🔒General Manager Superstar

Um dos personagens mais importantes da série documental The Last Dance, sobre o último título do Chicago Bulls nos anos 1990, é o General Manager Jerry Krause. Morto em 2017 e por isso sem chance de dar novas entrevistas como contraponto, ele foi apresentado para nós como o grande vilão daquele time, o responsável por desmontar um grupo que parecia imbatível. Entre cenas de puro bullying de Michael Jordan contra o baixinho, vemos também declarações de que ele era difícil de lidar e que sofria por uma suposta falta de reconhecimento do seu trabalho construindo dois times tricampeões. Entre as confusões temos atletas insatisfeitos com as declarações de Krause de que “organizações ganham títulos”, não apenas jogadores. A birra chega ao ponto de Jordan e Scottie Pippen transformarem Toni Kukoc e Dan Majerle em inimigos mortais só por eles serem jogadores admirados pelo cartola.

Krause

No meio de tanta rusga, a razão dada para o desmanche do time foi essa tal ambição de Krause de provar para todos que ele e o Bulls eram capazes de ganhar um título mesmo sem Jordan, Pippen e o técnico Phil Jackson, o primeiro a ser chutado para escanteio em aviso prévio antes da temporada 1997-98. Aos 45 do segundo tempo, porém, conseguimos um direito de resposta. A família de Krause autorizou a publicação do trecho de um livro de memórias que ele escrevia quando morreu e que aborda justamente os motivos de sua decisão de não renovar com os tricampeões. Segue a tradução que nosso amigo, leitor, ouvinte e assinante Thiago Waldhelm fez do texto:

“Olha lá o Jerry Krause, o cara com ego enorme que quis montar um time campeão sem Michael Jordan e Phil Jackson, o cara que se achou mais importante que jogadores e técnicos.” Se eu vi ou ouvi citações como estas milhares de vezes em diferentes publicações e lugares pelos EUA, pode ter certeza que houve milhares delas que eu nem fiquei sabendo.

Até agora, enquanto você lê essas palavras, ninguém além de Jerry Reinsdorf, de mim e de poucas pessoas na organização do Bulls realmente sabe o que aconteceu no desfecho da vitória de nosso sexto campeonato mundial em oito anos. Será que desmontamos o time vencedor para satisfazermos nossos próprios egos e vencermos sem aqueles jogadores e técnicos? Acha mesmo que pessoas que trabalharam por tantos anos para vencer, e depois vencer de novo e de novo, seriam burras o suficiente para deixarem os egos atrapalharem a tentativa de vencer de novo? Você acha que uma organização construída com um único propósito, desde seu presidente até o nível hierárquico mais baixo na gerência — vencer campeonatos -, desistiria tão fácil desse pensamento?

Durante a última tentativa de campeonato em 1998, rachaduras na fundação dos times que havíamos montado começaram a aparecer de maneira alarmante em momentos inoportunos. Para o adorável público, fatores como a idade se mostrando em Dennis Rodman, a falta de mobilidade de Luc Longley e a queda de eficiência após jogar mais de 100 partidas por ano em duas das três temporadas anteriores não eram aparentes. A falta de tempo para recuperação no verão, quando pernas cansadas poderiam ter tempo o suficiente no programa montado por Al Vermeil, técnico de condicionamento e força, para ganharem novamente a força que haviam perdido jogando por muito mais tempo que qualquer outro time na liga, nada disso atingia os fãs ou a mídia. O fato de que ganhar títulos significava draftar em último lugar todo ano, em safras muito fracas de draft, na época, não significava nada. Demos muita sorte em 1990, quando ninguém da NBA pensou que Toni Kukoc poderia vir para a liga, e ele caiu para o começo da segunda rodada, onde tínhamos uma escolha.

