🔒O processo agora tem pressa

Quando Sam Hinkie assumiu como General Manager do Sixers em 2013, a ideia era que o time fosse campeão “custe o que custar”. Em geral, quando donos de time dizem que querem ser campeões a qualquer custo, estão na prática abrindo a carteira, dando carta branca para seus General Managers torrarem dinheiro em contratos grandes e gordos, assegurando as maiores estrelas com salários impressionantes. É algo fácil para os donos milionários e um discurso que agrada aos fãs, permitindo que sonhem com os maiores nomes do basquete em seus times do coração. Mas aí Hinkie chegou e, ao invés de tentar contratar grandes nomes, pegou o único jogador All-Star do time, Jrue Holiday, e mandou para o Pelicans em troca de uma escolha de draft. Na temporada seguinte, draftou Michael Carter-Williams, eleito calouro do ano. E aí Hinkie o trocou por mais uma escolha de draft.

“Custe o que custar” costuma significar DINHEIRO, mas na NBA não faltam exemplos de que ter mais grana para gastar não é sinônimo de times vencedores. Não apenas porque as regras salariais inibem poder financeiro (não é fácil ultrapassar o teto salarial, por exemplo), mas também porque ter salários gordos para oferecer não é garantia de que um jogador fora de série aceitará jogar pelo seu time. Recentemente listamos os 20 anos de horror no New York Knicks, franquia incapaz de montar um elenco competitivo mesmo com dinheiro sobrando no caixa e a disposição para pagar multas ao ultrapassar o teto salarial. O que Sam Hinkie tentou explicar para o Sixers na sua entrevista de emprego é que “custe o que custar” não significa desembolsar mais grana, significa AGUENTAR O SOFRIMENTO de perder de maneira constante, deliberada e metódica. Esse é, segundo Hinkie, o custo de uma grande equipe: passar por longos períodos de planejamento e preparação que envolvem, necessariamente, ser um time sofrível.

A ideia de Hinkie era que se o Sixers quisesse ser campeão o mais importante era conseguir um “talento geracional”, uma dessas estrelas que só aparecem uma vez por geração. Esses jogadores podem ser contratados com dinheiro no caixa, é verdade, mas TODAS as equipes querem contratá-los e apenas uma conseguirá por vez. Como o Sixers não era exatamente uma franquia desejável, a possibilidade de convencer um talento desses – como LeBron James ou Kevin Durant – era mínima. Valeria mais a pena, segundo Hinkie, conseguir um desses jogadores via draft ou via troca. Para isso, todos os jogadores “médios”, bons mas não espetaculares, devem ser trocados. Ou eles são trocados por escolhas de draft ou são colocados num pacote por um jogador melhor. Esses jogadores pegos no draft ou trocados, se não forem um grande talento, devem ser colocados em novos pacotes e novamente trocados por jogadores melhores ou novas escolhas de draft, num ciclo infinito, até que o time tenha as estrelas de que precisa.

Isso significa que desde 2013 o Sixers se negou a ficar com jogadores medianos: todos eles viravam escolhas futuras ou jogadores com potencial à espera de se tornarem “talentos geracionais”. O resultado é que sem jogadores médios o time fica simplesmente RUIM, o que melhora as escolhas de draft da equipe e, portanto, a chance de conseguir o tal “talento geracional” na noite do draft. É claro que se trata de perder de propósito – aquilo que todo time que perde sua grande estrela costuma fazer por uma temporada ou duas – mas num ciclo infinito até que as estrelas estejam todas ali e já não seja mais necessário perder. Para o Sixers de Sam Hinkie, só existiam duas opções: um time horrível acumulando escolhas de draft e jogadores para serem trocados, ou um time campeão da NBA. Qualquer coisa no meio termo é sinal de falta de planejamento e ausência de um “processo de longo prazo” – aquele processo que, conforme Hinkie ia acumulando escolhas, torcedores iam aprendendo a “confiar”.

Hinkie deixou o time em 2016 em meio a dúvidas da diretoria sobre a “imagem” do seu processo, receios de vários times de que o plano do Sixers não era “saudável para a NBA” e a intenção de contratar Bryan Colangelo para um cargo executivo. Um mês depois, o Sixers venceria o sorteio do draft e acabaria com a primeira escolha, onde acrescentariam Ben Simmons ao plantel. Mesmo longe dos escritórios e das decisões, San Hinkie deixou um time com Joel Embiid e Ben Simmons para a posteridade – além, claro, de uma série de outras escolhas de draft e de jogadores sólidos para compor o resto do elenco. Na temporada passada, o time finalmente se aproximou de seu sonho: acabou em terceiro lugar na Conferência Leste, venceu 16 partidas seguidas pela primeira vez na história da franquia e foram eliminados nas Semi-Finais da Conferência Leste. Com um time jovem, empolgante, um talento geracional inegável (Embiid) e um em desenvolvimento (Simmons), o que mais o time poderia almejar?

