Guia de Viagem – Parte 4: San Antonio (e Austin)

Em março deste ano o Bola Presa fez sua primeira viagem para assistir a jogos da NBA nos Estados Unidos, com nossas impressões registradas em tempo real no Instagram e em podcasts especiais gravados ao longo da viagem de 15 dias. Agora estamos contando melhor a experiência, na esperança de entreter e ajudar nossos leitores e ouvintes com algumas histórias e dicas que possam facilitar (e incentivar) a realização de viagens similares.

Antes de prosseguir, não deixe de ler nosso “Guia de Viagem – Parte 1“, em que relatamos a preparação necessária e o planejamento da viagem, o “Guia de Viagem – Parte 2“, sobre nossa estadia em New Orleans, e o “Guia de Viagem – Parte 3” sobre nossa passagem por Houston e nossa visita aos vestiários do Rockets. Nessa quarta e última parte de nosso Guia, falaremos de nossa ida para San Antonio, casa do Spurs (e uma breve esticadinha para Austin antes de retornar ao Brasil).


Transporte

De Houston para San Antonio foi mais uma vez hora de enfrentar o Greyhound, os ônibus de qualidade questionável que atravessam as estradas americanas. Mas o que deveria ser uma viagem de apenas 3 horas de duração se converteu numa espera de mais de 3 horas só na rodoviária para que o ônibus chegasse, sem ninguém capaz de explicar o que estava acontecendo, quais eram as filas corretas para se esperar e qualquer previsão para o ônibus. Para a gente, que conseguia se comunicar minimamente, foi ruim; para os muitíssimos latinos na rodoviária que não falavam nada de inglês, foi um pesadelo. Vale lembrar que no Texas existem placas em espanhol em todos os lugares, quase como se fosse uma “segunda língua”, mas achar funcionários capazes de falar em espanhol já é outra história completamente diferente.

Por conta do atraso do ônibus chegamos a San Antonio muito mais tarde do que esperávamos, já no final do dia. Não foi um problema enorme, já que o jogo da NBA que cobriríamos seria apenas no dia seguinte, mas foi chato o bastante para desconsiderarmos o Greyhound quando, quatro dias no futuro, viajássemos para Austin.

Já em San Antonio, nosso transporte principal foi mesmo o Uber, tendo em vista que nossa hospedagem era mais longe do centro e nenhum ônibus municipal passava por ali. Pelo que vimos os ônibus paravam de passar ainda mais cedo do que em Houston, tornando o Uber fundamental para qualquer passeio à noite. Os preços foram bem dignos especialmente se levarmos em conta o fato de que tudo em San Antonio é longe, há muito espaço entre todas as coisas. A única exceção foi, claro, a saída dos jogos: algumas pessoas, especialmente turistas, vão às partidas sem automóvel e portanto o preço do Uber dispara, o que exige muita paciência para esperar o fluxo de pessoas diminuir e os preços voltarem à normalidade. Esperar certamente não é a coisa mais excitante de se fazer numa viagem, mas é uma concessão pequena a se fazer pela saúde dos bolsos e para viabilizar os passeios futuros.

Fora o transporte para a hospedagem e para o ginásio, o resto das coisas fizemos novamente a pé. O “River Walk”, principal ponto turístico da cidade, só pode ser feito caminhando ou através de balsas.

Trata-se de um rio artificial que corta a cidade, forrado de parques, bares e lojas em toda a sua extensão, e que rende a San Antonio o bizarro apelido de “Veneza do Texas”. Gastamos um dia inteiro andando ao longo do rio junto a trocentos outros turistas, empilhados por todos os lugares por conta do “Summer Break”, o feriadão local. Pra quem gosta de bater perna, é um passeio muito bonito com comida e música por todos os lados.


Hospedagem

Não pegamos um quarto próximo ao centro, mas pra compensar ficamos em um quarto excelente, num condomínio fechado, por cerca de 40 reais a diária para cada um. Recebemos as instruções de como pegar a chave dentro de uma espécie de cofre na entrada e, a partir de então, tivemos total liberdade para entrar e sair quando quiséssemos.