Mas para os fãs e para a mídia, nós tínhamos Michael Jordan, e ele podia superar qualquer coisa. Ele podia jogar sem pivô e sem ala-pivô em um time com pouca ou nenhuma flexibilidade salarial, e mesmo assim vencer sozinho. Ou Scottie Pippen, com duas cirurgias nos dois anos anteriores, podia se elevar à altura da situação e vencer sem MJ e com um elenco de apoio em declínio. Tínhamos o melhor técnico da liga, Phil Jackson, que, sem o conhecimento do público, não queria treinar um time em reconstrução e havia nos informado antes da temporada começar que ele desejava ir para Montana e tirar pelo menos um ano sabático.

Agora, vou transportá-lo, leitor, a um lugar onde ninguém de fora do Bulls esteve: uma reunião no começo de julho de 1998. Estavam presentes Jerry Reinsdor, eu, Jim Stack (GM Adjunto), Al Vermeil, os médicos e cirurgiões do time, Irwin Mandel (VP de Finanças) e Karen Stack (Assistente de GM). Vermeil sabia mais sobre a condição física dos jogadores até mesmo que o corpo médico. Ele havia feito testes constantes durante todo o campeonato, dentro e fora da temporada. Havíamos pedido ao então treinador Chip Schaefer para enviar um relatório por escrito sobre a saúde do time. Phil já tinha decidido sair do time oito meses antes da reunião.

A primeira pergunta que fiz foi o quanto as pessoas achavam que conseguiríamos extrair de Luc Longley, que seria um agente livre e que tivemos que descansar periodicamente durante os anos anteriores devido à instabilidade de seus tornozelos. Al e os médicos criam que ele iria se deteriorar rapidamente. Próxima pergunta: Rodman? Cada um na reunião estava preocupado que as aventuras de Dennis fora da quadra tinham cobrado seu preço, e que ele estava jogando na reserva do tanque ao final da temporada. OK. Sem pivô, sem ala-pivô, pouquíssimo espaço salarial para assinar qualquer um de qualidade para substituí-los. Quem defenderia o garrafão se Jordan e Pippen voltassem? Quem pegaria os rebotes?

Vamos a Pippen. Ele teve duas cirurgias grandes em dois anos, uma delas no final do verão, propositalmente desafiando nossas instruções de fazê-la mais cedo a fim de não perder jogos na temporada regular. Ele quer, com razão, ser pago com salário de superestrela. Vale o risco, principalmente se não conseguirmos achar um pivô e um ala-pivô, e ele e Michael precisarem carregar o time nas costas para um novo técnico? Duvido muito.

Será que Michael consegue continuar sua grandeza sem pivô, ala-pivô e talvez sem Pippen? Será que Bill Russell, o maior companheiro de time que já existiu, conseguiria ter vencido sem grandes jogadores ao seu redor? Não. Michael já deixou bem claro que não vai jogar para outro técnico além de Phil. Phil já nos disse que vai embora. O que Michael vai fazer?

Os jogadores de apoio importantes como Steve Kerr e Jud Buechler são agentes livres que podem conseguir mais dinheiro de outros times do que nós conseguimos oferecer sob as regras do teto salarial. Será que conseguimos fazer Phil treinar o time sem um pivô e um ala-pivô estabelecidos, provavelmente sem Pippen, e com basicamente um banco inteiro novo e expectativas malucas de que “em Michael nós confiamos” pode vencer sem ajuda? Sem a menor chance.

Se coloque em nosso lugar enquanto saímos daquela sala. O que você faria? Nós desmontamos a dinastia, ou a dinastia estava se desmontando devido a idade, desgaste natural de jogadores da NBA sem tempo para se recuperar e regras salariais vigentes? Uma coisa que de fato fizemos foi nos assegurarmos que nenhuma informação que pudesse comprometer as chances de qualquer jogador assinar um bom contrato vazasse daquela reunião. Phoenix deu segurança vitalícia para Longley na forma de um contrato de cinco anos e muitos dólares. Três anos depois, ao ser despejado pelo Suns em um desavisado Knicks, Longley se aposentou e foi para seu país nativo. Rodman jogou mais 35 jogos, sem nunca voltar à sua forma anterior.

