A troca de Jimmy Butler

Quando o Chicago Bulls trocou Derrick Rose, há exatamente um ano atrás, decretamos o fim da Síndrome de Estocolmo que atormentava a equipe. Foram anos demais esperando que o antigo MVP voltasse à forma e muitos grandes times desperdiçados no caminho, presos na esperança de recuperar seu líder nas quadras. Enquanto isso, Jimmy Butler subiu rumo ao estrelato e assumiu a equipe. No pouco tempo em que jogaram juntos ficou evidente não apenas que a dupla não funcionaria, mas também que Rose já não era o mesmo. Trocar o armador foi se livrar dos erros passados, de toda a carga emocional que as lesões de Derrick Rose deixaram, de toda a esperança frustrada que aquele prêmio de MVP entregou à equipe e começar de novo, dessa vez ao redor de Jimmy Butler. Foi finalmente o Bulls aceitando uma reconstrução.

O problema foi que uma série de jogadores bateram na porta do Bulls logo após essa decisão e a GANÂNCIA acabou falando mais alto. Dwyane Wade, sentindo-se desvalorizado pelo Heat, deixou a equipe em péssimos termos com Pat Riley e correu para Chicago – alegadamente um “sonho de infância”. Em seguida, Rajon Rondo, engatinhando em uma retomada da carreira, ofereceu seus serviços para o Bulls por um contrato módico de apenas dois anos. A diretoria simplesmente não foi capaz de resistir: Wade, Rondo e Jimmy Butler parecia ser mais talento do que o time havia coletado em anos. A reconstrução então saiu de cena para colocar em prática uma tentativa de chegar às Finais da Conferência Leste através de um time bizarro, postiço e que caiu no colo da franquia.

O elenco não fazia nenhum sentido: os três jogadores gostavam de ter a bola nas mãos, Wade queria liderar a equipe, Rondo só funciona quando pode tomar as próprias decisões em quadra, apenas Jimmy Butler era um arremessador consolidado e parecia impossível que ocorresse qualquer espaçamento em quadra com os três jogando simultaneamente. Durante o primeiro mês da temporada, as bolas de três caíram e o time surpreendeu, parecia que poderia dar certo. A partir dali, foi só desastre: teve brigas entre Rondo e o técnico, racha nos vestiários, Rondo de castigo no banco, problemas defensivos, incapacidade de converter arremessos, falta de padrão tático. Chegaram nos Playoffs na unha, com a união de veteranos dispostos a deixar tudo para trás em busca de um último gás, e pareceram até mesmo capazes de eliminar o Boston Celtics, que jogaria as Finais da Conferência Leste poucas semanas depois, até Rajon Rondo se contundir e qualquer coerência na equipe virar farofa.

Mesmo com esse quase-sucesso, ninguém em sã consciência seria capaz de propor que todos os envolvidos simplesmente “tentassem de novo”. Ficou evidente que o time se superou nos momentos decisivos a ponto de camuflar limitações, descontentamentos e desarranjos que estiveram ali o tempo todo – mas que estariam lá de novo para mais uma temporada. E, mesmo se conseguissem mais uma vez romper esses limites momentaneamente, nem o mais breaco fã do Bulls seria capaz de imaginar que eles teriam reais chances de ganhar um título. A única escolha inteligente seria, claro, retomar aquela boa e velha reconstrução que foi apenas adiada durante essa temporada por motivos de GANÂNCIA ABSOLUTA.

Só que agora, uma temporada mais tarde, a reconstrução do Bulls não pode mais acontecer ao redor de Jimmy Butler. Draftado pelo próprio Chicago Bulls, Jimmy é mais um desses casos habilitados a receber um contrato super-máximo, um valor consideravelmente acima do limite do restante dos jogadores que times podem oferecer para segurar estrelas que estão com eles desde o princípio. No caso de Butler, isso significaria mais de 30 milhões de dólares acima do limite. Isso significa que daqui a duas temporadas, quando o processo de reconstrução do Bulls estaria ainda no comecinho, Jimmy Butler teria que renovar seu contrato e estaria apto a assinar um novo com um salário super-máximo que engoliria a maior parte do espaço salarial da franquia, um desperdício de dinheiro para um time que ainda não teria pretensões de título. Quando as coisas já estivessem mais encaminhadas, Jimmy Butler provavelmente estaria saindo do seu auge – mas seu contrato super-máximo ainda estaria lá para atrapalhá-los.

Essa foi a mesma situação que ocorreu com o Sacramento Kings: DeMarcus Cousins também poderia assinar um contrato super-máximo e a franquia teve que decidir se fazia sentido gastar essa grana toda para ter uma estrela num time que não tem ainda quaisquer pretensões de vitória e cuja reconstrução ainda levará muitos anos. Optaram por trocar Cousins por quase nada, apenas para ter maleabilidade salarial e só se preocupar de novo com super-giga-salários quando o time tiver, de fato, sonhos mais altos.