Fomos recebidos por bilhetes fofos de boas-vindas, um kit com vários produtos de higiene e alguns remédios, a senha do wi-fi, e o quarto continha um “closet” com uma cafeteira, uma pequena geladeira e um microondas, para não precisarmos usar a cozinha do casal. Vimos os dois poucas vezes, mas foram simpáticos, conversamos sobre basquete universitário e deram a entender que o casal mantém dois quartos disponíveis para os hóspedes apenas para conhecerem gente nova, o que explica o preço módico. Ter o microondas no quarto, aliás, foi uma surpresa inesperada que nos permitiu o incrível benefício da COMIDA CONGELADA, que é ridiculamente barata por lá e nos caiu bem quando voltamos dos jogos tarde da noite.


San Antonio Spurs e Minessota Timberwolves

No dia seguinte à nossa chegada fomos logo depois do almoço conhecer o ginásio do Spurs, a lojinha da equipe e receber nossas credenciais de imprensa para o jogo da noite. A loja, infelizmente, é a pior das três que conhecemos na viagem: há pouca oferta de produtos que não sejam roupas e uniformes, o bonequinho do mascote Coyote é INACEITÁVEL, e os preços são muito mais altos do que vimos em Houston e New Orleans.

Em parte isso se explica pela quantidade surreal de turistas no ginásio – mesmo pra gente que viu muitos turistas chineses em Houston, os argentinos em San Antonio eram de um número impressionante. Descobrimos depois que vários deles estavam lá com pacotes de turismo pensados para a “turnê de despedida” de Manu Ginóbili, que ainda não estava anunciada mas já era inferida pelos torcedores (e pelas agências de turismo argentinas). Isso significa que eles tinham ônibus fretados próprios, uniformes, gritos de guerra, tatuagens de Manu e a permissão de entrar em quadra no intervalo do jogo para cantar à vontade. Não à toa, Ginóbili era disparado o jogador mais celebrado quando aparecia nos telões ou quando entrava em jogo, inclusive pelos torcedores locais.

Com as nossas credenciais em mãos ganhamos acesso à área de espera da imprensa e por lá ficamos, por horas a fio – ao contrário de Houston, não tivemos tour pelo ginásio nem nada do tipo. O que tivemos foi mais uma vez acesso aos cadernos recheados de estatísticas tanto do Spurs quanto do Wolves, com números históricos das franquias e dados sobre todos os altos e baixos da temporada do Spurs até ali, o que nos manteve entretidos. Diferente de nossa cobertura ao Rockets, não tínhamos intenção de entrevistar ninguém em particular, então conseguimos abaixar um pouco a adrenalina, relaxar e simplesmente ver como as coisas acontecem, entender melhor a rotina dos bastidores de um jogo para a imprensa. Sem as borboletas no estômago até conseguimos comer o jantar “na faixa” que o Spurs fornece aos jornalistas.

Depois disso fomos até a porta de cada vestiário para as coletivas de imprensa dos técnicos, muito rápidas e com poucas informações importantes. Vimos Greg Popovich, técnico do Spurs, ser muitíssimo duro e muitíssimo engraçado ao mesmo tempo – rechaçou as questões estúpidas e então, com todo mundo receoso de fazer qualquer pergunta, quis saber se os jornalistas estavam usando o silêncio pra pensar em alguma coisa ou se estavam só olhando para o celular. Mais uma vez não nos sentimos confortáveis de perguntar nada – não há sentido em forçar qualquer coisa apenas para “participar”, e pode até ser desrespeitoso com quem está ali todos os dias cobrindo a equipe e merece ter prioridade. Mas deu para sentir bem qual é a dinâmica: nada muito relevante sai dessas coletivas, mas as pequenas informações, miúdas mesmo, vão se juntando para formar um cenário de “especialização” sobre a equipe. Os jornalistas falam nos bastidores sobre quem treinou e não treinou, quem está saudável, quem está bem, vão usando todas as pistas que as entrevistas dão, e dá pra ver quem está escrevendo uma matéria “maior” e faz a mesma pergunta para todos os técnicos e jogadores apenas para conseguir uma ou outra frase que possa usar numa reportagem que já está estruturada ou quase pronta. É um outro tipo de relação com o munda da NBA que é pouco acessível para nós ou que simplesmente não nos faz sentido – a gente não precisa de “citação” de alguém pra poder estruturar um texto, e é legal ver como ter essa citação acessível muda as regras por lá.