Conforme o verão passou e os jogadores foram expulsos dos centros de treinamento pela liga — o que significou que a temporada não começaria até o final de janeiro -, a situação piorou. Michael cortou seu dedo num cortador de charutos, o que o impediria de jogar durante a temporada inteira. Em sua defesa, ele poderia ter omitido essa informação e assinado um contrato imenso conosco. Mas foi honesto e nós fomos informados da situação de sua mão. Ele não queria jogar num time em reconstrução, e manteve sua palavra.

Em janeiro, quando a temporada estava prestes a começar e os agentes livres podiam ser assinados, os agentes de Pippen nos pediram para fazermos uma favor a Scottie: uma sign-and-trade com Houston, através da qual Scottie podia conseguir $20 milhões a mais do que por um contrato simples com eles. Jerry e eu demos esse presente de despedida a ele. Liguei para Steve e Jud e informei-os da situação, dizendo para pegarem o primeiro bom contrato que os oferecessem, porque não poderíamos cobrir a oferta. Eles mereciam.

Aí está, a verdade.

A declaração é legal porque mostra bem o que é o trabalho de um General Manager: pensar a longo prazo enquanto torcida, técnico e jogadores muitas vezes só sem importam com o dia seguinte. Isso envolve tomar decisões difíceis, como Krause tomou nessa situação. Quer dizer que a decisão foi a correta? De jeito nenhum. Krause soube ler os problemas do time e percebeu que isso indicava queda de produção, lesões e, claro, derrotas. Mas qual era a outra opção? Como vimos, a reconstrução iniciada quase que imediatamente foi lenta e fracassada, teria sido muito diferente começá-la um ou dois anos depois? Absolutamente ninguém iria condenar a opção de tentar mais um campeonato, coisa que o próprio Jordan reforçou no documentário que gostaria de ter tentado. Houve também um erro gigante em como lidar com Phil Jackson: mesmo que o técnico quisesse mesmo um ano sabático, havia jeito melhor de comunicar isso ao público do que uma guerra via imprensa com o próprio grupo.

No fim das contas o saldo da aventura é que por bem ou por mal, a carreira de Jordan só pode ser avaliada quando avaliamos junto a carreira de Krause. O General Manager é o cara que trocou por Pippen, que trouxe Phil Jackson das sombras e que o promoveu a técnico mesmo quando Doug Collins tinha bons resultados. Foi Krause que montou dois elencos diferentes que ganharam tricampeonatos, que garimpou pivôs baratos que fizeram o Bulls um time sem uma estrela de garrafão dominar justamente a década dos pivôs. Sem contar que ele descobriu Kukoc e resgatou Dennis Rodman quando a NBA já não dava mais nada por ele. Jordan tem razão quando insiste que são os jogadores que ganham títulos, mas ignora que a forma que a NBA funciona deixa na mão dos managers o trabalho de colocar esses jogadores uns ao lado dos outros.

Como estamos falando do provável melhor jogador de todos os tempos, o tema fica um pouco de lado. Acreditamos que mesmo que Krause tivesse feito tudo errado ou que fosse outro GM em seu lugar, Jordan ganharia uma porrada de títulos, claro. Mas olhar para outras carreiras mostra a importância que os engravatados têm na trajetória de grandes jogadores. Ainda nessa nossa viagem saudosista pelos anos 1990, nosso querido Zach Lowe entrevistou Charles Barkley que disse que “o maior DESASTRE” de sua carreira não foram derrotas importantes nos Playoffs, mas duas trocas realizadas pelo então General Manager Pat Williams. Primeiro seu Philadelphia 76ers trocou o espetacular Moses Malone por Cliff Robinson e Jeff Ruland, depois mandou a PRIMEIRA ESCOLHA do Draft de 1986, que acabou sendo Brad Daugherty, para o Cleveland Cavaliers por Roy Hinson. A revolta de Barkley se justificou: mesmo veterano, Malone ainda teve mais QUATRO boas temporadas e três All-Star Games; Daugherty teve um fim de carreira abrupto por lesões em 1994, mas antes disso foi All-Star CINCO vezes com média de mais de 20 pontos e 10 rebotes por três anos seguidos no meio do caminho. Enquanto isso, Robinson, Ruland e Hinson pouco jogaram no time, sofreram com lesões e não tiveram qualquer destaque em suas carreiras.

