🔒Uma temporada imprevisível

Na temporada passada, fizemos um especial em três partes analisando a polêmica afirmação de Charles Barkley de que “a NBA está piorando”. Na opinião do jogador, a piora é perceptível através de dois elementos principais: péssimos arremessadores insistindo em tentar bolas de três pontos e a existência de apenas “um, dois, três ou quatro bons times” enquanto os demais não possuem qualquer relevância.

Em nossa série de análises no ano passado, mostramos que a percepção de Barkley estava completamente incorreta. Primeiro, apontamos que os jogadores da NBA atual mantém médias de aproveitamento nas bolas de três pontos muito similares às médias das últimas 3 décadas, com uma diferença central: tentam-se agora muito mais arremessos, de modo que as defesas são muito mais preparadas para parar esse tipo de bola. A temporada passada terminou com aproveitamento médio de 35.8% nas bolas do perímetro – completamente dentro das oscilações entre 33% e 36% que vimos em 30 anos.

Segundo, coletamos dados para mostrar quantos times realmente bons existem a cada temporada. Concluímos que desde 1984 apenas dois times chegaram às Finais da NBA sem ter o primeiro ou o segundo melhor recorde de sua Conferência durante a temporada regular, de modo que apenas 4 times por temporada tem reais chances de título. Além disso, mostramos que times dominarem a NBA por anos seguidos é um acontecimento incrivelmente comum, que sempre existem entre 5 e 10 times com 60% de vitórias ou mais numa temporada mesmo que não possuam reais chances de título, e que os times que se classificam na oitava vaga para os Playoffs já estiveram 30 vitórias atrás do primeiro colocado em outras oportunidades antes do domínio do Warriors repetir o feito nos últimos anos.

Por fim confirmamos que, desde os anos 50, 28 das 67 Finais disputadas foram “repetecos” de uma Final que acontecera logo na temporada anterior, mostrando que os times no topo mantém-se dominando a NBA por mais de uma temporada, muitas vezes por períodos tão longos quanto uma década inteira – casos de Lakers e Celtics nos anos 80, Bulls nos anos 90, Spurs e Lakers nos anos 2000. Ou seja: um domínio entre Cavs e Warriors poderia durar por uma década inteira e ainda assim não sair muito dos padrões da NBA, ao contrário do que Barkley parecia inferir ao afirmar que o “talento” estaria pela primeira vez inteiramente concentrado somente nesses times, tirando o impacto de todos os demais.


Desde que mergulhamos nessa discussão, mais de um ano se passou. Vimos pela primeira vez na História um sinal de que presenciávamos uma dominância maior do que o habitual: Cavs e Warriors se enfrentaram em três Finais da NBA consecutivas, algo que nunca antes havia acontecido. O acontecimento motivou ainda mais a onda histérica, da qual Charles Barkley faz parte, que via na NBA um campeonato cada vez mais previsível, sem graça alguma. Analistas e executivos começaram a cogitar se os times “sem chance” deveriam se entregar, abandonar os contratos grandes e longos, reconstruir do zero com paciência no aguardo de que LeBron James se aposentasse, ou que o Warriors envelhecesse. E no meio dessas deliberações, eis que chegamos ao fim da temporada 2017-18 e toda a histeria anterior se dissolveu: temos diante de nós uma temporada completamente IMPROVÁVEL.