O sucesso do processo do Sixers é inegável: em 2013 o time vendeu 4 mil season tickets, ingressos que valem para a temporada inteira de basquete e uma das principais fontes de renda das equipes; na temporada passada, o número de season tickets vendidos já era de 14 mil, com o time se tornando a terceira franquia da NBA a mais vender mercadorias como camisetas, meias e bonecos. A torcida nunca esteve tão empolgada, a franquia nunca foi tão lucrativa e o modelo defendido por Sam Hinkie nunca foi tão unânime entre os críticos e os pensadores de basquete. O problema é que quando tudo isso começou, lá em 2013, nenhuma dessas coisas era o objetivo final: existiam outros caminhos para tornar a equipe rentável ou gostada pelos fãs, por exemplo. Se o objetivo era ser campeão, então o processo ainda não acabou. Embora entre os favoritos, ninguém em sã consciência realmente acreditaria que o time tinha chances reais de conquistar um anel com o elenco que tinha no início dessa temporada.


Primeiro tivemos a troca de Jimmy Butler, depois de um período conturbado em Minessota. Para recebê-lo, o Sixers precisou enviar Dario Saric e Robert Covington, dois jogadores que o time havia conquistado durante “o processo” e que eram motivo de orgulho para os torcedores e para a franquia. Quando eles se foram, muitos acusaram o time de estar se afastando (ou ESTRAGANDO) o processo de Sam Hinkie, jogando fora os jovens talentos que ele ajudou a acumular. O que esses críticos esqueceram, no entanto, é que foi Sam Hinkie quem se livrou de Jrue Holiday só porque ele não era ESPETACULAR – na Philadelphia, jogador médio não tem vez. Saric e Covington eram jogadores muito interessantes, cheios de potencial e capacidade para compor qualquer elenco da NBA atual, mas sabe o que nenhum deles era? Gênios, “talentos geracionais”, estrelas insubstituíveis. Jimmy Butler certamente não ganhará nenhum CAMPEONATO MUNDIAL DE SERES HUMANOS e eu não sentaria com ele para tomar um chá nem se me pagassem, mas sua união de ataque e defesa são difíceis de reproduzir por aí. Ao lado de Kawhi Leonard, temos provavelmente os dois maiores “two-way players” (jogadores “dois-modos”, ataque e defesa) de toda essa geração.

Dá dor no coração ver que Markelle Fultz, draftado com a primeira escolha de 2017, foi negociado na última data limite para trocas da NBA. Mais uma escolha conquistada por Sam Hinkie que acabou não servindo pra nada, dizem alguns. No entanto, mesmo destino já tiveram Nerlens Noel (sexta escolha) e Jahlil Okafor (terceira escolha): nenhum deles era tão bom quanto Joel Embiid e ser campeão “custe o que custar” significa não ficar segurando jogadores “menores” sob o risco de roubar minutos de sua estrela geracional ou de manter gente resmungando nos vestiários. Fultz, seja por questões psicológicas, seja por questões físicas, seja porque o Sixers foi incapaz de lidar melhor com a situação, mostrou que não é capaz de ser um dos maiores da sua posição nos próximos anos. Foi o bastante para que ele tivesse que ser cortado.

A única diferença do Sixers atual para o Sixers de 2013, quando o processo de Sam Hinkie começou, é que agora há um tempo determinado para formar o time. Hinkie convenceu a diretoria de que o correto seria “esperar o quanto fosse necessário”, já que poderiam levar muitos anos até seu processo de “afiar o machado” dar resultado e ele conseguir de fato “cortar a árvore”, ou seja, cumprir o objetivo de ser campeão. Mas agora, com Ben Simmons e Joel Embiid (e mais a adição de Jimmy Butler), o que temos é um RELÓGIO contando: abriu-se uma janela de mais ou menos 5 anos para que o Sixers conquiste um título. Para além desse período o Sixers passará a ter problemas para renovar contratos, os jogadores receberão ofertas de outros times, as estrelas estarão fora (ou no processo de saída) de seus auges e talvez seja necessário reconstruir ou reconfigurar significativamente o elenco. Agora o corte é ainda mais violento do que aquele pensado por Hinkie: até mesmo um talento geracional deverá ser cortado se não houver garantia de que ele se desenvolva nos próximos 5 anos. O processo agora tem pressa.

Escolha de draft de 2020 e 2021? Não há tempo para esperar que amadureçam nem garantia de que serão uma das primeiras escolhas do draft, onde o talento geracional está. Landry Shamet, o novato-sensação que o Sixers arrancou da orelha lá na escolha 26 do último draft? Não será estrela, ao menos não a tempo. Mike Muscala, um dos raríssimos especialistas de 3 pontos do time? Um jogador tão médio, mas tão médio, que tem NOTA 6 estampado na testa. Um pacote com todos esses elementos acima foi então para o Clippers na data limite para negociações em troca de Tobias Harris e seu melhor amigo, Boban Marjanovic.

