Em 2016 escrevi um post para explicar como o Brooklyn Nets havia se tornado o “time sem futuro”. Como vocês devem lembrar, a saga começou quando o bilionário russo Mikhail Prokhorov comprou o time e prometeu um título em até 5 anos. Depois disso veio a troca por Kevin Garnett e Paul Pierce, que custou anos e mais anos de escolhas de Draft sendo enviadas para o Boston Celtics. No fim das contas o Nets não viu a cor de uma final de NBA, não foi longe com seu time de All-Stars, viu todos os nomes de grife irem embora e ainda ficou sem jovens jogadores ou escolhas de Draft para uma reconstrução. Sobrou só um grande vazio cercado de veteranos frustrados e contratos caros.
Passados mais de 8 anos da promessa de Prokhorov e quase 5 da troca por Garnett e Pierce, o Brooklyn Nets finalmente vê uma luz no fim do túnel. Com Spencer Dinwiddie e D’Angelo Russell revezando em quem lidera o time em quartos períodos, o time do técnico Kenny Atkinson esquentou nas últimas semanas, deixou Miami Heat, Charlotte Hornets e Detroit Pistons para trás e já é o SEXTO colocado do Leste. Eles estão atrás apenas de Celtics, Sixers, Bucks, Raptors e Pacers, nada menos que os cinco óbvios favoritos para vencer a conferência e que devem concentrar boa parte dos eleitos para o All-Star Game.
Daria para encarar isso como uma crítica e dizer que o Nets é apenas o “melhor dos piores” numa conferência que chama a atenção pelas histórias de decepção e desempenho pífio, mas o Nets está no caminho contrário da maioria. Os citados Hornets, Heat e Pistons, além do sempre esquisito Washington Wizards, já passaram pela fase de garimpar talento, encontrar seu principal jogador e despejar rios de dinheiro para montar um elenco. Essas equipes gastam um trimestre de lucro de banco para ter Kemba Walker, Blake Griffin, Andre Drummond, John Wall, Bradley Beal, Otto Porter e, no caso do Heat, um monte de jogador médio que só descobriu que era jogador da NBA em Miami. O investimento foi feito anos atrás e agora, na hora de brigar pelas cabeças, todos estão arrependidos de terem colocado dinheiro no lugar errado.
O Brooklyn Nets está no movimento oposto. Assim como Chicago Bulls, New York Knicks e Atlanta Hawks, por exemplo, o Nets está na fase de apostar em jovens jogadores, coletar escolhas de Draft e abrir espaço salarial para futuras contratações, é o que se chama na NBA de “reconstruir” um time. A diferença é que Bulls, Knicks e Hawks estão lá embaixo na tabela e otimismo mesmo só quando assistem Zion Williamson jogando na TV. O Nets está conseguindo jogar bem e tirar o melhor dos seus jogadores ao mesmo tempo em que está bem posicionado para melhorar nos próximos anos: é o Santo Graal dos times ruins:
Mas como isso aconteceu tão rápido se no começo de 2016 eu escrevi isso aqui?
O resultado está aí: um time mal-visto dentro da NBA, percebido como uma franquia que não tem uma liderança que saiba o que está fazendo; e percebida por torcedores como um time nariz empinado que achava que poderia comprar vitórias.
Seu elenco não tem nenhum jovem promissor. O novato Rondae Hollis-Jefferson parece bom, mas nada que sequer valha apostar que tem futuro garantido como titular na NBA. Como opção de reconstrução sobraria o Draft, mas se vocês prestaram atenção, viram que o Nets gastou escolhas em todas as trocas que fez. Esse é o singelo panorama futuro:
Draft 2016
Escolha de primeira rodada está com o Celtics
Escolha de segunda rodada está com o ClippersDraft 2017
Celtics tem o direito de inverter posições com o Nets
(a pior escolha entre os dois times fica com o Nets, a melhor com os verdinhos)
Escolha de segunda rodada está com o HawksDraft 2018
Escolha de primeira rodada está com o Celtics
Escolha de segunda rodada está com o Hornets
Um mês depois deste texto, o Nets contratou Sean Marks para como novo General Manager. O ex-jogador neozelandês parou de atuar em 2011 e logo começou a trabalhar como assistente na gerência do San Antonio Spurs, onde foi campeão em 2014. Com boa fama entre seus pares, foi o escolhido para o árduo trabalho de colocar o Nets nos eixos.
O seu plano era ser o oposto do que Prokhorov esbravejava no começo da década: dessa vez o time iria ter paciência, comer pelas beiradas e esperar as melhores oportunidades. Ele foi autorizado a agir assim porque o próprio russo passou a se afastar da equipe e passou a delegar funções. Até chegaram a pipocar boatos de que Prokhorov iria se livrar o Nets, mas ele vendeu “apenas” 49% do time para o empresário taiwanês Joseph Tsai.
