O retorno da NBA

A NBA finalmente retoma a temporada hoje, 30 de julho, após 20 semanas de paralisação por conta da pandemia de coronavírus. Dadas as circunstâncias atípicas, o retorno também será atípico: teremos temporada regular encurtada, times que não participarão, jogadores que escolheram ficar de fora, quadras sem torcedores, local único para as partidas e, dentre tantas bizarrices, um mini-torneio para determinar o último classificado para os Playoffs, conhecido aqui no Bola Presa como “TORNEIO COLHER DE CHÁ”. É tanta coisa nova numa situação inédita para o esporte que é fácil se sentir perdido, mesmo se você acompanha a NBA de longa data. Então antes das partidas de hoje (Pelicans e Jazz, às 19h30, e Clippers e Lakers, a BATALHA DE LOS ANGELES PORÉM EM ORLANDO, às 22h) vamos relembrar o que raios está acontecendo com a maior liga de basquete do planeta.


TEMPORADA REGULAR

No mundo pré-pandêmico, aquele em que a gente era feliz e não sabia, todos os times da NBA jogam tradicionalmente 82 partidas cada um na chamada “temporada regular” e então os oito melhores classificados em cada Conferência vão para a pós-temporada, os Playoffs. No entanto, quando a temporada foi interrompida pela pandemia, a maior parte dos times havia jogado apenas 64 ou 65 partidas. Jogar todas as partidas restantes, no cenário atual, seria impossível – a NBA quer que a temporada dure o mínimo possível, porque manter a estrutura funcionando até outubro custará cerca de 170 milhões de dólares e esticá-la para além disso seria ainda mais caro, além de atrasar a próxima temporada, que idealmente deveria começar no dia primeiro de dezembro, no máximo. Por outro lado, quanto mais partidas a NBA conseguir realizar, mais jogos serão transmitidos pela televisão e menor será a multa que as redes televisivas cobrarão pelas partidas não realizadas. Chegou-se, então, à decisão de acrescentar mais 8 partidas para cada equipe. Isso fará com que a maior parte dos times termine a temporada regular com 72 ou 73 jogos disputados, maximiza os lucros, reduz os custos, dá uma sensação de temporada “quase completa” e ainda permite que os times criem algum ritmo de jogo antes do começo dos Playoffs, que no fundo é o que realmente importa.

Adicionar apenas 8 jogos, entretanto, faz com que várias equipes na parte de baixo da classificação não tenham mais chances de alcançar a oitava colocação. Por motivos de ALGUM BOM SENSO, então, só foram convidados para o retorno da temporada equipes que estivessem no máximo 6 vitórias atrás das equipes atualmente na oitava posição (matematicamente, times 7 ou até 8 vitórias atrás teriam chance, mas isso significaria que eles teriam que vencer todos os jogos enquanto os outros adversários diretos teriam que perder todas as partidas, o que simplesmente não faz sentido). Com isso temos apenas 22 times participando, o que significa que 8 equipes já estão de férias, curtindo um distanciamento social por aí.

Para definir os confrontos nesses 8 jogos restantes para cada equipe, tentou-se manter o calendário original, mas obviamente descartando as equipes que não participam mais da temporada – isso quer dizer que quem enfrentaria os piores times agora na reta final sai prejudicado, porque enfrentará apenas os outros 21 melhores times da NBA. Times que estão mal na classificação mas estavam em boa fase também saem prejudicados, porque terão cerca de 10 partidas a menos na temporada para se recuperar. E se a gente somar essas duas coisas – não enfrentar mais os piores e estar em boa fase e não ter mais tantos jogos – temos o New Orleans Pelicans, provavelmente o time mais prejudicado pelo novo modelo.

É por isso que a NBA escolheu dar uma forcinha para os times que estão lutando para se classificar: se o nono colocado estiver apenas quatro vitórias ou menos de distância do oitavo colocado, ele terá a chance de disputar o “TORNEIO COLHER DE CHÁ”. Nesse pequeno torneio de até dois jogos, oitavo e nono colocados se enfrentam; se o oitavo ganhar uma partida, vai para os Playoffs, enquanto o nono colocado precisar vencer duas partidas seguidas para se classificar. A ideia é que essa diferença de 4 vitórias ou menos na classificação poderia não ter acontecido com a temporada normal, mais longa, acontecendo, e usar o torneio para possivelmente apagar essa discrepância. É bizarro, é estranho, mas faz algum sentido e caso role deve ser ENCANTADOR. Torçamos para que aconteça!