Se formos levar em consideração o histórico majoritário anterior, os únicos times com chances reais de título seriam os primeiros dois classificados de cada Conferência: Rockets e Warriors, pelo Oeste; Raptors e Celtics, pelo Leste. No entanto, a situação desses times é bastante fora do comum. Rockets, líder absoluto da temporada com 65 vitórias, carrega consigo o histórico desastroso nos Playoffs de seu técnico, Mike D’Antoni, nunca tendo alcançando as Finais da NBA mesmo comandando as equipes mais empolgantes e talentosas de sua geração. Além disso, James Harden é lembrado por sua última e tenebrosa atuação na pós-temporada, uma partida catastrófica que resultou na eliminação do Rockets, e seu estilo de jogo – baseado em lances livres e bolas de três pontos – é amplamente questionado por não ser “sólido o bastante” para os Playoffs. Da mesma maneira, o líder do Leste, o Toronto Raptors, é famoso por ser um time que derrete sob pressão e por jogar pior em casa do que fora dela nos momentos mais tensos da pós-temporada. Enquanto isso, Warriors e Celtics estão dizimados por lesões – Celtics não conta com Gordon Hayward a temporada toda e não terá Kyrie Irving no momento mais importante dessa campanha; o Warriors já vetou a possibilidade de contar com Stephen Curry ao longo de toda a primeira rodada, no mínimo. Nessa situação estranha, em que é impossível não ter algumas ressalvas sérias com os quatro – supostos – favoritos, alguns outros times surgem pelas beiradas, a começar pelo Cavs. LeBron James participou das últimas 7 Finais da NBA e deveria ser considerado um dos favoritos para continuar a marca, se não fosse um time reconstruído às pressas e, embora cheio de boa vontade, majoritariamente composto de jogadores jovens demais para um momento tão importante. Por outro lado, o time mais QUENTE ao alcançar esses Playoffs é justamente um time composto apenas de pirralhos, o Philadelphia 76ers, que vem de 16 vitórias consecutivas – maior marca da história da franquia. Mesmo que piores classificados, ainda encontramos outros times que poderiam alcançar as Finais sem parecer muito absurdo: passamos a temporada toda dizendo que o trio do OKC Thunder só precisava se provar nos Playoffs, e o San Antonio Spurs já cansou de nos mostrar que pode vencer com qualquer elenco – e ainda existe esperança de que Kawhi Leonard retorne em algum momento aleatório, para surpresa de todos nós.

Temos um misto extraordinário de times experientes e consagrados, times que fizeram movimentos ousados não para reconstruir mas para atacar a dominância do Warriors, times que saem agora de um longo processo de reconstrução, times que ainda estão na transição entre um time consagrado e um time reconstruído, times que estão se preparando para dominar a NBA pela próxima década, times desesperados que enxergam nessa temporada uma última chance de deixar uma marca antes da equipe implodir. São muitas histórias incríveis, times muito diferentes, e nenhum deles pode ser verdadeiramente retirado da briga sem deixar um gosto estranho na boca.

O Leste, principalmente, parece terra de ninguém: a “supremacia do Cavs” deu lugar a 4 times acima dos 60% de aproveitamento na temporada (com o Pacers, com pouco mais de 58%, quase atingindo a marca mágica). Nenhum deles é unanimidade: Raptors pelo histórico em temporadas anteriores, Celtics pelas lesões, Sixers pela inexperiência e Cavs pela reconstrução no meio da temporada. Mas todas elas são ressalvas que podem ser superadas rumo a uma Final muito pouco convencional.

No Oeste, o clima de instabilidade e surpresa se dá porque apenas 2 vitórias separam o terceiro e o oitavo colocados, com o Warriors se distanciando um pouco mas ainda coberto de ressalvas dados os maus momentos do time na temporada, entre lesões e falta de motivação. E nem mesmo eu, fã inveterado do Rockets, consigo levar com tranquilidade o favoritismo da equipe rumo às Finais, dado o ineditismo do estilo de jogo que apresenta.

