no topo da briga, de preferência recebendo um voto de primeiro colocado, para que vejamos um evento que não ocorre desde Dwight Howard cerca de 9 temporadas atrás. Se o Nuggets acabar entre os líderes do Oeste, será muito improvável isso não acontecer.

Jokic não é rápido, explosivo e nem corre a quadra com facilidade – não é um “unicórnio”, como passou a serem chamadas essas aberrações físicas que chegaram à NBA nos últimos anos. Se Jokic corre nos contra-ataques com a bola é mais porque ele controla bem o ritmo do jogo e tem boa visão para os passes do que por qualquer capacidade física fora de série. Ao contrário de jogadores como Embiid e Anthony Davis, com agilidade digna de armadores, Jokic é lento e pesado, com baixa mobilidade lateral; ao contrário de jogadores como Steven Adams e Clint Capela, Jokic não dá grandes enterradas e não protege o aro distribuindo tocos. Na “reinvenção dos pivôs”, desde que eles se tornaram inúteis frente às bolas de três pontos, temos visto proliferarem pivôs “escondidos”, os que só fazem corta-luz, os que só fazem ponte-aérea, e os que acham que o garrafão É FEITO DE LAVA (Brook Lopez, estamos olhando pra você), e que mesmo quando decisivos acabam participando pouco. Mesmo os não-pivôs atuais que passaram a habitar o garrafão lembram cada vez menos pivôs, com Embiid e Anthony Davis sendo forçados a arremessar bolas de três pontos para suprir as necessidades de seus times – e dos novos tempos. Nikola Jokic, por outro lado, é de fato um pivô, com todas as limitações defensivas, de peso e de velocidade que tem sido associadas à posição nos últimos anos, mas ele é o FOCO PRINCIPAL de um ataque – e de um time – que figura na elite da NBA.

É inegável que Jokic seja um pivô reinventado – o simples fato de que ele arremessa de três pontos, ainda que eventualmente, é prova disso – mas o que o difere dos demais é que não é sua FUNÇÃO que foi reinventada, apenas as soluções que ele traz para os problemas que os pivôs enfrentam hoje. Ele não foi relegado a um outro papel, não tem que passar o tempo todo no perímetro, não recebe a bola apenas em pontes-aéreas, não joga apenas na defesa. Ele joga, sim, de costas para a cesta, mas usa um passe fenomenal para punir as dobras de marcação; explora os defensores menores do que ele, despreparados para enfrentar pivôs “tradicionais”, mas tem inteligência para bater os defensores maiores; garante os rebotes, ao invés de ter que deixá-los para os armadores, porque consegue ligar os contra-ataques com os passes precisos.

Ao fazer as coisas de maneira levemente diferente, com um estilo inesperado e decisões fora da curva, Jokic consegue se manter firme e forte numa posição ameaçada – e que, justamente por ser cada vez mais rara, os adversários já não sabem como ou não possuem as ferramentas necessárias para enfrentar. Se já comentamos por aqui que o aumento nas bolas de três pontos acabou levando também ao aumento nos pontos no garrafão (porque as defesas, ao se focarem no perímetro, acabam criando brechas próximas ao aro), o mesmo pode ser visto nas posições: quando armadores arremessadores e alas versáteis são a norma e todos os times conseguem estocá-los e estão prontos para defendê-los, um pivô ESTRANHO como Jokic pode ser uma força imparável, algo para o qual os demais times não possuem mecanismos de defesa.

Tê-lo na briga pelo prêmio de MVP (e um candidato possível para a marca simbólica de ganhar votos de primeiro colocado) não é mero acaso: só vemos o sucesso de um estilo de jogador quando um processo anterior, quase invisível, já está se consolidando. Jokic é apenas o representante mais evidente (e interessante) de uma nova tendência: quando todos estão no perímetro, o próximo passo passa a ser ver quem consegue um pivô capaz de explorar essa “uniformidade” da NBA – toda padronização gera imediatamente uma deficiência a ser explorada. O prêmio ainda está distante, mas esse processo já não pode ser contido, de modo que vale alertar cedo: assista Jokic o quanto antes, e tente imaginar quais outros jogadores poderiam seguir seu exemplo, quais outros times poderiam se beneficiar de seu estilo, e quais equipes desesperadas por uma abordagem “fora da curva” poderiam arriscar suas fichas em uma guinada em sua direção. Vislumbrar essa possibilidade pela primeira vez em quase uma década, quando o mundo já parece ter esquecido de Dwight Howard, pode ser uma porta para novos tempos na NBA que estão apenas começando. Se o Nuggets se agarrar ao topo e Jokic for MVP (ou quase isso), pode ter certeza de que ele ditará tendência e os próximos drafts (e os próximos anos) poderão ser muito diferentes daquilo com o que nos acostumamos na última década.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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