PLAYOFFS

Quando a pós-temporada começar no dia 17 de agosto, nada muda: continuamos com séries de até 7 jogos, em que o primeiro time com 4 vitórias se classifica para a próxima fase, até as Finais da NBA, em que o campeão da Conferência Leste e o campeão da Conferência Oeste se enfrentam a partir do dia 30 de setembro. O objetivo era manter a pós-temporada, o momento mais celebrado de toda a NBA, idêntica ao que sempre foi para transmitir o mínimo de normalidade e não fazer com que o campeão seja desvalorizado ou questionado, o que poderia ocorrer se fossem adotados outros modelos “alternativos”. No entanto, temos uma pequena diferença, sutil, que é decorrência do fato de que todos os jogos serão disputados num lugar único, em Orlando: não há mando de quadra, a não ser de modo SIMBÓLICO. Times que estarão jogando em casa poderão controlar o sistema de som do ginásio, as mensagens projetadas nos telões e nas quadras, e haverá uma torcida digital, à distância, sendo representadas por imagens. Ainda assim, não se trata de jogar NA SUA CIDADE, com a torcida enlouquecida, com o seu vestiário, com a proximidade de casa, com suas vantagens climáticas e de altitude, etc. Isso faz com que o mando de quadra oferecido aos times de melhor classificação, tradicionalmente algo essencial nos Playoffs da NBA, tenha possivelmente menos impacto – o que também pode diminuir o interesse de alguns times, nos 8 jogos restantes da temporada regular, por conquistar uma melhor classificação na tabela. As consequências dessa pequena modificação só poderão ser analisadas a longo prazo, já que isso nunca aconteceu antes, mas certamente fará com que os Playoffs não sejam exatamente os mesmos quando a pós-temporada começar.


A BOLHA

Para ser possível jogar um campeonato esportivo com segurança no meio de uma epidemia global, a NBA resolveu instituir uma “bolha” – embora o termo técnico oficializado pela NBA seja “campus”. A ideia é restringir jogadores e comissões técnicas a um ambiente delimitado e protegido, impedir que saiam dessa zona de proteção e restringir a entrada de pessoas a esse ambiente sem testes e certificações apropriadas. Esse ambiente, no caso, é o ESPN Wide World of Sports Complex, dentro da Walt Disney World em Orlando. Estamos falando de um complexo de 90 hectares, três hotéis exclusivos para os times da NBA, sete ginásios para as equipes treinarem e três ginásios esportivos em que ocorrerão as partidas oficiais, televisionadas.

Quem está dentro dessa “bolha” precisa obedecer um conjunto de 113 páginas de regras de segurança e de saúde que incluem testes diários de covid-19, uso de máscaras, distanciamento social, um período de quarentena para todos que entram na bolha, e testes diários (e nova quarentena) para todo mundo que precisar deixar o ambiente por qualquer motivo – problemas familiares, lesões ou até mesmo SAIR PRA PEGAR COMIDA, como rolou com Bruno Caboclo e Richaun Holmes, né. Vários jogadores foram contaminados com o coronavírus antes do retorno da temporada, alguns inclusive momentos antes da entrada da bolha, mas até aqui nenhum atleta se contaminou enquanto estava dentro desse ambiente controlado. Ainda tem muito tempo (e muita chance) pra dar TUDO ERRADO, mas a “bolha” da NBA – que, como dissemos, custará 170 milhões de dólares para funcionar até no máximo 13 de outubro – é por enquanto um grande sucesso.

Manter essa “bolha” sob controle, entretanto, não é fácil – quanto menos pessoas dentro desse ambiente, mais fácil é mantê-lo seguro. Isso significa que cada time só pode levar até 37 membros para a temporada, incluindo jogadores, comissão técnica, seguranças e demais profissionais especializados, e não há possibilidade de que essas pessoas levem consigo seus familiares. Só ao término da primeira rodada dos Playoffs – quando teremos apenas 8 times restantes na disputada – haverá possibilidade de receber parentes, que deverão seguir as mesmas regras de saúde e de segurança e, claro, passar por um período de quarentena antes de entrar na “bolha”. O impacto que esse distanciamento familiar terá sobre o desempenho e a saúde mental dos jogadores também é algo que só descobriremos no futuro, mas que deve ser muito discutido ao longo dos próximos meses.

Inclusive, vários jogadores não toparam participar da “bolha” porque não estavam dispostos a passar tanto tempo longe das suas famílias. A NBA permitiu que todos os atletas que não estivessem interessados em retornar, por motivos diversos – preocupações com a própria saúde (incluindo medo de se lesionar depois de tanto tempo parado), preocupações com suas famílias, motivações políticas – tivessem a liberdade de não retornar, abrindo mão do salário que receberiam nos jogos restantes mas sem receber punições nem sanções em seus contratos.