Como bem disse o próprio Barkley no podcast, ele poderia ter formado uma dupla de garrafão histórica com Daugherty enquanto Malone serveria de mentor para ambos. Tudo isso ainda com Julius Erving nos seus últimos anos de quadra, claro. Era uma chance de ouro que um par de trocas apressadas e desastradas simplesmente DESTRUIU. Um dos melhores jogadores da sua geração e um dos melhores de todos os tempos, Barkley só foi ter chance real de ser campeão em 1993, já aos 29 anos de idade e em outro time, o Phoenix Suns. O ala é até hoje alvo de bullying constante de seu companheiro de TV Shaquille O’Neal e até por Draymond Green, com quem sempre troca farpas, pela falta de um anel de campeão, mas não dá pra falar desse vácuo no seu currículo sem citar Pat Williams e as trocas que tiraram os melhores companheiros que Barkley poderia ter na primeira fase de sua carreira.

Talvez o exemplo máximo de como a carreira de um jogador da NBA está atrelada à qualidade dos General Managers que trabalham com ele seja Kevin Garnett. Ele chegou no Minnesota Timberwolves em 1995 como uma jovem promessa vinda direto do ensino médio e em pouco tempo mostrou que era, sim, tudo isso. Passou a quebrar recordes, disputar All-Star Games, encabeçar listas de melhores jogadores da atualidade e… morrer na primeira rodada dos Playoffs. Ano após ano, KG levava times medíocres nas costas até uma previsível derrota na primeira fase do mata-mata contra algum time melhor, mais completo e com mando de quadra. Foram SETE ANOS seguidos dessa rotina até que, finalmente, em 2004 o Wolves teve o grande time de sua história que chegou até a final da Conferência Oeste. De 1995 até 2007, quando Garnett deixou o time rumo ao Boston Celtics já aos 32 anos de idade, esses foram os jogadores que mais entraram em quadra pelo Wolves, segundo o The Athletic:

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Sabe o que os nomes dessa lista tem em comum? A MEDIOCRIDADE. Tirando o próprio KG, apenas Wally Szczerbiak (uma vez) e Terry Porter (duas vezes, nunca pelo Wolves, onde já chegou veterano) chegaram a disputar um All-Star Game. Em geral, Garnett passou o tempo todo cercado de role players, caras que fazem seu papel secundário mas que nunca conseguiram levar o time para outro patamar. Destaque para Joe Smith, responsável por uma parte considerável desse fracasso: o ala fez um acordo de gaveta com o dono do time Glen Taylor e o General Manager Kevin McHale para assinar por um valor mínimo em 1998 -algo estranho para alguém que era disputado no mercado- em troca de um futuro contrato gordo e lucrativo. Esse tipo de negociação não é permitido na NBA, que logo descobriu e puniu o Wolves com a perda de CINCO escolhas de primeira rodada, embora depois a de 2003 tenha sido devolvida. Sem novatos para reforçar o time ou mesmo para negociar e com Joe Smith sendo bem mais ou menos com a camisa do time, o Wolves ficou parado no meio da tabela sem conseguir oferecer ajuda a Garnett por anos a fio.

A sua salvação veio em 2003-04, quando o time trouxe os veteranos Sam Cassell e Latrell Sprewell. Ambos não estavam mais em seu auge, mas ainda conseguiam fazer a diferença. A combinação de criativos pontuadores de perímetro fez o Wolves ser líder do Oeste e Garnett ganhar seu troféu de MVP da temporada em uma campanha que só parou no LA Lakers de Kobe Bryant e Shaquille O’Neal na decisão do Oeste. Durou pouco, porém. No ano seguinte Sprewell caiu de rendimento e entrou numa briga com o time para a renovação de seu contrato: ele recusou uma oferta de 21 milhões por 3 anos sob o argumento de que “tinha uma família pra alimentar” e calhou que não só o Wolves não fez uma contraproposta como nenhum outro time da liga o quis mais. Já Cassell foi trocado para o LA Clippers por Marko Jaric, uma decisão desastrosa. Enquanto Cassell levou o time maldito até a segunda rodada dos Playoffs, Jaric seguiu famoso como “o marido da Adriana Lima que joga basquete”. Depois de muito resistir, Garnett finalmente deixou para trás o papo de lealdade e aceitou ser trocado para o Boston Celtics, onde foi logo campeão e melhor defensor do ano em 2008. Que diferença faz estar no time certo!