Alguns dirão que a NBA ainda está “monopolizada” pelos mesmos, que foi apenas uma questão de lesões e desarranjos por parte de Warriors e Cavs. Mas aqui é que está a graça: se os times estão sujeitos a lesões e desarranjos diversos, a brigas de vestiários e a falta de ânimo, se estão se atrapalhando enquanto os outros times arriscam tudo ou consolidam seus processos de reconstrução, então NÃO HÁ monopólio. Todos os times podem tombar a qualquer momento e, para as demais forças periféricas, a melhor ideia é estar PRONTO para saltar na frente na primeira oportunidade ao invés de jogar a toalha com antecedência. Muitas Finais da NBA se repetiram por 2 anos consecutivos, mas apenas uma vez vimos uma terceira repetição – de modo que os outros times precisam ter isso em mente e arriscar, melhorar, para agarrar a oportunidade da constante alternância de times nas Finais. O Warriors pode até mesmo vencer novamente o título, independente das demais surpresas chegando às Finais de Conferência ou às Finais da NBA, mas quem garante que, depois dessa temporada imprevisível e dos altos e baixos do Warriors, um outra time não possa surpreender no momento mais importante – ainda que auxiliado por lesões, intrigas, meteoros ou quaisquer dessas coisas que constituem A VIDA NORMAL de um time da NBA?

Pelo que trouxe de inovador à NBA, pelo elenco que construiu e pela ajuda que recebeu, o Golden State Warriors pode muito bem vencer mais 10 títulos consecutivos, uma das forças mais dominantes da história do esporte. Mas ao contrário do que parecia para alguns, o Warriors terá que LUTAR DURAMENTE para fazer isso acontecer ano após ano, de maneira progressivamente mais difícil – eles não estão acima dos erros, dos deslizes, das contusões e das montanhas-russas emocionais e físicas pelos quais passam os demais jogadores e equipes na NBA. Sempre haverá alguém disposto a arriscar tudo para encaixar um Chris Paul ao elenco e lhes fazer frente; alguém do nível de LeBron James carregando nas costas um quinteto limitado; times jovens que sobreviveram a anos e anos de derrotas propositais apenas para encontrar um Joel Embiid da vida; forças imprevisíveis da natureza como Giannis Antetokounmpo que podem perder por 20 ou vencer por 30; elencos limitados mas esforçados com um técnico genial como Brad Stevens.

Muitas vezes temos dificuldade de ver o tempo de fora, como uma história de longa duração. Vemos um time vencer duas vezes e já acreditamos que aquela pequena amostra é um sinal de todo o futuro. Nos esquecemos que aqueles poucos anos de sofrimento pelos quais passamos em nossas vidas não representam a totalidade de nossas existências, mas sim um momento pontual que será superado. Se pudéssemos ver nossa história completa, de uma única vez, o sofrimento mudaria de categoria – deixaria de ser um indício de futuro para se tornar meramente um deslize momentâneo. A histeria de alguns críticos de basquete se encontra na mesma chave: ao ver um time ser muito superior durante dois ou três anos, acreditam que a NBA está quebrada, que as contratações foram injustas, que Kevin Durant estragou o jogo, que o Curry prejudicou o basquete, que o esporte perdeu a graça, etc, etc. Esquecem que se trata de uma amostra muitíssimo pequena de tempo. Desde que o Warriors despontou como potência, os outros times se adequaram, copiaram o que fazia sentido e ajustaram o que podiam. As jovens estrelas cresceram, e agora possuem SEDE DE SANGUE – sangue dos seus ídolos mais velhos cheios de anéis de campeão. Pivôs como Joel Embiid já chegaram arremessando de três, influenciados pelo movimento a que o Warriors deu um rosto, e causam agora gelo na espinha para Stephen Curry e seus amigos que, antes, eram os únicos aplicando essa tática eficiente. Passaram-se poucos anos e a NBA já voltou a ser um mundo de múltiplas possibilidades, com mais e mais times se preparando para abocanhar qualquer falha que o Warriors e os demais times da elite apresentarem. Já estamos diante de uma temporada deliciosamente imprevisível. Mesmo se os resultados forem os mesmos dos últimos anos, podemos olhar para isso com surpresa, e saber que os outros times não deixarão isso barato. Um título da NBA é sempre possível.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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