Quando o jogo começou ficamos em lugares piores do que em Houston, mas ainda assim muito bons. Foi legal ver um Spurs desfalcado de Kawhi depender de LaMarcus Aldridge e conseguir uma guinada importante enquanto estivemos ali – foi o início de uma recuperação, e de um discurso de “urgência”, que levaria o time a ir aos trancos e barrancos para os Playoffs, e perder Kawhi Leonard em definitivo no processo. Enquanto isso a torcida local juntou-se aos argentinos para criar um clima enlouquecido no ginásio, é um pessoal verdadeiramente apaixonado. O que chamou atenção, e que nunca havíamos percebido vendo os jogos em casa, é que ao contrário dos outros times o Spurs ataca enquanto tocam músicas altíssimas e defende no mais total e completo silêncio, com a torcida sendo responsável por gritar “defesa” a plenos pulmões. É uma inversão estranha, um tanto desconfortável, mas que talvez mostre a tônica do time: a defesa é o que faz a torcida gritar, enquanto o ataque acontece mesmo com música alta, como se ninguém precisasse se conversar, é a mais pura rotina e normalidade.

Nos vestiários depois do jogo, vimos Pau Gasol dando os primeiros indícios de que o time “iria vencer usando quem estivesse ali”, num abandono discursivo a Kawhi Leonard, e então tivemos nosso primeiro susto: quando finalmente eu já estava me sentindo “em casa”, sem o coração pulando pela boca só por estar dentro dos vestiários vendo os jogadores do Spurs, um dos responsáveis pela imprensa no ginásio nos abordou, em tom inquisitivo, querendo saber de que país a gente era e qual era o nosso site. O que julgamos a princípio como um interrogatório para descobrir se éramos ou não uma farsa, invasores, charlatões ou algo do gênero, se mostrou na verdade uma tentativa estabanada de descobrir se nosso público era falante de espanhol porque Ginóbili deu uma entrevista exclusiva apenas para os jornalistas latinos, que aliás eram muitos – tornando o vestiário muito mais lotado do que o de Houston, por exemplo. Vimos a entrevista de Ginóbili em espanhol de canto de olho, acompanhando os depoimentos de outros jogadores do Spurs, e saímos quando tudo acabou. Mesmo que nada de muito importante tivesse sido dito, deu pra captar um “clima” de reviravolta na equipe, que meses mais tarde descobrimos no que foi dar. Imagino que quem vive o dia-a-dia das equipes deva perceber essas coisas com tranquilidade, mesmo que não venha através de grandes notícias que virariam manchete dos jornais.


San Antonio Spurs e Golden State Warriors

O jogo mais importante da viagem, para o qual compramos ingressos antes de tudo o mais e que serviu de coluna estrutural de todos os nossos cronogramas de viagem, aconteceu dois dias depois de nossa visita aos vestiários. Voltamos ao ginásio dessa vez como simples torcedores para ter uma outra visão sobre a cidade e a equipe, mas com um porém: o Warriors todo desfalcado, sem Stephen Curry, Kevin Durant e Klay Thompson. Foi desses baldes de água fria que viajar às vezes despeja na gente, com o jogo mais aguardado se mostrando o mais desfalcado porque é impossível de prever esse tipo de coisa. Isso não impediu o ginásio de estar abarrotado, entretanto: vimos muitas, muitas pessoas com camisetas do Warriors, muita gente que viajou apenas para ver esse que deveria ser um dos maiores clássicos da temporada. Descobrimos que quando um time está num momento tão histórico quanto o Warriors, seus torcedores viajam o país aos montes para acompanhar os jogos. Foi incrível ver as torcidas tão misturadas, nenhum indício de discussão ou confronto, e muitas crianças com camisetas do Curry – tantas que imagino que algumas sequer eram torcedoras de fato do Warriors, estavam apenas “encarnando” o jogador favorito e foram apreciá-lo.

O jogo que vimos foi até bom, com o Warriors resistindo ao máximo até que Draymond Green TAMBÉM SE LESIONOU, e aí o que nos sobrou foi um festival de reservas. Mas de novo valeu pela torcida do Spurs e pelo clima de “guinada” que o time parecia estar dando, se aproveitando da sorte que foi enfrentar o Warriors naquelas condições. Como comentei aqui na primeira parte deste guia, nem sempre numa viagem você verá os melhores jogos e muitas vezes o melhor time de todos os tempos estará inteiramente desfalcado, mas parte da experiência é maior do que isso: a gente participa da narrativa que está lá disponível na hora, e naquele momento era sobre o Spurs recuperar sua auto-estima e algum senso de orgulho, e também celebrar Manu Ginóbili antes que ele se aposentasse. A gente achava que tinha ido ver o Warriors antes dele acabar, mas calhou de que vimos o armador argentino antes dele parar. Sem possibilidade alguma de controle, é preciso aprender a aceitar o que está à mão, e o jogo valeu a pena mesmo sendo muito longe de nossas expectativas iniciais.