A lesão no joelho de KG em seu segundo ano em Boston foi um lembrete cruel de como sua carreira já poderia estar perto do fim e que se não fosse a troca, ele poderia ter parado de jogar como alguém que, ao mesmo tempo, estava no Top 15 ou 20 da HISTÓRIA e só com uma boa pós-temporada para contar para os netos. Tudo porque Kevin McHale, outro dos melhores jogadores de todos os tempos, não conseguiu ser tão bom como cartola como era dando seus giros no garrafão. Durante os anos 2000 era comum discutirem na internet sobre como seria o mundo paralelo onde Tim Duncan tivesse caído no limbo do Wolves enquanto Garnett pudesse dividir a carreira com David Robinson, Tony Parker, Manu Ginóbili, Gregg Popovich e companhia no San Antonio Spurs. Será que hoje veríamos os dois da mesma forma?

Histórias como essa fizeram a atenção dada aos General Managers crescer ao longo das últimas décadas da NBA. Como explicamos no texto sobre o salário de Scottie Pippen, as regras de contrato da liga eram bem mais simples quando o teto salarial foi criado em 1984 e pouco a pouco foram se complicando nos anos 1990 e especialmente após o locaute de 1999. Se antes o trabalho era mais de vasculhar e reconhecer talento e negociar contratos, nos anos 2000 a coisa virou de vez um jogo dentro do jogo. São tantas exceções para cada regra, salários máximos e mínimos para situações diferentes, limitações de contratação e trocas que não demorou para que os ex-jogadores tivessem que começar a dividir terreno com nerds e suas planilhas na gerência dos times.

Com o crescimento da internet, blogs especializados e sites que disponibilizavam não só todas as regras (amém, Larry Coon!) como também as planilhas de salários, criou-se entre os fãs da NBA um interesse nesse jogo paralelo de criação de times. Não bastava mais só desejar o super jogador no seu time, era preciso entrar em uma Trade Machine e arquitetar que troca realista poderia ser feita, com devidas compensações salariais e escolhas futuras de Draft. Quando alguma negociação acontecia no mundo real, logo queríamos não só a análise do que iria acontecer em quadra, mas também entender seus incentivos financeiros e consequentes ramificações para futuras trocas ou contratações de Free Agents. Para muitos, o mundo do meta-jogo se tornou até mais excitante que aquele dentro da quadra, como bem mostram a audiência e repercussão de notícias e comentários sobre rumores de possíveis trocas e análises do que cada time precisa fazer para reforçar seu elenco dentro das regras salariais.

Para quem acompanha a NBA desde pelo menos o fim dos anos 1990 é até curioso perceber como a atenção dada aos General Managers pela imprensa mudou com o passar dos anos. Antes alguns nomes até tinham mais destaque por negociações bem ou mal sucedidas, mas poucos eram a CARA de um time. Isso era privilégio, no máximo, para um técnico. Só que três exemplos recentes são simbólicos dessa mudança do mero cartola para o SUPERSTAR de terno e gravata. Começo com Daryl Morey, manager do Houston Rockets. Pioneiro em levar as novas mentes e ferramentas da análise estatística para a NBA, Morey não teve medo de ousar e montou um time que joga da maneira que ele acredita, com o estilo que sua equipe descobriu ser a mais eficiente. Os números absurdos de bolas de 3 pontos e a quase abolição do jogo meia distância até ganhou o nome dele: Moreyball. Ele também ajudou a organizar o Sloan Sports Conference, maior encontro de discussão de análise de desempenho e tecnologia no esporte, e virou uma espécie de guru daqueles que buscam revolucionar o esporte com modelos matemáticos, computadores e ideias fora da caixa.