Para entender melhor como funciona esses contratos super-máximos e as mudanças salariais do acordo dos jogadores com a NBA assinado no começo do ano, vale dar uma ouvida em nosso podcast especial sobre o assunto. Mas por enquanto, parece que Jimmy Butler foi o segundo efeito colateral dessa nova política de salários. O que deveria permitir que times mantivessem suas estrelas draftadas e moldadas com tanto esforço está agora forçando a mão de times a abrirem mão de jogadores importantes quando seus processos de reconstrução ainda estão longe de terminar.

Mas infelizmente para o Bulls, trocar Jimmy Butler não foi a coisa mais simples de se fazer. Em parte porque os times com elementos interessantes para troca, como o Boston Celtics, resolveram segurar tudo que tinham por não acreditarem que lhe foram oferecidas trocas justas, mas em parte também porque há uma crença ingênua no mercado de Free Agents e muitos times preferiram acreditar que serão capazes de contratar Gordon Hayward agora, ou Paul George e muitos outros depois, quando seus contratos terminarem, sem ter que mandar nenhum jogador em troca dessas estrelas. Aparentemente o único time da NBA disposto a mandar um pacote de jovens jogadores, promessas interessantes e uma escolha nesse draft – notoriamente um dos melhores dos últimos anos – foi o Minessota Timberwolves e o Bulls não teve outra escolha a não ser aceitar a proposta. Parece até que ofereceramm escolhas de draft futuras, mas o Bulls tem como política interna não aceitar esses valores potenciais, querendo jogadores para trabalhar e evoluir AGORA.

O Wolves mandou para Chicago a sétima escolha do draft – que o Denis comentará em breve em sua já clássica Análise do Draft – além de Zach LaVine e Kris Dunn. LaVine é um jogador que melhora ano a ano e, embora seu jogo continue abaixo das expectativas do Wolves, tornou-se uma peça importante para a equipe. Consolidou um arremesso de três pontos, ataca bem a cesta e suas decisões, tanto no ataque quanto na defesa, já não são tão abismais quanto eram no começo da carreira. Se bem desenvolvido, pode se tornar um pontuador importante para o Bulls, mas é difícil imaginar que seja capaz de assumir o papel que Jimmy Butler tinha na equipe – na área defensiva, então, nem se fala. Kris Dunn, por outro lado, não passa de uma promessa: sua defesa não encantou o técnico Tom Thibodeau no Wolves como se imaginava, o time não rendeu sob sua armação e foi mantido sob minutos limitados. Não mostrou muita evolução em seu jogo ofensivo, principalmente no seu arremesso, que é muito fraco. Talvez o Bulls acredite que ainda há muito que Dunn possa melhorar, da mesma maneira que a franquia apostou em Cameron Payne na temporada passada. Payne, uma promessa nunca realizada em Oklahoma, chegou em Chicago em troca do eficiente arremessador Doug McDermott e do favorito entre os fãs Tag Gibson. A aposta em Payne ainda não deu qualquer fruto, não havia confiança suficiente nele para colocá-lo em quadra nos Playoffs mesmo quando Rajon Rondo saiu lesionado. Dunn e Payne são uma dupla de armação completamente desacreditada, mas também incrivelmente jovem – Payne tem 22 anos, Dunn tem 23. Cercá-los com Zach Lavine, também de 22 anos, e com o novato recém-draftado Lauri Markkanen de 20 anos dá ao Bulls um núcleo muito novo, com algum potencial, mas com cara de “resto” da reconstrução dos outros. É muita gente que ainda não arranhou seu potencial junta numa festa – o que pode significar que um dia eles podem se tornar bons todos ao mesmo tempo, ou, o mais provável, que nenhum deles se tornará grandes coisas e o Bulls simplesmente começou a reconstrução com peças bem abaixo do que seria recomendado.

Essa dificuldade de recomeço foi piorada porque, sabe-se lá como, o Wolves conseguiu ainda EXTORQUIR nessa troca uma escolha de draft, a de número 16, que virou Justin Patton, um gigante muito cru, mas com potencial para ser um defensor de elite e uma arma importante no jogo de transição. Se o Bulls está dedicado à essa reconstrução precisava, de todas as maneiras, ter mantido essa escolha. O Wolves ter conseguido sair dessa troca com Jimmy Butler e MAIS uma excelente escolha de um draft profundo mostra como a equipe de Minessota estava COMPLETAMENTE NO CONTROLE, o que indica que ofertas de troca não estavam exatamente chovendo nos escritórios de Chicago.

