🔒Um sentido para Elton Brand

Não falta à NBA histórias de jogadores que simplesmente não deram certo, mesmo quando as expectativas em cima deles eram altíssimas. Diversos jogadores que foram a primeira escolha do draft em seus respectivos anos tiveram carreiras desastrosas, por uma série de motivos variados: Greg Oden teve problemas de saúde; Kwame Brown não tinha maturidade psicológica para lidar com a pressão; Andrea Bargnani foi escolhido por parecer ser algo que ele não era; Anthony Bennett e Michael Olowakandi simplesmente não eram bons o bastante para o basquete profissional. São jogadores que a NBA descartou rapidamente, ou que se mantiveram na Liga pelas pontas dos dedos, sobrevivendo em papeis drasticamente secundários, sombras daquilo que esperávamos que eles fossem. Muitas vezes olhamos para esses jogadores com raiva ou desdém, fruto do fato de que ao serem escolhidos eles privaram suas equipes iniciais de escolher jogadores MELHORES, futuras estrelas. Os torcedores se sentem enganados, frustrados pela promessa de sucesso ter sido arrancada de seus times.

Não percebemos, no entanto, que muitas vezes esses jogadores passaram uma parte considerável de suas vidas ouvindo a mesma promessa: que seriam grandes, que seriam vencedores, que teriam carreiras extraordinárias. Ser o primeiro nome chamado em qualquer draft é uma enorme confirmação dessa promessa: não apenas os times esperam que a primeira escolha seja um grande jogador, mas a própria escolha já CONFIRMA essa condição de grandiosidade. E ainda assim, após os primeiros passos na NBA, esses jogadores tem essa promessa arrancada de suas mãos: seus corpos não são resistentes o bastante, suas mentes não são suficientemente preparadas, seu talento não funciona na NBA ou sequer está lá de verdade. É preciso olhar no espelho e aceitar eventualmente que não se é aquilo que as pessoas esperavam que você fosse, que você não é BOM O SUFICIENTE para ser quem te disseram que você seria durante toda a porção inicial de sua vida. Deve ser um processo muito duro e difícil, em que esses jogadores sentem-se ainda mais frustrados e enganados do que os torcedores que esperavam uma estrela para ajudar suas equipes.

Mas e quando um jogador É BOM O BASTANTE para se equiparar à expectativa sobre ele e, ainda assim, sua carreira é um fracasso? Como será olhar para o espelho, saber que o talento está lá, que as condições estão lá, que você não é uma enganação, e mesmo assim não ser capaz de conquistar nada daquilo que lhe prometeram enquanto você crescia? Nem todas as histórias de fracasso são iguais, algumas aparecem camufladas por médias incríveis e uma carreira duradoura. E algumas delas são apenas o primeiro passo para um outro tipo de sucesso, que a gente nem imagina que existe quando começa a jornada esperando um único tipo de realização, aquela que acerta arremessos de último segundo e coleciona títulos. Essa é a história de um fracasso estranho, pouco usual, fora da curva: essa é a história de Elton Brand.


Ainda no Ensino Médio, Elton Brand já era uma lenda: tinha médias de 40 pontos e 20 rebotes por jogo, dois títulos estaduais, era completamente imparável e um dos jogadores mais desejados pelas universidades americanas. Em meio a tanta badalação aceitou jogar pela Universidade de Duke, compondo um dos elencos mais icônicos da história da universidade e sendo eleito o melhor jogador do torneio. Contrariando tendências – jogadores de Duke tendem a passar seus 4 anos inteiros de universidade na equipe – Elton Brand resolveu partir mais cedo direto pra NBA mesmo não tendo conquistado um título universitário. Foi uma primeira escolha óbvia para o Chicago Bulls em 1999, com o time afoito para devolver à franquia uma estrela após a aposentadoria de Michael Jordan, além da saída de Scottie Pippen e do técnico Phil Jackson. Sua primeira temporada não decepcionou: foram 20 pontos e 10 rebotes de média por jogo como novato, além do prêmio de Novato do Ano. O que temos aqui é uma carreira completamente dentro do planejado: disseram para Elton Brand que ele seria um dos melhores jogadores da história, e que ele construiria uma nova Dinastia em Chicago, com sua camiseta aposentada por lá.