Morey

Sua nerdice não está só dentro de quadra, fora dela Morey soube também ganhar a atenção do público ao empurrar as regras da NBA até seu limite, como quando deu um contrato “pílula envenenada” para Jeremy Lin, então Free Agent Restrito que tinha acabado de sair de sua temporada mágica pelo NY Knicks. Ele ofereceu 35 milhões por 4 anos para o armador, mas de uma forma que pagava apenas 5 milhões na primeira e na segunda temporada e depois crescia para mais 14 milhões no terceiro ano. Essa estrutura bizarra de contrato era culpa de uma nova regra, a Gilbert Arenas Provision, criada após o Golden State Warriors não conseguir manter sua jovem e inesperada estrela. O truque: para o Rockets, para efeitos de regra salarial, contaria apenas a MÉDIA desses salários, cerca de 8 milhões por ano. Para o Knicks, caso igualassem o contrato “envenenado”, eles realmente teriam que ocupar 14 milhões do seu teto salarial com Lin no terceiro ano, quando já tinham outros contratos garantidos e caros. O time nova-iorquino não teve escolha senão recuar e perder o ídolo da galera para Morey.

Achou confuso? É assim mesmo. Toda temporada achamos que o Rockets não tem como entrar na briga por algum grande nome que está no mercado e de repente lá está Morey achando uma brecha, uma saída criativa para pelo menos ter uma chance. Foi assim nessa temporada, quando estranhamente ofereceu um estranho contrato caríssimo para o brasileiro Nenê, que estava para se aposentar. No fim das contas a ideia era dar um contrato não garantido, com incentivos difíceis de serem atingidos mas que servia para usá-lo como peça de troca por jogadores mais caros. Um jeito de conseguir trazer caras que ganham salário alto mesmo com o Rockets estando bem acima do teto salarial. A NBA percebeu a maracutaia que feria o ESPÍRITO DA LEI, embora não seu texto, e barrou o contrato. Serviu, no entanto, para alimentar ainda mais a fama de Morey como um dos managers mais criativos da liga. É possível dizer que hoje ele seja tão a cara do Rockets quanto James Harden, com os dois sendo diretamente associados ao estilo de jogo único da equipe na última década. Não se fala do basquete atual sem falar de Moreyball.

Outro General Manager que se tornou superestrela nos últimos anos foi Sam Hinkie, ex-GM do Philadelphia 76ers. Ele foi o responsável pelo “PROCESSO“, o plano de longuíssimo prazo que fez o Sixers ser por anos a fio o pior time da NBA, alimentando uma fábrica de boas escolhas de Draft. Não que ser ruim para reconstruir fosse novo, mas ele fez de forma tão aberta e extrema que chamou a atenção de todos, incomodou muitos e encantou outros tantos. Seu ponto era simples: se o jeito mais fácil de conseguir estrelas é no topo do Draft e se as regras da NBA beneficiam os piores times justamente com posição alta no recrutamento de novatos, por que não ser exageradamente ruim por anos seguidos? Joel Embiid e Ben Simmons estão aí para mostrar que o plano fez sentido, e nem vamos entrar no mérito de que eles ainda poderiam ter Jayson Tatum.

Perder tanto por tanto tempo teve um preço: a cabeça de Hinkie. Eventualmente a direção do time ficou incomodada em ser o saco de pancadas da liga, cobrou, contratou um outro nome para supervisionar o GM e ele acabou pedindo as contas em uma longa e enigmática carta. Não durou tanto, mas ele se tornou um personagem mítico entre os fãs da NBA. Como conta o The Complex, se criou um CULTO de adoradores de Hinkie entre torcedores do Sixers, um misto de fascinação com um plano tão extremo e o próprio elemento de FÉ que essa estratégia, por mais racional que fosse, exigia dos fãs. No chamado “pior da história” a superestrela era o General Manager…