Com poder nas mãos, a primeira atitude de Sean Marks foi contratar o técnico Kenny Atkinson. Ele estava trabalhando como assistente de Mike Budenholzer naquele Atlanta Hawks dos sonhos que acabou o Leste em primeiro lugar e encantou o mundo da NBA com milhares de bolas de 3 pontos, muitos passes e espaçamento de quadra bem executado. Para Marks, aquele era o jeito contemporâneo de se jogar basquete e o Nets deveria imitá-lo, mesmo que sem o mesmo elenco. Se o número de vitórias não mudou muito quando Atkinson saiu (20 no seu primeiro ano, tinham sido 21 no ano anterior), o estilo de jogo era completamente novo. O Warriors dos pobres ainda era ruim, mas ganhava uma cara.
Vejam o perfil de arremesso da última temporada antes de Atkinson (2015-16) e da sua primeira no comando (2016-17):
Dá pra ver como os arremessos de meia distância minguaram e se transformaram em bolas de 3 pontos, mas também é possível perceber que o aproveitamento despencou. Os números brutos confirmam o gráfico: o time saltou de 18 bolas de 3 tentadas por temporada para TRINTA. Os lances-livres também cresceram, de 20 para 24 por jogo. Mesmo as bolas mais próximas da cesta, que se mantiveram mais parecidas, mudaram em estilo. O total de ganchos tentados, por exemplo, caiu de 298 na temporada 15-16 para 198 no ano seguinte. Sinal de que o pivô do time, Brook Lopez, como explicamos neste texto aqui, passava mais tempo no perímetro.
Com um estilo de jogo mais determinado, Marks começou a tentar reforçar o time com o que tinha em mãos. Ele começou trocando o veterano Thaddeus Young por uma escolha de Draft usada imediatamente em Caris LeVert. Depois foi a vez de contratar Jeremy Lin, armador que vinha de uma ótima temporada no Hornets e que tinha sido parceiro de Atkinson quando a Linsanity surgiu no New York Knicks. Em uma troca parecida, no ano seguinte, o time negociou o contrato que estava para acabar de Bojan Bogdanovic para o Washington Wizards, que em troca cedeu a escolha de Draft usada no pivô Jarrett Allen.
O promissor manager também soube encontrar jogadores desacreditados e sem contrato. Ele pescou o exímio arremessador Joe Harris quando ele estava sem emprego na NBA há mais de seis meses após não ter tido sucesso no Cleveland Cavaliers, já Spencer Dinwiddie tinha passado mais tempo na G-League do que na NBA quando recebeu uma chance no Nets. Por fim, ainda tiveram os chamados “negócios de arrependimento“, de quando eles usaram a folha salarial recém limpa para aceitar contratos GIGANTES de times desesperados em troca de alguma compensação. Então DeMarre Carroll chegou junto de duas escolhas de Draft, a praga de Timofey Mozgov trouxe junto D’Angelo Russell e Allen Crabbe, o mais questionável dos negócios de Marks, veio praticamente de graça do Portland Trail Blazers.
O próximo passo era acertar as escolhas de Draft, coisa que o Orlando Magic e o Detroit Pistons podem dizer que não é algo tão fácil quanto parece. Além dos já citados LeVert e Allen, o manager transformou as duas escolhas vindas do Raptors em Dzanan Musa e Rodions Kurucs, novatos nesta temporada. LeVert era o principal candidato ao prêmio de Jogador que Mais Evoluiu na temporada até se machucar, Jarrett Allen coleciona tocos nos melhores jogadores da NBA e Kurucs já se tornou ídolo cult entre aqueles que se dão ao trabalho de assistir jogos do Nets. Eu recomendo, aliás: além do estilo de jogo legal, o time é especializado em perder grandes lideranças ou conseguir viradas épicas, além de o narrador oficial da equipe ser o excelente Ian Eagle. Entretenimento garantido.
No meio desses negócios todos, o time ainda beliscou futuras escolhas de Draft. Em 2019 eles terão a própria escolha deles (finalmente!) além das do Denver Nuggets e do Portland Trail Blazers. Além disso, o Nets será o TERCEIRO time com mais espaço salarial para gastar na próxima offseason, podendo usar o seu apelo geográfico, de estilo de jogo e até de resultado da atual temporada para atrair alguns dos muitos nomes de peso que estarão disponíveis.