Harris não é um “talento geracional”, não vai explodir miolos e sua irmã não vai querer casar com ele, mas não se iluda: ele é uma estrela. Um dos melhores arremessadores de sua geração (atualmente um dos 7 melhores arremessadores de três pontos da temporada, encostadinho em Stephen Curry), Harris consegue pontuar de todos os lugares da quadra, joga em múltiplas posições tanto na defesa quanto no ataque e, mais impressionante do que isso, não liga de não ser o líder da alcateia. De perfil mais coletivo em quadra, ele é um dos melhores jogadores possíveis para compor um “quadrado mágico”, com quatro grandes jogadores em quadra ao mesmo tempo. Não se trata aqui de ter Harris “para ver se dá certo”, para trocá-lo de novo, para acumular escolhas de draft – o Sixers tem o máximo de estrelas que poderia acumular, quer enfiar todo mundo dentro de quadra simultaneamente e vai estourar os cofres, pagando fortunas para reassinar Jimmy Butler e Tobias Harris ao fim da temporada. Agora que o processo está quase pronto – e tem pressa – é hora de, finalmente, abrir a carteira: renovar os contratos máximos, ficar acima do teto, pagar as multas necessárias. Ser campeão custe o que custar.


Elton Brand, atual General Manager do Sixers, era jogador da equipe enquanto Sam Hinkie estava executando seu processo de reconstrução. Brand foi um dos veteranos contratados para ajudar os novatos a não “naturalizarem as derrotas”, ou seja, entenderem que perder por anos consecutivos era parte do plano, mas que não era NORMAL. Era necessário que eles continuassem tentando vencer, para que estivessem prontos para a vitória assim que as condições fossem ideias. Da mesma maneira era preciso que os jogadores do time estivessem unidos sem poder contar com uma das mais eficientes ferramentas de união de elenco: as vitórias. Para isso, o técnico Brett Brown – um dos maiores e mais apaixonados defensores do processo de Hinkie – institituiu os famosos “cafés da manhã” do Sixers. Neles, um dos jogadores do elenco precisa apresentar uma palestra para os outros sobre algum assunto que lhe interesse: já tivemos Amir Johnson contando a história das tatuagens ao longo do tempo, TJ McConnell contando a história do café, Saric contando sobre a partida de futebol que levou à uma guerra na Iugoslávia, Simmons falando sobre a vida selvagem na Austrália e até JJ Redick falando de teorias da conspiração. A ideia é que os jogadores tenham motivos para se conhecer, se unir e admirar uns aos outros independentemente do que acontece dentro das quadras. Jogadores são cortados, trocados, draftados, ficam lesionados, mas os cafés da manhã permitem que eles sempre tenham um motivo para se reunir, conhecer os novos rostos e aprender o que move cada um para além do esporte.

O processo de Sam Hinkie não é um processo fácil: não se trata de ficar perdendo de propósito, sendo propositalmente ruim até que um raio de talento o atinja e mude tudo. O que vimos desde 2013 foi um processo teórico, extremamente cerebral, de abrir mão do bom e do médio em nome de maiores chances de ter o EXCELENTE, e uma série de ferramentas (táticas, técnicas e HUMANAS) de manter todos os envolvidos unidos e motivados enquanto o excelente não está em mãos. Ao invés de um processo que se contenta com derrotas, o que temos é um processo que não se contenta com nada que não seja um título – é um processo extremo, mas é o OUTRO LADO do extremo que a maior parte das pessoas imagina quando pensa nessa reconstrução.

Elton Brand participou do processo nos vestiários e agora, sem Sam Hinkie, dá sequência à mesma mentalidade como General Manager da franquia. Agora os donos do time podem abrir suas carteiras e preparar as renovações e os gastos que eles estavam tão dispostos a fazer 6 anos atrás. E Jimmy Butler e Tobias Harris, recém-chegados, terão que se apresentar nos cafés da manhã, se unindo a um elenco que resistiu a anos risíveis de derrotas sem nunca perder de vista o objetivo final. Agora o Sixers é um dos grandes favoritos ao título, e estará aí por mais 5 anos enquanto as outras equipes terão que lutar para segurar seus elencos, construir times do zero, contratar estrelas geracionais na unha. Quem achou que para ser o Sixers bastava perder olhou para a coisa errada: para ser o Sixers, basta se programar com uma década de antecedência e só parar com o título de campeão. Sem planejamento ou com planos de curtíssimo prazo, os outros times é que terão que correr atrás agora – o Sixers já largou há 6 anos, então boa sorte a quem tentar acompanhá-los.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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