Perder Jimmy Butler nesse processo, depois de possivelmente sua melhor temporada na carreira, e não receber nada de real valor em troca é dolorido – e isso  porque Jimmy Butler sequer se encaixava de verdade com o esquema tático do Bulls e com o resto daquele elenco maluco que colocaram ao seu redor. Imaginemos, então, o que é receber Jimmy Butler num AMBIENTE IDEAL, com um técnico que é apaixonado por ele e que praticamente FEZ sua carreira acontecer, com um time empolgante que precisava desesperadamente de um líder defensivo, e com peças que têm tudo para se encaixar bem em seu estilo de jogo. Os fãs do Wolves tem muitos, muitos motivos para ficarem empolgados.

Analisamos em um post antigo, com alguns vídeos, as escolhas defensivas que tornam os times de Tom Thibodeau potências na defesa, e como o Wolves NÃO estava conseguindo realizar essas escolhas a contento. Com Jimmy Butler, calejado dessa defesa dos tempos de Thibodeau no Bulls, o Wolves agora tem alguém que ENTENDE como a movimentação defensiva funciona, que pode liderar pelo exemplo, ajudar seus companheiros, posicioná-los aos gritos em quadra ou apenas ser o intermediário entre seu técnico e os jogadores, já que de outra maneira estava ficando claro que eventualmente Thibodeau iria ESFAQUEAR ALGUÉM. Jimmy é alguém em quem Thibodeau verdadeiramente CONFIA – tanto é que praticamente não tirava o sujeito de quadra pelo Bulls, resultando em debates hilariantes sobre quantos minutos por jogo é possível usar um jogador – e era isso que tanto faltava no Wolves, alguém que o técnico pudesse realmente colocar a responsabilidade de tomar as decisões corretas em quadra. Entre os 20 melhores “net ratings” da NBA, o Wolves perdeu uma enorme quantidade de jogos que estiveram em placares muito apertados. Ficaram famosos por DERRETER em quartos períodos, agindo por instinto ao invés de seguir o plano tático de Thibodeau. Pois bem: para Jimmy Butler, esse plano tático JÁ É INSTINTO, de modo que muitas encrencas serão evitadas na temporada que vem simplesmente porque ele não estará desesperado dando cabeçadas na parede como o resto dos seus colegas.

Já faz tanto tempo que o Wolves é um projeto de reconstrução bem sucedido sem NUNCA VENCER JOGOS que é até engraçado pensar neles como “bem sucedidos”. Todo ano parece que vão deslanchar, mas sempre estão crus. Agora o Bulls assumiu parte desses jogadores crus e mandou em troca a peça que talvez amadureça tudo ao seu redor. Jimmy traz uma outra mentalidade, uma outra capacidade de entender as exigências táticas e o resto do elenco ganhará muito só de estar em sua presença. É mais uma vez em que diremos que “esse ano vai” para o Wolves, mas é como dizem, a vez 68 é sempre a vez da sorte.

Para o Bulls, é hora de começar pra valer esse processo e, com sorte, poderem dizer que “agora vai” daqui alguns anos. Mas o começo desse processo foi estranho e estabanado, com um ano de GANÂNCIA DESVARRIDA, uma troca que rendeu apenas promessas, uma escolha de draft polêmica e O ANO DE CONTRATO RESTANTE DO DWYANE WADE que sequer permite que o recomeço aconteça de fato. Wade, que não é bobo nem nada, renovou para um segundo ano – a escolha contratual era sua – mesmo no time em reconstrução só para embolsar mais de 20 milhões de dólares. Para se livrar dele e poder abrir esse espaço no teto salarial, o Bulls teria que pagar para Wade quase a integralidade dessa quantia – motivo, talvez, para o Bulls ter VENDIDO sua escolha de draft da segunda rodada para o Warriors.

É isso mesmo. Recapitulemos: o time que precisa começar do zero mandou uma escolha de draft para o Wolves e VENDEU outra escolha para o atual campeão da NBA, que aliás rendeu Jordan Bell, um jogador comparado com Draymond Green pela sua versatilidade defensiva. São peças valiosas demais para deixar passar e que atrapalham o plano da franquia tanto quanto o contrato zumbi de Dwyane Wade. É estranho ver o Wolves sair de uma troca com reais expectativas de fazer barulho na NBA e o Bulls ainda ter que arrumar muita coisa para sequer começar a falar de uma remontagem do elenco, mas pelo jeito o resto da NBA não deu ao Bulls outras possibilidades. Teria sido o caso de segurar Jimmy Butler por mais um ano, já que não havia a urgência do fim do contrato como havia com Cousins, atrasar ainda mais a reconstrução, mas esperar um momento mais propício para receber peças mais valiosas – como parece estar fazendo o Indiana Pacers com seu Paul George? Veremos como se sairá a equipe de Indiana nesse processo e só então poderemos julgar melhor. Mas por enquanto, o trajeto do Bulls parece mais longo do que deveria enquanto a molecada de Minessota pode finalmente acreditar que “agora vai”.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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