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Se Morey se tornou o rosto de um time e de um estilo de jogo e Hinkie ganhou um CULTO, não há exemplo melhor de um General Manager SUPERSTAR que Masai Ujiri, o arquiteto do atual campeão Toronto Raptors. Depois de entrar na NBA como olheiro do Orlando Magic em 2002, ele cresceu até se tornar General Manager do Denver Nuggets, onde se destacou ao conseguir um ótimo retorno na troca do insatisfeito Carmelo Anthony, que exigia ser negociado. Ele foi eleito o Executivo do Ano em 2013 e logo depois assumiu o comando do Raptors, que logo virou um dos melhores times da Conferência Leste no período, se consagrando finalmente campeão em 2019 após a histórica (e levemente arriscada) troca de DeMar DeRozan por Kawhi Leonard.

A história de sucesso de Ujiri, erguendo Nuggets e Raptors em momentos difíceis de suas trajetórias e com um histórico de inúmeras vitórias em trocas (incluindo o ROUBO de mandar Andrea Bargnani para o NY Knicks em troca de escolhas valiosas de Draft) fizeram de Ujiri um dos ativos mais valiosos da NBA. Não há uma temporada sequer em que não haja especulações sobre times querendo abrir o cofre para levar o nigeriano para lá. Tem coisa mais superestrela que isso? Atualmente Ujiri ganha SEIS milhões de dólares por temporada, valor inimaginável para managers décadas atrás, e especulava-se há alguns meses que o Washington Wizards iria oferecer 10 milhões anuais para que ele pudesse ir lá salvar o time. Ujiri também foi o nome mais especulado pela imprensa para tentar salvar o NY Knicks após a saída de Steve Mills, com direito até a especulação de que o comissário Adam Silver estaria torcendo/pressionando/sugerindo que Ujiri assumisse o cargo para que o Knicks tivesse finalmente uma chance de voltar a ser relevante. Vendo assim parece que estamos falando mesmo de um All-Star que pisa em quadra e marca pontos.

Masai

Esses foram os exemplos positivos, mas o excesso de destaque, atenção e importância dada aos General Managers hoje em dia tem seu lado negativo também. Isiah Thomas foi DETONADO pelos negócios que fez quando comandou o Knicks nos anos 2000 e hoje ninguém perdoa os movimentos de Vlade Divac no comando do Sacramento Kings. Muitos anos atrás algumas de suas trocas questionáveis poderiam ter passado despercebidas do grande público, mas a falta de conhecimento e cuidado com as regras salariais hoje são alvo de escrutínio público.

Pode soar estranho que a gente dê tanta atenção para quem não joga, lembra um pouco o excesso de discussão que os técnicos de futebol rendem nas mesas redondas de futebol no Brasil, mas é importante perceber que isso não acontece sem motivo. Não podemos avaliar carreiras de jogadores ou trajetórias de times sem citar e criticar os responsáveis por montar cada elenco. Quando falamos do Phoenix Suns que não ganhou um título mesmo após revolucionar o basquete nos anos 2000, por exemplo, certamente temos que falar primeiro sobre Steve Nash, seus companheiros e das decisões do técnico Mike D’Antoni. Mas não dá pra ignorar as escolhas do então General Manager Bryan Colangelo: primeiro o elogio de apostar tudo em um armador já balzaquiano, depois o negativo de imaginar o que seria desse time se não tivessem deixado Joe Johnson ir embora. E se não tivessem trocado a escolha de Draft que virou Luol Deng por um punhado de biscoitos?

Podemos exagerar às vezes, mas quando transformamos os General Managers em superestrelas estamos fazendo um favor tanto aos Jerry Krauses quanto aos Michael Jordans desse mundão de NBA. A Krause porque estamos finalmente dando atenção e crédito a quem faz o trabalho de montar o elenco que pisa em quadra. E fazemos justiça a Jordan também pois estamos deixando claro que levamos em consideração o CONTEXTO antes de criticar o desempenho de qualquer time e jogador. Nós somos fãs de basquete por causa de Jordan e Harden, não de Krause e Morey, mas entender e valorizar quem age nos bastidores para tirar o melhor dos nossos ídolos serve para que vejamos o basquete de maneira mais completa.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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