Mas no meio de sua segunda temporada, o Bulls mudou de ideia: achou que outra peça seria mais interessante para o futuro da equipe e mandou Elton Brand para o Clippers. As duas primeiras temporadas em Los Angeles não foram muito vencedoras para a equipe, mesmo com um dos elencos mais interessantes que o Clippers já montou, graças à maldição constante, uma série de lesões e uma administração caótica do então dono da equipe, Donald Sterling. Mas Elton Brand estava lá, alheio ao fracasso, com médias de mais de 18 pontos, 11 rebotes e 2 tocos por partida. Ele era sólido, constante, um dos mais confiáveis da NBA. Foi então que o Miami Heat de Dwyane Wade tentou contratá-lo, num plano de formar uma dupla imparável rumo ao título, mas Donald Sterling fez questão de segurá-lo, igualando a oferta e destruindo as finanças da equipe. Sem qualquer chance de decidir sobre o próprio futuro, Elton Brand foi mandado para longe da promissora renovação do Bulls e impedido de participar do projeto de título do Heat.

O Clippers segurou Elton Brand, mas perdeu todo o resto do elenco, fazendo uma reconstrução aos trancos e barrancos e incapaz de assinar grandes nomes. O time só chegou aos Playoffs com o jogador em 2006, a primeira vez na HISTÓRIA DA FRANQUIA que o time venceu mais partidas do que perdeu numa temporada. Já era a sétima temporada de Elton Brand e ele ostentava quase 25 pontos, 10 rebotes e 2.5 tocos por jogo, números absurdos desperdiçados numa franquia invisível. O time foi eliminado nas Semi-Finais da Conferência Oeste e não conseguiu voltar mais aos Playoffs nas próximas temporadas, culpa da famosa MALDIÇÃO. Na primeira oportunidade que teve, Elton Brand fugiu de lá e assinou com outro time. Foram 7 temporadas em Los Angeles, médias de 20 pontos, 10 rebotes e 2 tocos, nenhum reconhecimento e nenhuma grande história para contar – com exceção dos desmandos e abusos de Donald Sterling nos vestiários.

Em meio a lesões e uma queda brutal na sua produção, Elton Brand passou seus próximos 4 anos jogando pelo Sixers pós-Iverson, somando duas eliminações na primeira rodada dos Playoffs e duas outras temporadas medíocres. Quando o Sixers não lhe ofereceu uma renovação de contrato, Elton Brand percebeu que sua carreira havia acabado sem nenhum grande momento como profissional. Não fez parte do Heat campeão em 2006, que poderia ter tido Brand no lugar de Shaquille O’Neal (ou ao seu lado), nem da volta do Bulls aos Playoffs em 2005. Sua grande conquista, que foi carregar o Clippers para os Playoffs pela primeira vez, é um feito completamente esquecível, em uma franquia que, à época, era inteiramente irrelevante. Ninguém jamais questionou o talento de Elton Brand, ninguém jamais ousou dizer que não havia espaço para ele na NBA. Mas afastado dos holofotes e longe das vitórias importantes, nunca alcançou seu sonhado prêmio de MVP, não conquistou títulos, nunca foi para um All-Star Game como escolhido do público, não acertou arremessos memoráveis, ninguém cogitou aposentar sua camiseta. Conseguiu ser considerado um fracasso mesmo sendo um dos grandes nomes de sua geração.

O caso de Elton Brand é diferente dos grandes nomes que fizeram história mas nunca ganharam títulos, como Karl Malone, John Stockton ou Steve Nash. Para além dos anéis de campeão, lhe faltaram os recordes, os momentos icônicos, a admiração, os lances decisivos, a atenção da imprensa e do público. Sua constância era quase uma piada – “olha lá o Elton Brand de novo com 20 pontos e 10 rebotes enquanto você toma café da manhã” – que acabava por banalizar aquilo que era sua marca registrada. Nada nele se tornou icônico, memorável. Nem todos os jogadores de muito talento são lembrados: às vezes falta uma conjunção inexplicável de elementos, de eventos, de condições. Às vezes falta simplesmente sorte. Outros jogadores menos talentosos do que ele surfaram ondas melhores.

É estranho, mas Elton Brand não tinha sequer a falta de talento, corpo ou mente para usar como escudo, não podia dizer “eu não era o que as pessoas imaginavam que eu fosse, foi só um erro de expectativa”. Ele era tudo aquilo que se imaginava, e mesmo assim não foi nem perto de ser suficiente.