A lista de jogadores que preferiu não participar, conhecida como turma do ME INCLUA FORA DESSA, conta com Kevin Durant e Kyrie Irving (ambos supostamente lesionados), Bradley Beal (recuperando de lesão e sabendo que o Wizards tá indo pra Orlando só pra PASSEAR), Trevor Ariza (preocupado com sua família), Avery Bradley (preocupado com o filho) e LaMarcus Aldridge (que resolveu aproveitar o tempo para fazer uma cirurgia).


POLÍTICA E BASQUETE

Não é só uma pandemia global que estremece o mundo, não – estamos passando por uma série de protestos sociais importantes, particularmente nos Estados Unidos, que lutam por igualdade de diretos para a comunidade negra. Esses movimentos sociais acabam tendo relação direta com a NBA e seus membros por uma série de motivos: a maioria dos jogadores é negra e vários são ativistas ou líderes de suas comunidades e estavam organizando ou marchando nas passeatas; a NBA participa ativamente há décadas de causas sociais sob o lema “NBA Cares” (algo como “A NBA se importa”); a liga se orgulha de ser um lugar de diálogo e integração entre jogadores de diferentes realidades, situações sociais e países; e há um vasto histórico na NBA de atletas negros que lutaram contra o preconceito nos anos 50 e 60 e que encontraram, em suas equipes, parceiros para essa luta. Vários jogadores, inclusive, foram contrários ao retorno da NBA porque isso tiraria vários jogadores dos protestos ou poderia “alienar” ou “ofuscar” os movimentos sociais. Para lidar com isso, a NBA afirmou que o retorno da temporada não ignoraria os movimentos das ruas; pelo contrário, que apoiaria e daria ainda mais voz e espaço para esses movimentos.

Na prática, isso significa que os jogadores trarão mensagens de cunho social em suas camisetas, que as quadras trarão os dizeres “Black Lives Matter” (“Vidas Negras Importam”), que cada equipe poderá escolher quais mensagens e protestos colocará nos telões dos seus jogos, que os jogadores na “bolha” terão contato com importantes ativistas para pensar quais mensagens passar dentro e fora do basquete, que a NBA se comprometerá com projetos sociais ligados à causa negra e com facilitar o acesso dos negros a cargos dentro da liga, e que não haverá nenhum tipo de censura aos protestos dos jogadores antes, durante ou depois dos jogos – o que deve incluir, pelo jeito, jogadores se ajoelhando durante o hino nacional dos Estados Unidos já na primeira partida da temporada entre Pelicans e Jazz. Não estranhe, portanto, que haverá muita política presente nas quadras da NBA nos próximos meses: apesar de estar numa “bolha”, o esporte e seus membros ainda fazem parte do mundo, e – concorde ou não com o conteúdo das mensagens – todos tem algo a dizer e podem, em qualquer circunstância, dizê-lo.


O QUE O BOLA PRESA JÁ FALOU SOBRE O RETORNO

Ao longo dessas 20 semanas sem temporada rolando, produzimos bastante material sobre o retorno. Para ir aquecendo os motores, colocamos abaixo uma liga com nossos podcasts e textos sobre o assunto:

  • “Filtro Bola Presa”, para nossos assinantes, com uma coleção de amenidades e curiosidades sobre o período de pausa da NBA.
  • “A Bolha”, para nossos assinantes, sobre as possibilidades do esporte não ter relação com o mundo exterior e, portanto, não falar sobre política e nem significar nada para fora dele.
  • Podcast aberto relembrando as temporadas de Raptors, Heat, Blazers, Nuggets, Pelicans e Mavs.
  • Podcast aberto relembrando as temporadas de Clippers, Sixers, Pacers, Thunder e Kings.
  • Podcast aberto relembrando as temporadas de Lakers, Celtics, Suns, Wizards, Jazz e Grizzlies.
  • Podcast aberto relembrando as temporadas de Bucks, Rockets, Magic, Nets e Spurs.
  • “Azarões do Oeste”, análise em texto das chances nessa temporada de Grizzlies, Blazers, Pelicans, Kings, Spurs e Suns.
  • “Azarões do Leste”, análise em texto das chances nessa temporada de Nets, Magic e Wizards.
  • Podcast aberto sobre os jogadores contrários à volta da NBA.
  • Podcast para nossos assinantes sobre o ativismo social na história da NBA.
  • Podcast aberto sobre a decisão de retorno da NBA.
  • “NBA, ativismo e desigualdade”, análise em texto sobre a relação entre a liga e o ativismo social.
  • Podcast para nossos assinantes sobre outras temporadas encurtadas na história da NBA e o rendimento dos jogadores nesses momentos.

E com a volta da temporada, o Bola Presa segue produzindo conteúdo sobre NBA, mas dessa vez também sobre o basquete nas quadras. Continue nos acompanhando, e obrigado a todos que seguiram consumindo nosso material mesmo nessas 20 semanas de marasmo. Bom restante de temporada a todos!

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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