Mas talvez o grande trunfo do Nets seja que eles nem precisam de um grande nome para manter a fase de otimismo. Se tem uma coisa que funcionou nesse time nos últimos dois anos, foi o desenvolvimento de jovens jogadores. Começo com Caris LeVert, que chegou como uma escolha discreta de fim de primeira rodada e em poucos anos se tornou o grande nome do time no começo desta temporada. A sua lesão, além de feia visualmente, foi de quebrar o coração porque estávamos testemunhando um jovem jogador se descobrir um grande nome na NBA: LeVert melhorou seu arremesso, passou a infiltrar com mais controle e menos improviso e seus passes estavam achando os arremessadores espalhados pela quadra. O técnico Kenny Atkinson já estava até bem confortável em deixar a bola na mão dele no fim dos jogos com a certeza que seu jovem ala tomaria a decisão certa com a bola. Esse tipo de corte no drible não estava presente no seu jogo quando ele chegou na liga:
Caris LeVert came out of the gate BALLING this year pic.twitter.com/aUm4uKbpkX
— Bleacher Report NBA (@BR_NBA) October 21, 2018
O mesmo dá pra dizer de Spencer Dinwiddie, que não conseguiu se firmar como armador nem no Detroit Pistons, que estava desesperado por alguém da posição, e que finalmente deslanchou na carreira ao assumir o papel do machucado Jeremy Lin na temporada passada. Com um esquema tático que favorece as infiltrações, Dinwiddie sabe usar os bons corta-luzes de Jarrett Allen e o espaço criado por arremessadores para atacar a cesta o tempo inteiro. Seu aproveitamento de arremessos subiu de 45% para 52% nesta temporada, e nas bolas de 3 melhorou de 32% para 37%. Legal também ver a confiança que ele ganhou nesta temporada, sabendo agora que é um jogador sob (novo) contrato e não mais um cara lutando por um contrato mínimo de 10 dias:
Spencer Dinwiddie leads the Nets to the OT road win over the Rockets with 33 points and 10 assists!#WeGoHardpic.twitter.com/4ZbwXF2A3E
— Nitrogen Sports (@NitrogenSports) January 17, 2019
Um dos casos mais interessantes do time é o de Jarrett Allen. Em teoria ele não se encaixa perfeitamente no “novo Hawks/Warriors” pensado por Kenny Atkinson. Ao contrário de Al Horford, o dono do cabelo mais legal da era pós-Elfrid Payton não é um grande arremessador, não se destaca por grandes passes e nem bota a bola no chão para driblar e criar jogadas. O negócio dele é mais grosseiro: rebotes, corta-luzes e tocos. Muitos tocos, de preferência em nomes de peso: Blake Griffin, LeBron James, James Harden, Giannis Antetokounmpo, Anthony Davis e tantos outros podem confirmar:
Foi uma adaptação do técnico ao seu elenco. Não existem muitos Al Horfords por aí e a busca por um deles pode ser cara ou infrutífera. Ao invés disso eles tinham em mãos um outro tipo de pivô que também tem tido sucesso por aí. Com altura, força e até muita mobilidade para seu tamanho, Allen poderia emular papéis mais parecidos com os de Rudy Gobert ou Steven Adams, por exemplo. O Nets é o ÚLTIMO colocado na NBA em post-ups, aquelas jogadas clássicas de costas para o garrafão, e o terceiro que menos finaliza pick-and-rolls tocando para o pivô que faz o bloqueio. Allen teria que concordar em fazer o trabalho sujo e fazê-lo bem. Está acontecendo.
Por fim, outro jovem que deslanchou no segundo time de Nova York foi D’Angelo Russell. Depois de uma passagem pelo LA Lakers mais lembrada por dedurar adultérios do que por basquete, o ainda muito jovem armador está agora mostrando na NBA o que prometia no basquete universitário. Seu aproveitamento de 3 pontos (38%) é o melhor da carreira e grande destaque, mas o mais legal é ver como Russell cresceu nos tiros de meia distância. Também indo de encontro com os preceitos iniciais do time, 43% dos seus arremessos hoje são de meia distância e só 17% de 3 pontos. Até o total de bandejas (onde seu aproveitamento nunca foi grande coisa) caiu. Do seu jeitinho, pulou dos 15 pontos por jogo que teve nas primeiras 3 temporadas da carreira para 19 pontos de média nesta temporada, se tornou um dos jogadores que mais passa tempo com a bola na mão e acabou de ser eleito Jogador da Semana no Leste.
Também é interessante ver como Russell está mais falante em quadra e agindo como um armador de fato e líder do time. No Lakers ele nunca tinha mostrado isso. A soma da pressão, da pouca idade, da presença de Kobe Bryant e da ânsia para que ele se tornasse logo a cara do time o atrapalharam demais nos primeiros anos. Legal que o Nets (e o tempo, claro) conseguiram dar uma segunda chance para alguém tão bom.
Deixei os casos de Russell e Allen para o final porque vejo neles uma evolução do Nets e de Atkinson. Ter um pivô não passador nem arremessador não era o plano inicial, assim como arremessar de meia distância era quase um crime. Mas o time conseguiu ler o seu próprio elenco e adaptar esses caras dentro do grupo. O time como um todo tem um estilo próprio, mas ele é maleável o bastante para que se aproveite as raras chances de adicionar talento a ele. Hoje assistimos o Nets jogar sabendo o que esperar deles, os jogadores sabem suas funções e o clima parece leve. Eles passaram por cima da traumática lesão de LeVert, se destacam no meio das cinzas de times frustrados do Leste e passam uma imagem de otimismo que há dois anos parecia estar a uma década de distância.