Desesperado, Elton Brand ainda tentou esticar a carreira se enfiando em times com chances de título. Primeiro foi para o Mavericks, participando justamente da vez em que o time não foi aos Playoffs pela primeira vez em 14 temporadas. Depois foi para o Hawks, participando daquele time incrível que venceu 60 partidas e terminou a temporada regular como líder do Leste – e que foi VARRIDO nas Finais de Conferência, aquele mico indescritível. Nem no fim do banco de reservas os grandes momentos vieram.

E foi então que, prestes a se aposentar e sem ofertas de nenhum time, Elton Brand recebeu uma proposta inusitada do Sixers: e se ele voltasse à equipe não para ganhar títulos (já que o time era MEDONHO, um dos piores da Liga), mas para trazer alguma experiência e bom senso para um dos elencos mais jovens e PERDEDORES da NBA? Brand praticamente não entrou em quadra – foram apenas 17 jogos, com uma média de 4 pontos por partida – mas foi parte essencial do plano do então General Manager do time, Sam Hinkie, para não NATURALIZAR a derrota nos jovens jogadores. Seu papel nos vestiários seria mostrar que perder não era natural, que era preciso lutar, ser constante, levar a sério. Pessoalmente, Elton Brand encarou aquilo como uma chance de ajudar jogadores, como Joel Embiid, a entender melhor as dificuldades de ser um atleta da NBA, entregando os conselhos da velha guarda e transmitindo seu conhecimento acumulado. Vale lembrar que naquele momento Embiid ainda não havia estreado na NBA, amargando sua segunda temporada consecutiva com uma séria lesão no pé, e já tendo que lidar com as possibilidades reais de que sua carreira seria um fracasso porque o corpo parecia ter outros planos.

Alegadamente Elton Brand recebeu ofertas para cargos administrativos em outras equipes e até propostas para se tornar comentarista esportivo na televisão, mas havia algo em seu FRACASSO INUSITADO que lhe fez sentir que seria uma figura positiva para os jovens jogadores do Sixers, Embiid incluso. Alguém precisava lhes dizer que ter talento não é suficiente, que é preciso entregar o seu melhor todos os dias, e que mesmo assim não há garantia de sucesso. Que o que resta é continuar trabalhando, porque o sucesso pode vir dos menores gestos, nos momentos mais inusitados, nas situações com as quais nunca sonhamos.

Assim que se aposentou no ano seguinte, Elton Brand se tornou consultor de desenvolvimento dos jogadores do Sixers, dada sua forte conexão com todo o elenco. No ano seguinte, deixou o cargo para se tornar o General Manager da equipe de desenvolvimento do Sixers na G-League, um cargo “formador”. Bastou, então, que Bryan Colangelo se envolvesse num bizarro escândalo na internet para que o Sixers optasse por elevar Elton Brand para o cargo de General Manager da franquia, oficializado na semana passada. É uma ascensão meteórica para alguém de 39 anos, um cargo cobiçadíssimo numa das franquias mais promissoras da NBA. Poderíamos até mesmo dizer que se trata de uma incrível HISTÓRIA DE SUCESSO, não é mesmo? Mas para dizer isso teríamos que esquecer um pouco tudo aquilo que foi prometido para o jovem Elton Brand, décadas atrás, conforme ia se consolidando no basquete amador. Às vezes, desesperados por encontrar um sentido para nossas vidas, acreditamos na primeira coisa que nos dizem, no primeiro futuro que nos traçam, ou nos primeiros objetivos que impomos a nós mesmos. Não percebemos que existem outras opções, outros caminhos, outros sentidos ao nosso redor. Que não fracassamos só porque nosso sonho não saiu exatamente como a gente imaginava. Que sonhar é uma invenção, uma historinha que a gente conta – e que a gente pode contar outra, e outra, e outra, até que as coisas se encaixem. Até que elas façam sentido. Até que a gente esteja onde decidiu que queria estar.

Quando Elton Brand chegou ao Sixers, se disse decidido a ajudar Jahlil Okafor, que passava por um momento difícl na franquia. Agora, Okafor já tem 3 temporadas nas costas e parte para sua terceira equipe na NBA, tudo com minutos limitados, números inexpressivos e o perigo, a cada dia, de que ele acorde sem emprego amanhã. Muitas vezes não é sobre talento: Okafor deu azar de que a NBA não procura mais seu estilo de jogo, que o Sixers tinha Embiid para sua posição, que sua insatisfação adolescente com o tempo de banco lhe queimou com a Liga. Seu talento não foi suficiente, e com sorte Elton Brand lhe disse que ESTÁ TUDO BEM: existem outros caminhos possíveis que Okafor sequer sabe que existem.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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