Austin

Na manhã seguinte ao Spurs e Warriors fizemos uma “esticadinha” em Austin para conhecer a cidade. Fizemos a viagem de cerca de uma hora e meia numa outra empresa de ônibus, a Megabus, pouca coisa mais cara e mil vezes mais confortável do que todos os outros ônibus que pegamos na viagem. Como nossa passagem por Austin seria curtinha, não podíamos nos dar ao luxo de esperar por 3 horas um atraso do ônibus e o investimento extra deu resultado: tudo foi feito no horário certo.

Em Austin ficamos num Airbnb bem no centro da cidade, com camas individuais e duas bicicletas inclusas na diária de 120 reais cada. A anfitriã nos deu várias dicas de passeio, explicou como chegar nesses lugares de bicicleta, deixamos as malas e já saímos pedalando. A cidade se orgulha de ser “esquisita”, lar dos liberais aposentados e da juventude progressista da Universidade do Texas, de modo que não faltavam bicicletas pelas ruas. Demos uma passada no campus universitário, pedalamos pelos parques ao redor do Rio Colorado, vimos o Parque dos Grafites, comemos comida vegetariana e visitamos a maior loja de jogos de tabuleiro do Texas –  tudo uma confirmação de que Austin é, de fato, a “cidade dos hipsters“, um ambiente culturalmente diverso e muito acolhedor. Fomos bem recebidos em todos os lugares, incluindo a oficina de bicicletas quando uma de nossas correntes arrebentou no meio da pedalada.

No dia seguinte pela manhã já nos despedimos da cidade, pegando um carro alugado para retornar a New Orleans, de onde sairia nosso voo noturno.


Como contei na segunda parte do guia, chegamos em New Orleans depois da viagem de carro a tempo de ver mais um jogo do Pelicans, com Anthony Davis em quadra e DE GRAÇA, por conta da baixa procura pelos ingressos. Ao todo vimos 5 jogos, sendo dois deles com credenciais de imprensa. Conhecemos os ginásios, as lojas dos times, os vestiários, a dinâmica entre os times e a imprensa, as torcidas, alguns jogadores, e as pessoas e as cidades que estão ao redor da NBA e que não podem ser desassociadas do esporte. Muitas vezes nos prendemos ao basquete e esquecemos que existe toda uma cultura ao redor dele, cidades que abraçam mais seus times do que outras, ambientes que permitem que pessoas como Gregg Popovich possam ser revolucionárias ou tenham que se adequar, sistemas que permitem que o esporte prospere ou fique de escanteio. Viajar para ver a NBA é também viajar para ver o mundo no qual a NBA está inserida, e isso significa passar uns apuros, ficar sem ônibus, bater papo com motorista do Uber, não entender o sotaque das pessoas nos restaurantes, andar pela periferia, ver basquete sendo jogado numa quadra de rua, passear pelos (muitos) rios, pedalar no trânsito, quebrar corrente, fazer mercado, conversar com desconhecidos na rodoviária. Faz tudo parte do pacote e faz a gente se lembrar de que esporte é sempre muito mais do que esporte.

Para a gente, em particular, também foi a chance de perceber que não fomos nós que viajamos e levamos junto o Bola Presa nas costas – foi o Bola Presa que cresceu, completou 10 anos, ficou enorme, recebeu apoio e carinho do público, e aí nos levou para os Estados Unidos nas costas, abrindo pra gente as portas dos vestiários e tentando nos convencer de que a gente, mesmo aqui tão de longe, pertence em definitivo a esse mundo, a esse esporte. De certa forma, esse Guia de Viagem é também um agradecimento nosso ao Bola Presa, que tornou essa viagem possível, e um agradecimento a todos os nossos leitores, ouvintes e assinantes que tornaram essa jornada real. Deixamos aqui nosso muito obrigado, e nossa torcida para que vários de vocês também possam viajar para acompanhar a NBA e venham compartilhar suas experiências com a gente assim como fizemos por aqui!  Boa viagem! :)

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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